Vamos pensar sobre feminismo e feminilidade?

Texto de Bia Pagliarini para as Blogueiras Feministas.

Há um certo feminismo que se intitula radical que se promove fazer uma crítica às relações de poder patriarcais apontando a necessidade de abolição de gênero. Nesta perspectiva, a feminilidade aparece tão somente como uma forma de amarra às mulheres, o poder enquanto tão somente dominação e opressão.

Acho válido e necessário criticar padrões hegemônicos de feminilidade? Sim, com certeza. Acho válido estabelecer critérios demarcatórios entre aquelas mulheres que conseguiriam serem “mais críticas” da feminilidade, supostamente mais livres, do que outras mulheres? Não, temos aí um grave problema.

Há muito tempo vejo neste feminismo a construção da imagem mulher errada e equivocada, a mulher alienada, enganada e “burra” que escolheria a feminilidade em contraposição a mulher “livre” do gênero e das amarras da feminilidade porque encontrou a “verdade” ou até mesmo se reencontrou com a “natureza”. Verdade ligada a natureza que tão somente o feminismo radical poderia proporcionar.

Foto do Facebook Oficial da Laverne Cox.
Foto do Facebook Oficial da Laverne Cox.

A mulher errada ou iludida é aquela que supostamente reproduz os estereótipos de gênero. A mulher trans talvez seja o exemplo mais extremo da forma como o feminismo radical necessita posicionar mulheres em posição de Outras para se constituir. Mas vemos também como este mesmo feminismo pode ser especialmente excludente com mulheres cis inclusive, ao estabelecer estes critérios demarcatórios: ou você é uma mulher natural, ou você está caindo na ilusão da feminilidade, ou você está se assujeitando à heterossexualidade compulsória, ou você se intitula enquanto “lésbica política”.

Como Hailey Kaas já disse em um texto, nosso feminismo deve ser para todas as mulheres, inclusive para aquelas que incorrem em “estereótipos” de gênero. Afinal: não existe possibilidade de escolha 100% livre fora de qualquer assujeitamento, o que não significa dizer que nós somos mecanicamente determinadas pelo o que está posto. Trata-se de compreender o paradoxo da escolha e as práticas de resistência. Não há escolha 100% livre das relações de poder e da situação dada (como pontua Beauvoir, só há escolha frente a uma situação prévia de existência) e as resistências se dão dentro das relações de poder.

A quem interessa advogar a feminilidade tão somente como algo homogêneo e unívoco, sem possibilidade de questionamento e contradição? A quem interessa pensar a feminilidade tão somente como imposição, como algo que diz tão somente “não” e interdita? A quem interessa não observar as possibilidades de resistência, de feminilidades contra-hegemônicas e feminilidades que falham ao imperativo patriarcal? A quem interessa observar a constituição da subjetividade da mulher tão somente como obediência?

Proponho pensar um feminismo menos utópico, um feminismo do presente. Um feminismo que compreenda as reais formas de resistência e luta dos sujeitos. Não se trata de advogar para certa metafísica da ausência de gênero enquanto ausência ideal do poder, mas de compreender o feminismo como justamente o movimento capaz de tensionar o poder. Um feminismo que não busque a ideia originária de um ser mulher natural, fora do mundo e fora do gênero. Procuro pensar uma mulher extremamente mundana mesmo, a que age a partir de sua situação de existência concreta que jamais é da ordem da natureza. Nossa existência é social.

Autora

Bia Pagliarini é estudante de letras, interessada na relação entre discurso e gênero. Transfeminista, revoltada contra o cistema. Esse texto foi publicado em seu perfil pessoal do Facebook em 18/05/2015.