Corpos – Do que são feitas as mulheres? O que é ser mulher?

Texto de Liliane Gusmão.

Peitos, bundas, vaginas, ovários, úteros, cromossomos XX, é o que dizem ser partes dos corpos das mulheres. Mas onde se esconde a identidade de gênero dos corpos das pessoas? Em que parte dessa reside a dita feminilidade. Em  parte alguma e em todo lugar eu diria.

Quando pela primeira vez me propus a difícil questão de definir o que faz eu me identificar como mulher, a resposta que eu tive foi: eu não sei, mas eu sei que sou e me identifico como mulher. Eu não deixaria de ser mulher se me tirassem o útero ou meus ovários, se retirassem meus seios, se me mutilassem o clítoris, se me arrancassem um cromossomo X e substituíssem por um Y (como se isso fosse possível, será que é?) ainda assim, desconfio que continuaria sendo mulher mesmo que no meu rosto crescesse uma barba mesmo que minha axila fosse eternamente peluda… ah não, péra! Ela já é peluda, faz nem sei quanto tempo que não depilo minhas axilas.

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Pessoas – foto Flickr André Araújo
Alguns direitos reservados

Continuaria sendo mulher se não me atraísse por homens.  Continuaria mulher se desejasse, se beijasse, e tivesse sexo apenas com mulheres cis ou trans e também continuaria sendo mulher se não me interessasse por sexo de tipo algum. Nada disso, eu creio, alteraria minha percepção de que eu sou uma mulher.

O que então define a identidade de gênero de uma pessoa se nem sua anatomia, nem sua sexualidade pode delimitá-la, contê-la ou defini-la? Essa é uma pergunta para qual realmente não tenho resposta. E a resposta para ela me parece obsoleta por que apesar de não saber onde ‘geograficamente’ no meu corpo estaria essa resposta, a minha identificação de gênero é tão consistente que, para mim, não tem por que eu ficar procurando saber em que parte do meu corpo ela se encontra. Saber onde se esconde geograficamente a identidade de gênero em nós mesmos de nada serve. Querer determina-la para poder determinar a identidade de gênero de outras pessoas é a meu ver completamente improdutivo além de invasivo. Tentativas de definir onde desenvolvemos nossas identidades de gênero serviriam apenas para que tentemos categorizar os outros, mas para que precisamos categorizar outras pessoas? Essa é uma pergunta retórica, vejam bem que eu sei bem que toda a nossa sociedade está categorizada. A minha questão é por que em primeiro lugar aceitamos isso como uma necessidade tão natural.

Eu pensei muito sobre esse assunto e cada vez que volto a ele sempre percebo o quão inútil é tentar restringir a sexualidade e identidade de gênero das pessoas em alguma parte de suas anatomias ou em informações genéticas. Na verdade quanto mais penso sobre isso mas a ideia me parece absurda. E fico imaginando de onde e quando surgiu a ideia da classificação que hoje usamos de feminino e masculino e fico achando tudo muito ridículo.

Enfim acho muita perda de tempo querer restringir e categorizar sexo, sexualidade, e identidade sexual em partes da anatomia ou em conceitos biológicos. Sexo, sexualidade e identidade sexual. São conceitos fluidos e tão profundamente incutidos no que somos que acho impossível determinar onde eles se encontram dentro de nossos corpos e o que os determinariam por conseguinte. É pura ignorância tentar restringir biológica e anatomicamente algo que é construído cotidiana e continuamente.

Comecei a escrever este post e o universo, esse conspirador, me jogou na cara, via facebook, esse vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Zi4vRodaFY8

Nele mulheres cis afirmam-se e empoderam-se por seus corpos o vídeo é antigo e muito interessante por sua abordagem feminista de dar poder as escolhas de mulheres cis, dar voz diversas mulheres, mas ao mesmo tempo falha em incluir outros corpos de mulheres. As mulheres negras, as mulheres trans e as mulheres com deficiências físicas, por exemplo, não estão representadas neste vídeo.