Mulheres, homens e mudanças climáticas

Esse texto não é sobre eu ou você. É sobre os milhões de pessoas que serão, e já estão sendo, afetadas de forma mais severa pelas alterações no clima.

Claro, as mudanças vão nos afetar também. Mas os problemas ambientais não atingem a humanidade de forma igual. A pessoa que puder se refugiar no ar-condicionado fresquinho não sofrerá tanto quanto a que precisar trabalhar ao sol quando a temperatura do planeta aumentar.

Já vemos essa desigualdade ambiental em outros fenômenos, como a poluição, por exemplo. No TEDxSãoPaulo, o pesquisador e médico Paulo Saldiva falou de exclusão e racismo ambiental. De como as pessoas mais pobres, que moram, em geral, mais longe dos centros empresariais – e precisam passar mais tempo no trânsito – aspiram muito mais gases tóxicos que os privilegiados que moram perto do trabalho. É uma ironia de nosso tempo que as pessoas que menos contribuem para as mudanças climáticas acabem sofrendo seus efeitos de forma mais grave.

Pessoas pobres (muitas vezes negras) que vivem em áreas menos favorecidas vão sofrer mais. E é aí que entra outra variável importante: o gênero. Às vésperas da Rio+20, é preciso colocar esse aspecto em pauta.

Imagem do filme Weathering Change, da Population Action International

Voz e autonomia

Mulheres pobres do mundo todo têm acesso limitado a instrução, mobilidade e recursos financeiros. Em muitos lugares, elas têm menos direitos civis, menos liberdade de ação, e sua voz não é ouvida na hora de formular políticas públicas ou mesmo de tomar decisões em casa.

Nas áreas rurais que dependem da agricultura, por exemplo, elas são as principais produtoras de alimentos de subsistência. Esse setor é muito vulnerável aos riscos que decorrem da seca e da mudança no ciclo de chuvas, causada pelas alterações no clima, como diz o extenso relatório das Nações Unidas sobre gênero e mudanças climáticas.

Os homens também são afetados, claro. Em geral, quando há escassez de comida, são eles que migram em busca de mais renda para a família, enquanto as mulheres ficam cuidando dos filhos, da lavoura, do gado. Eles são refugiados ambientais. Acontece muito no semiárido brasileiro, quando eles partem de suas terras em busca de melhores oportunidades em cidades maiores.

Enquanto isso, as mulheres e crianças ficam em casa. Não porque esse seja o lugar “natural” delas, mas porque, na maioria das sociedades, o trabalho é organizado segundo o sexo: existem funções de homem, funções de mulher.

Com as secas causadas ou pioradas pelo aquecimento do planeta, mulheres e crianças precisam caminhar mais e mais quilômetros para buscar água. Na África Subsaariana, por exemplo, elas passam 40 bilhões de horas por ano coletando água.

“A vida de uma mulher é difícil, e as mudanças climáticas estão tornando-a ainda mais difícil”, diz Aregash Ayele, 32 anos e seis filhos, moradora de uma comunidade rural na Etiópia. A história de Aregash é contada no curta Weathering Change – da ONG Population Action International – que narra as histórias de quatro famílias que já enfrentam as alterações no ambiente. Por conta das mudanças no padrão das chuvas, as plantações estão enfraquecidas, e os homens precisam migrar para outros locais em busca de sustento. O peso de cuidar da plantação, da casa e das crianças recai sobre mulheres como Aregash.

E nos lugares onde não há seca? Imagine o que acontece quando uma enchente atinge uma cidade. Quando São Paulo alaga, por exemplo. São as mulheres que limpam as casas quando a chuva forte vem. São elas que têm que buscar as crianças, reorganizar a vida doméstica, depois de uma tragédia desse porte. E quando o nível do mar aumentar e as cidades litorâneas começarem a sentir os danos, elas é que irão arcar com uma parte desproporcional do trabalho.

