Pílula sobre as mobilizações em São Paulo

Texto de Luka Franca.

O Brasil está em chamas. São Paulo está em chamas. O estopim dado por conta da truculência policial em cima das pessoas que vinham protestando contra o aumento da passagem dos transportes públicos na cidade da garoa demonstra que o espaço para se discutir ideias as disputar está aberto. E como sempre nos perguntamos, o que as feministas têm com isso?

A pauta dos transportes também nos atinge diretamente. Os metrôs, trens e ônibus lotados potencializam em muito a violência sexual e já tivemos demonstrações claras sobre isso quando foi apresentado para a sociedade as ocorrências no metrô de São Paulo, ou no caso da moça que teve jogado em sua perna na CPTM um tipo de ácido. A alta tarifa e a falta de transporte público de qualidade é pauta nossa e assim precisa ser apontada. Não apenas por conta dos crimes de oportunidade existentes nos meios de transporte lotados, mas também pelo reconhecimento de que a feminização da pobreza nos jogam para os rincões e por conta disso somos nós, mulheres e negros, que dependem do transporte público para poder chegar ao trabalho, levar as crianças na escola, ter acesso aos hospitais e que precisa realmente ter assegurado o seu direito de ir e vir.

O aumento da tarifa não pode ser debatido apenas nos marcos dos termos de contrato, mas em uma compreensão mais geral sobre o custo de vida e sobre a qualidade de vida da população que há quase uma década vive em uma cidade movida pelo interesse do capital. Especialmente para as mulheres que ocupam majoritariamente postos informais no mercado de trabalho e recebem até dois salários mínimos, o impacto do aumento da tarifa é muito grande no custo e qualidade de vida. (Todas às ruas: contra o aumento da tarifa e a violência da polícia)

Não é só por R$ 0,20, mas é também por R$ 0,20. Pois sim, concretamente estes centavos a mais pesam em nossos bolsos e em algum lugar do orçamento doméstico ele terá de sair. A questão é que a pauta não é só a tarifa, neste caso de São Paulo a pauta é a tarifa junto com a criminalização recorrente dos movimentos sociais. Recorrente e cada vez mais truculenta.

Dizem que o gigante acordou, para mim ele nunca esteve adormecido. Mas com o escopo que as coisas tomaram vejo que é preciso refletir, entender o que acontece e ao mesmo tempo agir. Agir para que as pautas concretas existentes nas lutas de tantos movimentos progressistas não sejam tomados como pano de fundo por um discurso conservador. Um discurso que em diversos espaços, inclusive nos atos desde segunda-feira, pautam contra a autonomia das mulheres, dizem que comunista deve morrer e tantos outros clássicos do repertório conservador.

Para falar a verdade, quando vi algumas instituições conservadoras e reacionárias apoiando os protestos, fiquei com um arrepio na coluna. Isso não tira um milímetro de legitimidade das manifestações, mas preocupa a carona que alguns querem pegar. Páginas de extrema direita na internet, contrárias à pauta da manifestação, conclamando o povo para o ato são de doer. Seria apenas cômico se a coisa não fosse séria. (Em breve, o preço da passagem será o menor dos problemas do poder público. SAKAMOTO, Leonardo)

Ainda é por R$0,20 que estamos, mas nos tem colocado uma tarefa maior: Como disputamos estes centavos com um caráter político claro, pois transporte público é pauta política também e não apenas econômica. É preciso que além da juventude aguerrida que vinha pautando a redução da tarifa dos transportes estejamos nós feministas, o movimento negro, LGBT, os movimentos por moradia e tantos outros movimentos sociais que tem atuado em conjunto para poder barrar o Estatuto do Nascituro, a “cura gay”, o aumento da tarifa dos transportes, a violência policial nas periferias e afins.

Acreditamos, no entanto, que nenhum destes problemas foi casual: nem a transferência, nem a demora dos documentos, nem os valores das fianças. Todo esse conjunto de empecilhos tem como objetivo atrasar o processo, mantendo os companheiros por mais tempo na cadeia – algo que não pode ser deixado de lado em hipótese alguma. Além disso, contribui para a criminalização de quem luta por uma cidade de e para todas as pessoas. (Nota sobre os presos no ato do dia 06/06)

Quando falo que nós precisamos estar lá, não é do ponto de vista físico (até por que encontrei muitas amigas e camaradas feministas nas manifestações), mas é que tenhamos a noção de que hoje tá posto uma disputa ideológica nas ruas de forma concreta e nós fazemos parte dessa disputa ideológica. São R$ 0,20 sim, são por que vitória concreta é necessária, mas há perfil político claro do porque dessa reivindicação, do por que se está na rua neste momento.

Nossa responsabilidade política nesse exato momento é enorme. Até por que nunca vimos manifestações destas proporções em nossa vida política, só as vimos passar na TV ou em documentários e mesmo assim tinham características diferentes. É continuemos nas ruas até a tarifa baixar e durante esse processo que estejamos em unidade, por que disputar ideologicamente com o status quo conservador é tarefa hercúlea e todxs lutadorxs devem tomá-la para si.