Banheiros e brinquedos: uma revolução do cotidiano

Texto de Madeleine Lacsko.

Ser mãe ajuda a perceber como o patriarcado sempre dá um jeito de plantar a semente do machismo nas gerações futuras e, de que forma a gente, às vezes sem perceber, colabora para este processo.

Esse preâmbulo é por causa da saga do fogãozinho para Lourenço. Meu filho ama caminhões, tatuagens, música e cozinha, nem sempre nessa ordem. Depois de perder um monte de tampas de tupperware, de cansar de barulho de panela batendo e quase morrer do coração com quebradeira de pratos e copos, decidi que era hora dele ter sua cozinha própria.

Caí na besteira de levar Lourenço junto. Ele tem 2 anos e argumentava que “não queria esse só com menina na caixa”, queria o que tem menina e menino junto, como o que acontece já nas caixas de massinha e blocos de montar. E daí que eu podia ter 930 argumentos, mas perante a certeza universal dos 2 anos de idade, eles não têm nenhuma serventia.

Confesso que sempre impliquei com o fato de não ter fogão para menino, mas certo estava é o Lourenço com a sua experiência de século XXI: tem que ter os dois na caixa. Nem só meninos, nem só meninas. Resolvi pesquisar na internet e não encontrei uma única caixa de fogãozinho ou cozinha nacionais que tivesse também um menino (veja aqui e aqui.) Achei até umas cozinhas gringas, que teria comprado caso não custassem mais de mil reais e fossem do tamanho da minha cozinha real.

Esse acontecimento não é um detalhe, um capricho, uma simples exigência de classe média sobre um brinquedo, é um alerta. Por que a gente acha natural educar meninas para serem empregadas domésticas e desencorajar os meninos a qualquer atuação doméstica, ainda que em causa própria?

Não adianta nada fazer passeata, gritar, exigir direitos, fazer textos, postar e tudo mais se a gente continua, no dia-a-dia, ajudando a semear preconceitos nas gerações seguintes, com ações diretas. Faço uma provocação: quem aqui tem coragem de ir a um aniversário de menino e dar um jogo de panelinhas ou ir a um aniversário de menina e dar um super-herói? Quem já efetivamente fez isso? Porque eu, por exemplo, digo que tenho coragem mas nunca fiz, sempre dou roupa.

Para muitas pessoas a única atuação direta nas próximas gerações é ir, de vez em quando, a um aniversário de criança ou passar uma data festiva com as crianças da família e de amigos. E, nessa hora, justo na hora de plantar sementes para o futuro, a ação das mesmas pessoas que gritam por igualdade, organizam passeatas, lêem, escrevem, refletem, brigam politicamente é a de reforçar os conceitos mais antiquados e perversos do patriarcado: homens devem ser violentos e mulheres são domésticas submissas, dois grupos que não devem se misturar, se respeitar ou se entender.

Dia desses, meu colega Luiz Motta, reclamou que não tem trocador para crianças em banheiro masculino. Eu, na hora, reagi dizendo que homem não cuida de criança. Mas, se eu tivesse que trocar meu filho na mesa do restaurante ou levar minha filha para fazer xixi na rua para não interagir com adultos desconhecidos pelados, não sei se iria me animar muito a ir com criança nesses lugares.

Foto de Yasodara no Flick em CC, alguns direitos reservados.
Foto de Yasodara no Flick em CC, alguns direitos reservados.

Por que a gente acha tão normal proibir um pai de trocar seu bebê ou levar um filho ao banheiro? Essa é a única vez que eu ouvi essa reclamação na vida e comecei a reparar: nunca vi um banheiro masculino com trocador e faz quase um ano que estou reparando. E ninguém reclama disso, todo mundo acha perfeitamente normal.

Nessa história também estamos colaborando para plantar a semente do machismo. Nós, da classe-média-alta, estamos ensinando a todas as crianças que frequentam restaurantes, shows e parques que nenhum homem pode levar seus filhos a estes lugares sem a companhia de uma mulher, porque só a mulher pode — e deve — cuidar de crianças, homens não. Nem passa pela cabeça de quem projeta esses lugares que um homem pode querer sair sozinho com uma criança para se divertir ou cuidar da criança se houver uma mulher presente.

Que tal se, para conseguir grande, a gente começasse pensando pequeno? O que vocês acham de uma ação coletiva por trocadores em banheiros masculinos? Podemos, juntas, identificar os lugares que não têm trocadores e sugerir a eles que coloquem. Voluntárias, estou aqui de braços abertos e me proponho a organizar o grupo e contar as nossas pequenas vitórias. O cotidiano não é algo menor, é a nossa vida. Acredito que o dia-a-dia é o único material que se usa para construir o futuro.

Para finalizar, conto como terminou a saga do fogãozinho. Minha tia, Rosa, veio com uma solução sábia: comprou um mini-fogãozinho de duas bocas com panelinhas pretas na loja de R$ 1,99. Veio embalado num saco plástico transparente.