Planejamento e escolha

Mas o que é possível fazer por essas mulheres? Em primeiro lugar, é preciso considerar o gênero na formulação de políticas públicas. Uma das soluções propostas pela Population Action International, que assessora governos e entidades a elaborar políticas que levem em conta a especificidade do gênero, é aumentar o acesso à informação, à contracepção e ao planejamento familiar. Com famílias mais planejadas, é mais fácil conseguir lidar com a escassez de alimentos. Menos bocas para alimentar, menos bocas para sentir fome. Muitas mulheres no mundo gostariam de poder controlar quantos filhos têm, e quando, mas não têm acesso a métodos contraceptivos.

Aregash Ayele fala de planejamento familiar para outras mulheres. Cena do filme Weathering Change, da Population Action International

Essas questões nos afetam, em menor grau. O trânsito crescente, a poluição, o uso de carros enormes e gastadores fazem parte da rotina de quem vive nas grandes cidades. E, assim como nos países em desenvolvimento, as mulheres são muitas vezes as principais responsáveis pelo consumo geral da residência. São elas que decidem a rotina de limpeza e  que tipo de produtos serão comprados, por exemplo. Se orgânicos ou comuns, se com menos embalagem ou mais. O consumo consciente e a economia verde são chaves importantes para pensarmos o desenvolvimento sustentável nas grandes cidades, e as mulheres são fundamentais para pensarmos essas questões, hoje. 

Um aprendizado adquirido

As mulheres são mais vulneráveis às mudanças climáticas, mas elas também são fundamentais para a solução do problema. Muitas vezes, são elas que mantêm as famílias em tempos de crise. Elas estão mais familiarizadas a lidar com a escassez, a gerenciar os recursos de forma a que eles durem. No documentário Garapa, de José Padilha, ele mostra a rotina de três famílias que passam fome no semiárido brasileiro. As mulheres retratadas eram as principais responsáveis por gerir o pouco de comida que chegava, e garantir que fosse suficiente para todos os filhos. Os homens trazem o dinheiro, mas elas o administram.

Programas de microfinanciamento reconhecem a importância das mulheres para mudar a realidade econômica das famílias, e é em geral para elas que recursos de microfunding e microlending são destinados – como as do Kiva, plataforma online de crowdlending. Elas têm maior tendência a fazer o dinheiro se multiplicar. Investem não apenas nelas mesmas, mas na educação dos filhos, em colocar mais comida na mesa, e sabem gerir os recursos com parcimônia. Não porque elas sejam “naturalmente” melhores nisso, mas porque têm séculos de aprendizado nessa questão, que sempre lhes foi delegada.

Lembram-se do grande tsunami de 2004? Ele não foi causado pelas mudanças climáticas, mas fornece um exemplo de como a educação diferente para homens e mulheres pode ser até mesmo fatal para elas.

Naquele tsunami, morreram muito mais mulheres que homens. Por quê? Muitas delas não tinham aprendido a nadar.

Não podemos deixar que coisas assim continuem a acontecer. É preciso ensinar a todos, igualmente, sobre planejamento familiar, técnicas de cultivo, gerenciamento de recursos escassos. Sobre como viver da natureza sem destruir a biodiversidade e como organizar as compras nas grandes cidades de forma o consumo seja mais consciente. Os aprendizados de homens e de mulheres devem ser levados em conta igualmente, e as decisões devem ser igualitárias, equânimes. Ensinar as mulheres a manter a cabeça fora d’água – porque as mudanças serão muitas, e não serão fáceis.

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Se você é jornalista, blogueira(o), tuiteira(o), interessada(o) em gênero e/ou mudanças climáticas, ou simplesmente um(a) curiosa(o), participe da exibição, seguida de debate, do filme Weathering Change. Organizados pelas ONGs #ChangeMob e Population Action International, os evento serão: no dia 31 de maio, em São Paulo, e no dia 14 de junho, no Rio de Janeiro. Mais informações no site do projeto: Sobrevivendo à Mudança

Não se esqueça de entrar no site e se inscrever para participar.