Mães, feminismo e transformação

Estamos chegando, sem regras, modelos, saberes prontos. Com mais perguntas que respostas. E com vontade. Vontade de discutir mais sobre o desafio de criar filhos de uma forma consistente com nossas ideias feministas.

E, junto com essa vontade, tantos temas nos inquietam: a necessidade de ter um olhar crítico para o consumo, a questão da divisão das tarefas domésticas, a educação sem sexismo, a aparente diluição da identidade de mulher ante o papel de mãe… O mundo é relacional e o vínculo mãe e filhx é só mais uma destas formas de relação. Mas, para quem acredita que as mudanças estruturais – tão necessárias – passam pela materialidade do cotidiano e das individualidades, pensar sobre este vínculo e agir a partir das reflexões e discussões é uma forma de estar mais próximas do mundo que ansiamos para estes filhxs: um mundo sem machismo. Um mundo feminista. Assim, nos apresentamos, mães feministas.

Estaremos algumas sextas do mês nesse espaço, dividindo nossas descobertas. Você também pode nos encontrar em nosso grupo de discussão: FemMaterna.

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“Eu sou mãe e sou feminista. Não sei quando nenhuma dessas coisas se tornou real, não tenho data – a não ser simbólicas: o parto e minha entrada desde a formação no grupo Blogueiras Feministas. Mas são apenas lembretes do processo, antes e depois do parto fui e não fui mãe do Samuel, antes e depois do BF enfiei o pé na jaca do machismo. Quando as duas coisas se encontraram? Mãe feminista? Sei menos ainda. Talvez na primeira vez que reconheci: o Almir/pai é mais cuidador do que eu. Talvez na primeira vez que deixei o quarto do menino pra ele mesmo arrumar – mais ainda, quando deixei ele decidir quando e como arrumar. Talvez na primeira vez em que chegou na ponta da língua mas eu segurei: “isso é coisa de menina”. Talvez quando me emocionei vendo minha mãe ensinando meu filho a cozinhar. Talvez quando dei o link do BiscateSC e do BFs pra ele ler. Talvez quando expliquei pra ele a diferença entre sexo, gênero e orientação sexual. Talvez quando conversamos sobre humor, minorias e responsabilidade social. Ou talvez tenha sido naquele momento primeiro em que respirei fundo, senti seu cheiro bom e desejei um mundo melhor pra ele e um ele bem bom pro mundo.”

Luciana, mãe do Samuel de 15 anos

“Sou uma mãe feminista. Na maior parte do tempo fui mãe feminista sem perceber, ou refletir, era feminista só para fugir de conceitos imutáveis de maternidade, buscando compartilhar com meu marido todas as responsabilidades que outras mães exerciam e que me ‘ensinavam’ ser o certo, ser assim mesmo, ser o inevitável. Para questionar padrões ‘imutáveis’ de comportamento que me incomodam. Sou mãe feminista por que não sei ser mãe de outro jeito por que não aceitei fazer o que muitos acham que é o jeito ‘certo’ de se criar xs filhxs, de se encarar a maternidade. Talvez eu seja feminista por que decidi ser mãe. Acho que a maternidade me fez perceber o quão machista eu era, o quanto a sociedade ainda é. A maternidade me transformou, não num ser sagrado, divino, abnegado. A maternidade me transformou numa pessoa que questiona e não se conforma que o mundo não possa mudar.”

Liliane, mãe do Heitor de 7 anos e da Anaïs de 5 anos.

“O feminismo e a maternidade se encontram em dois pontos na minha existência. O primeiro deles é na educação feminista. Sim, não me incomoda dizer que dou à minha filha, como daria ao meu filho se o tivesse, uma educação feminista. Isso porque o feminismo na educação se manifesta através de valores. Ou seja, o feminismo e a educação que ofereço compartilham dos mesmos valores baseados em igualdade, indiscriminação, autonomia, responsabilidade por si, fraternidade, sororidade e auto confiança. O segundo ponto é a luta diária para que esses valores ganhem a cada dia mais espaço na sociedade. Claro, não adianta preparar minha filha se o mundo não estiver preparado para ela. Ou pelo menos, uma pouco mais preparado. Um tantinho assim melhor que seja. Isso é ser mãe e feminista, ser femmaterna, oferecer uma filha melhor para o mundo e um mundo melhor para a filha. ”

Ludmila, mãe da Teresa de 3 anos.

