Uma reflexão sobre a universalidade das experiências masculinas nas narrativas

Texto de Milena Barbi para as Blogueiras Feministas.

“Broken man seeks the perfect woman”. Homem “quebrado” busca a mulher perfeita. Ele, franzino e sucumbindo à pressão da vida adulta, de camisa xadrez e óculos de grau. Ouve música alternativa e sofreu bullying na escola. Ela, bonita e inteligente, mas não muito. Usa roupas “vintage” e gosta de quadrinhos e discos. Os dois se encontram e a missão da vida dela passa ser a de levar cor e alegria para a vida dele.

The manic pixie dream girl, ou a “a garota maníaca, fadinha mágica, dos sonhos”, novo (mas nem tanto) estereótipo hollywoodiano, veio para cimentar definitivamente o apagamento das mulheres enquanto sujeitos dotados de sua própria narrativa no cinema e na literatura.

Após o esgotamento da fórmula de vários clichês de personagens femininos, a garota meiga e meio desajeitada passou a ser uma constante nos filmes cujo protagonista é considerado um cara “fofo” à espera da mulher que o salvará do mar de amargura que é a sua vida.

Eu poderia estar falando de qualquer outro lugar-comum do cinema, mas escolhi este. Escolhi este porque no fim da tarde eu vinha pra casa lendo um livro e me deparei com um sentimento de inquietude, provocado pelo autor. Ele é um destes caras “quebrados”. Sofreu muito na vida, é um eterno apaixonado, desengonçado e meio nerd. Ama todas as mulheres e não ama nenhuma. No meio das suas palavras açucaradas e cheias de anseios e sonhos eu encontrei mais daquilo que estou acostumada a encontrar nas palavras dos autores que leio sempre: um vazio e profundo nada.

Não me entendam mal, não é que ele seja mau escritor (apesar de isso ser questionável), mas as suas experiências simplesmente não me despertam empatia. E isso ocorre porque, assim como várias outras mulheres, não me reconheço nas experiências deste homem.

E é aí que chegamos no ponto que quero tratar. Estou farta de ver homens tratando suas experiências como universais. Isso torna-se evidente no cinema e na literatura, mas esse é um processo repetido cotidianamente por homens em todos os espaços.

Cena do filme "(500) Dias com Ela" de 2009.
Cena do filme “(500) Dias com Ela” de 2009.

Walter Mignolo (1), filósofo argentino, descreve o espaço de diálogo “pluri-versal” como aquele que “assume a objetividade entre parênteses: creio no que creio e defendo o que creio, e entendo que à minha postura há outra posição equivalente de alguém que defende suas crenças, mas sabe que a sua não é a única maneira de ler a realidade”.

Em oposição a este, encontram-se os espaços “uni-versais”, “que assumem a objetividade sem parênteses – que há uma única maneira de ler a realidade e que temem quando alguém não a aceita, não está de acordo ou a desafia”.

O que os homens fazem, reiteradamente, é reforçar os espaços de diálogo uni-versais, contando e recontando experiências a partir do seu epistema, até seu esgotamento. Paralelamente, mulheres incríveis e talentosas lutam durante toda sua vida e trabalham o dobro para ter suas narrativas reconhecidas, suas histórias contadas.

Estou exausta de ler minhas histórias contadas a partir de uma perspectiva masculina. Eu quero que minhas narrativas sejam reconhecidas e contadas a partir dos meus pares. Quantas mulheres você leu esse ano? Quantas mulheres lésbicas? Quantas mulheres negras? Lutamos atualmente para sermos reconhecidas enquanto sujeitos políticos, mas eu quero mais.

Eu quero ser reconhecida enquanto sujeito literário. Eu quero ler histórias sobre grandes mulheres, cheias de subjetividades e nuances. E eu sei que muitas outras também querem. Só que agora, mais do que nunca, nós estamos ocupando estes espaços, lentamente. E não vamos parar.

Preparem-se: quando acabarmos, não vai sobrar pedra sobre pedra.

Referência Bibliográfica

MIGNOLO, Walter. Novas reflexões sobre a “idéia da América Latina”: a direita, a esquerda e a opção descolonial. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 246, maio/ago., 2008.

Autora

Milena Barbi é graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisadora de teorias descoloniais com enfoque em gênero.