#8demarço – Por que o Feminismo é um movimento político?

Texto de Barbara Lopes.

O feminismo é a luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres e, como tal, é político, num sentido mais amplo de política, que leva em conta as relações sociais. Quando mulheres se organizam para estudar, protestar ou pensar em soluções estão fazendo política. Além disso, existe uma relação entre o feminismo e a política institucional, pois várias reivindicações passam por mudanças em leis e programas de governo. Por isso, a própria participação no ambiente político institucional – dentro dos partidos e dos cargos públicos – é uma das lutas das feministas. No Brasil, as mulheres são apenas 9% na Câmara dos Deputados e 12% no Senado Federal, um dos índices mais baixos do mundo.

Presidenta Dilma Rousseff e a presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, encontram-se com as mães e avós da Praça de Maio, na Casa Rosada, na capital argentina. Foto: Roberto Suckert Filho/PR/Blog do Planalto.

Mulheres em movimento

Existem muitas entidades de mulheres que não adotam bandeiras feministas, mas que, por serem espaços de organização política, têm um papel importante. No livro ‘Movimentos Sociais e Redes de Mobilização no Brasil Contemporâneo’, a socióloga Maria da Glória Gohn explica essa divisão:

“[As feministas] levam à frente campanhas e lutas onde as demandas estão centradas nas mulheres propriamente ditas, tais como … a violência física contra as mulheres, as discriminações do mercado de trabalho … O Movimento de Mulheres é mais numeroso, mas quase invisível como movimento de ou das mulheres. O que aparece ou tem visibilidade social e política é a demanda da qual são portadoras – creches, vagas ou melhorias nas escolas, postos e equipamentos de saúde, etc.”.

“As mulheres fazem política o tempo todo para sobreviver. Há um paradoxo, nós fazemos política e nós não temos cargos políticos”, disse em entrevista ao Blogueiras Feministas a militante feminista Maria Amélia Teles, a Amelinha, fundadora da União de Mulheres da Cidade de São Paulo. Por exemplo, os Clubes de Mães nas periferias de São Paulo: têm um modelo religioso e conservador, onde as mulheres se reunem para conversar sobre costura e afazeres domésticos, mas foram fundamentais para o surgimento do Movimento do Custo de Vida (depois Movimento contra a Carestia) em meados dos anos 1970, o primeiro movimento social de impacto depois da ditadura.

O ambiente privado também é público (e político)

O feminismo lida com a dualidade privado x público: o que acontece em um reflete no outro. As mulheres “ajudam” no orçamento da família (e ganham menos que os homens para exercer a mesma função) da mesma forma que os homens “ajudam” no trabalho doméstico. Portanto, precisamos ocupar espaços públicos para mudar situações de discriminação mesmo que do âmbito privado. Um desses casos é a luta contra a violência contra as mulheres. Quase um quarto das mulheres afirmam já ter sofrido agressões ou ameaças físicas. Para combater essa violência, é preciso criar mecanismos, como a Lei Maria da Penha, para proteger as vítimas e punir os agressores.

Problema das mulheres?

“Os problemas que as mulheres levantam, se forem encarados, vão trazer solução para toda a sociedade, não só para as mulheres”, defende Maria Amélia Teles. Com a divisão sexual do trabalho imposta, são as mulheres, mesmo as que trabalham fora, são responsáveis pela casa e pela família. São as mulheres que sentem com mais intensidade a falta de equipamentos públicos como creches, escolas e abrigos para idosos, as dificuldades do sistema público de saúde, o preço dos alimentos, etc., e por isso são (nem sempre, é claro) mais sensíveis a esses assuntos no exercício da vida política.

Círculo vicioso

Um dos motivos que dificulta a participação de mulheres na política institucional é justamente a falta de políticas públicas para romper com o ciclo de discriminação. A Lei 9.504/1997 determina que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”, o que garantiria uma cota mínima de mulheres candidatas para os cargos proporcionais. Porém, na última eleição, a regra foi largamente desrespeitada (apenas 13% dos candidatos eram mulheres) e é considerada meramente simbólica por representantes – homens e mulheres – da Justiça Eleitoral (veja estudo em PDF e as estatísticas de participação das mulheres em diversas áreas).

“A forma de fazer política nos partidos é extremamente desfavorável a uma ampla participação das mulheres. Não só a forma como o próprio conteúdo. As mulheres precisam e querem resolver problemas do seu cotidiano, porque é um cotidiano violento, discriminador, com grandes obstáculos. E os partidos querem discutir praticamente só a questão do poder e o processo eleitoral. Os partidos políticos de forma geral não trazem nas suas plataformas uma sustentação para  a participaçãao das mulheres, que corresponda aos interesses e às necessidades das mulheres”, explica Amelinha.

A dupla jornada na política

As mulheres que atuam na esfera política têm as mesmas dificuldades (ou até maiores) das outras trabalhadoras, para dar conta das tarefas domésticas e familiares, que ainda recaem sobre elas, e da vida profissional e política. “Tem que haver uma mudança no campo privado, para que se dê uma maior ocupação dos espaços políticos institucionais pelas mulheres”, diz Maria Amélia Teles.

Mas essa não é a única dupla jornada que afeta as políticas. As mulheres que conseguem vencer as barreiras e entrar na vida política institucional – principalmente em cargos executivos e legislativos – precisam dar conta tanto das demandas relacionadas a gênero como de temas mais gerais, já que os primeiros são vistos como menos importantes. Uma pesquisa feita na Argentina sobre a atuação de mulheres no legislativo (onde chegam a 40% da Câmara dos Deputados) aponta nesse sentido. Sua autora, a cientista política americana Jennifer Piscopo, afirma que “as mulheres legisladoras têm que desenvolver projetos de gênero (assédio sexual, saúde sexual e reprodutiva, reformas trabalhistas para as mães, etc.) e também militar na política ‘normal’, quer dizer, a política diária: a lei de comunicação, a reforma eleitoral, as prisões no campo. Então, têm uma dupla jornada”.