“Venho de lutas estudantis, braços sempre pronto para levantar bandeiras minuciosamente estudadas e escolhidas. O feminismo era uma delas, apesar de não ocupar lugar de destaque até quando escolhi ter um filho. Já engravidei sem planejamento mesmo sendo de classe média-alta, mas justamente por sê-lo, essa gravidez era uma opção, uma vez que um aborto minimamente seguro estava ao meu alcance. A perspectiva empírica foi vital para entender o quanto o machismo é nocivo à sociedade, e me fez passar da passividade para a atividade. Ninguém há de fazer piadas sobre meu filho ser garanhão, ou ser o terror das menininhas. Porque ele não há de ser. E com ele, trabalho para que nenhum homem precise dessas denominações para medir seu valor na sociedade, e nenhuma mulher precise ser objeto dessas denominações. Não quero ensinar ou doutrinar ninguém: estou na luta pra aprender.”

Nanda, mãe do Benjamin de 3 anos e 8 meses.

“Para mim, ser mãe feminista dá esperança de que o futuro pode ser melhor, mais igual. Sinto como se tivesse condições de ajudar isso acontecer, pois meu aprendizado no Feminismo ajuda a evitar maus costumes, considerados ‘tradição’ (homem não chora, homem é forte, homem é imbatível), que prejudicam o questionamento e a experiência do meus filhos. O machismo é realmente limitador para todxs, é triste ver outras crianças que sofrem com as limitações dos próprios pais, pois preconceito é coisa construída no medo, na ignorância, é algo não natural. Criar filhxs com menos preconceitos já ‘de berço’ dá uma sensação muito boa de realização, de trabalho bem feito.”

Lia, mãe de Américo de 6 anos e Aquiles de 2 anos.

“Somos mamai (para não dizer que eu sou o papai) e papãe (para não dizer que ele é a mamãe) e uma filhota de 18 meses. Ele provê as trocas de fraldas, leva no pediatra (sempre perguntam onde está a mãe), pilota a cozinha, cuida da roupa da casa, lava louça. Preciso dizer que a negligente sou eu, que não o ajudo como deveria. Ah sim, ele é o mais carinhoso. Sempre foi. Sou mais disciplinadora, a voz forte da casa.

Charô Nunes, mamai da Ayuca de um ano, companheira d’Ocharolastro há 15 anos.

Maysa, Cecilia, Juliana, Amanda e Tâmara. Foto de Cecilia Santos.
Maysa, Cecilia, Juliana, Amanda e Tâmara. Foto de Cecilia Santos.

“Ser mãe feminista é uma das facetas decorrentes de me reconhecer como pessoa feminista. Para essa identificação ir além do discurso, me esforço para adotar o Feminismo como norte nos pensamentos, condutas e posturas rotineiras. Em um oceano de machismo, reforçamento de estereótipos e padrões pré-definidos, trato minha filha como gente, incentivando-a a perguntar “por que?”, apontando a (falta de) lógica de falsas verdades que nos são enfiadas goela abaixo e abrindo espaço para que ela desenvolva um olhar crítico diante dos acontecimentos. Pode ser inconveniente? Pode. Mas é o caminho que enxergo para nos empoderarmos, ela e eu, legitimando o espaço que pertence a cada uma de nós por direito. Mãe feminista é a que consegue se recriar diariamente, plantando a consciência do próprio valor na sua cria e desejando que a igualdade seja a regra para as gerações futuras.”

Alessandra, mãe da Isa de 4 anos

“Sou gente, nascida de gente pobre, criada em meio a gente que sofre e faz sofrer. Desde pequena já lutava contra os monstros invisíveis que o patriarcado cria, com a indignação de quem já teve a pele e a alma marcadas pelo machismo de diversas formas. Ter conhecido o feminismo tornou os monstros visíveis, me deu mais força, me mostrou que eu não estava e nem estou sozinha. Sou grata às feministas que resistiram bravamente em suas lutas e fizeram com que o movimento chegasse até mim. Essa gratidão somada ao fato de eu ter uma formação voltada para a educação me dá o senso de responsabilidade de passar adiante o que aprendi. Quem educa, quer ver livre e consciente. Eu quero o meu filho livre da opressão machista e o quero consciente de seus privilégios e do direito da mulher ter sua autonomia respeitada, seja ela quem for, venha de onde vier.”

