O patriarcado e a nossa finitude

A força do patriarcado resulta em alguns papéis sociais pré-definidos. Nele, a glória, o poder e a fortuna são ensinados aos homens, enquanto a dor, a tristeza ou dúvida são assuntos femininos. Entendo que esse papel masculino destrói toda a capacidade do homem em sentir. Sentir dor, angústia, dúvida ou perda. Homens crescem sem desenvolver esses sentimentos, sem saber encará-los de frente, sem saber superá-los.

Foto de @Doug88888 no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

O patriarcado cria os homens para a glória e nunca para a derrota embora isso faça parte da vida. Perder faz parte de ser um ser humano e o patriarcado retira dos homens esse direito. Cabe a mulher então o papel de lidar com todos os percalços em que o homem não foi preparado para dialogar. E desses papéis os mais difíceis de se exercer são: o início da vida, a rotina e a morte.

Já falamos bastante sobre questões do início da vida e também sobre a administração de tarefas domésticas nesse blog. Agora quero falar sobre a morte.

A morte é um assunto tabu da nossa geração. Talvez porque evoluímos cientificamente e não há mais tantos mistérios como no passado. Hoje a tecnologia diz exatamente a causa da doença, assim como a causa da morte.

A morte é banalizada na mídia. Matam-se vários nas catástrofes dos filmes blockbusters. Matam-se vários com armas super poderosas construídas com essa finalidade. É sempre a exposição do poder e da força, mantendo assim o argumento de glória do patriarcado. Os corpos enfileiram-se nos noticiários de tv banalizando quaisquer ato de força genocida. Matar o ser humano é exibido pela mídia como algo trivial, ou sensacionalista, mas de fato não o deveria ser.

Encarar a morte e falar sobre esse assunto é algo que sempre constrange as pessoas. Nossa sociedade fica quase nos dizendo que somos imortais. Nossas máquinas, nossa tecnologia, nossa soberania como seres evoluídos. E adivinhe? Não somos, porque não sabemos lidar sequer com a vida, que dirá com a morte.

Quer deixar uma pessoa sem graça? Introduza sua experiência com a morte de alguma pessoa ao qual você tenha vivenciado. A morte é sempre algo que constrange. A perda da vida se resume a um assunto exclusivamente privado. E por quê? Porque nossa sociedade foi construída num modelo onde quem sente é perdedor. “É mulherzinha”. Nós não desenvolvemos o direito da dor, o direito da perda. O direito de encarar a própria finitude. O direito de questionar seus limites, seu fim.

Então, nesse modelo social, sempre cabe a mulher o papel de cuidar, de sentir. Quando um filho morre é a mãe que lidará com a finitude do corpo. Ela escolherá as roupas, fará o reconhecimento do corpo. Ao pai, cabe o processo burocrático como o pagamento da funerária. Quando os pais morrem, normalmente uma das filhas encabeça o processo funerário. E pela a expectativa de vida dos homens ser menor, consequentemente é mais comum que as mulheres enterrem seus companheiros.

O início da vida está diretamente relacionado com a morte. Há o medo do parto, há o medo da sobrevivência pós-parto. Um dos medos comuns das mulheres após o nascimento do filho é que este pare de respirar durante a noite. A vida em si é algo muito frágil e a participação nesse processo é essencial a todxs para que possamos entender e valorizá-la.

Não é a toa que os homens se afastam de todo esse processo. Encará-lo é perceber o quanto a sua própria vida é frágil e o patriarcado não permite isso. É essencial que todos nós participemos e falemos sobre isso. Desmistificar a morte, encará-la de frente, assumir sua dor, falar sobre o assunto não só é essencial para todos nós, como também humaniza nossa relação com o mundo. É importante que saibamos como fazê-lo e não nos alienemos de forma infantil sobre o assunto. Porque quer você queira ou não, se você vive, lidar com a morte é inevitável.