Natacha, mãe do Théo, que chegará a esse mundo em abril.

“Não fui sempre feminista. Também não fui sempre mãe. Estou aprendendo aos poucos,dia após dia, e quero que meu filho tome gosto por aprender também. Mais que isso, espero mesmo que para ele o questionamento, a reflexão e a luta sejam naturais. Prosseguiremos na caminhada.”

Deh, mãe do Alê de 5 anos e meio.

“Sou mãe feminista de um filho de 18 anos. Filho criado para ter autonomia. Não para ajudar nas tarefas, mas para dividir. Filho que sabe cozinhar, e vai pra cozinha tanto para o prato especial como para o trivial. Na medida da disponibilidade de cada um. Que arruma a cama desde bem pequeno. Filho criado para respeitar todo mundo, mas ainda mais as mulheres. Para reconhecer seus privilégios e respeitar as escolhas alheias. Filho que não chama o coleguinha de bicha nem a menina de vadia.”

Cecilia, mãe do Lucas de 18 anos.

“Na minha vida profissional todos os caminhos acabaram me levando ao feminismo. Sempre que uma questão de pesquisa me parecia interessante, uma proposta de trabalho, um grupo de estudos, um curso, enfim, de alguma forma meus interesses me levavam ao ponto crucial de meu feminismo: a constatação de que as mulheres ainda lutam com desvatagens de todo tipo. Quando me tornei mãe, foi a gota d’água. O feminismo se mostrou urgente, e o que era latente agora é uma estratégia de resistência – resistência para educar uma menina que se sinta forte para fazer valer a sua liberdade.”

Carolina, mãe de Laura de 3 anos e meio.

Eu não sei dizer quando me tornei uma feminista. Se quando escrevi meu primeiro post feminista em um blog. Se quando achei que deveria tomar a iniciativa com os meninos, caso me interessasse. Se quando disse na mesa da família, numa tarde qualquer da minha adolescência, que eu queria não só uma carreira, como uma carreira sensacional. Quando virei mãe, tampouco sei. Talvez no segundo que olhei para Miguel, ainda na frieza da sala de cirurgia, e ele parou de chorar ao ouvir a minha voz. Talvez ainda quando eu resolvi que, já tomada a decisão de levar uma gravidez solo adiante, eu deveria parar de encará-la como um fardo. Ou será que foi numa tarde qualquer, mais ou menos 3 meses depois do parto, quando eu olhei para ele e, pela primeira vez, me senti realmente feliz com a nova situação instalada na minha vida? Sei que agora sou mãe. E sou feminista, com certeza. Tão mãe e tão feminista, que escrevi num dia qualquer sobre os preconceitos que enfrento como mãe solteira, e amiga, tão mãe e tão feminista quanto, veio me dizer como se sentia contemplada, e que nós deveríamos criar um grupo e juntar mais mães feministas e, agora, cá estamos nós que vos falamos.

Tâmara, mãe do Miguel de 1 ano e 9 meses

“Tem dias em que eu só lembro que sou feminista quando ele me entrega o carrinho cor de rosa. Tem dias em que já acordo teorizando. Tem dias em que ele brinca de assar bolo e lavar alface com o pai, tem dias em que nada acontece. Espero que a soma dos dias nos ajude a ser uma família em que todos participam igualmente. E que a experiência do meu filho na nossa família seja o começo de uma vida sem preconceitos, injustiças e amarras para ele também.”

Sharon, mãe de Tomás de 3 anos.

Eu não sou mãe ainda não sei se serei um dia. Mas se for mãe, definitivamente serei uma mãe feminista. Adriana.

Autoria

FemMaterna: Somos mães e feministas, buscando educar nossas filhas e filhos de maneira libertária. Buscamos construir com eles um mundo que acolha a diversidade e que questione desigualdades, preconceitos e estereótipos.