Movimento de luta por creches públicas

Depoimento de Agnes Verm, estudante-mãe-trabalhadora da Unifesp sobre um episódio de desrespeito ocorrido na última Congregação do campus Guarulhos. Que as mulheres possam ter seus direitos à educação e à participação nas decisões políticas da universidade garantidos. Que o cuidado com as crianças não seja exclusivo das mães. E que as crianças também tenham seu direito à educação garantidos! Publicado originalmente no Facebook na página ‘Movimento pela creche na Unifesp’.

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Luta por creches públicas. Imagem: CUT/CE.
Luta por creches públicas. Imagem: CUT/CE.

Minha experiência e da Anna Julia na congregação do dia 06-02-2013.

Eu sou representante discente eleita pelos estudantes do Campus de Humanidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na última reunião da congregação minha filha estava no campus pois, após essa reunião teria uma apresentação de teatro, na disciplina sobre histórias da ditadura para crianças, elaborada por estudantes. O movimento de creche da Unifesp através do convite dos estudantes convidou em sua página as crianças para assistirem.

Antes da peça fui para a reunião da congregação e levei minha filha, ela esta no período de férias escolares, mas algumas vezes já teve que ir para a universidade comigo pois, no município de Guarulhos, as creches atendem as crianças somente quatro horas (isso é o horário de uma aula). A mais de um ano, desde a greve de 2012, o movimento estudantil pauta uma creche como garantia de acesso e permanência principalmente das mães-trabalhadoras na universidade.

As outras mães e responsáveis das crianças que brincavam com minha filha também foram assistir a congregação, reunião que é aberta para a comunidade. No momento em que entramos na reunião começou um debate de que as crianças não poderiam ficar naquele espaço pois elas estavam sendo expostas. Com essa afirmação eu concordo, pois elas passaram a ser expostas e de forma muito violenta quando alguns professores começaram a gritar e chamar as mães de irresponsáveis pelas crianças estarem naquele local, assim como quando o Diretor Acadêmico começou a cogitar a possibilidade de terminar a reunião por conta da presença das crianças. Foi realmente uma exposição.

Além disso, quando eu perguntei: Então a ideia é que eu, representante discente saía deste espaço pois minha filha não pode ficar nele comigo? As argumentações vinham no sentido de que se eu não pudesse estar naquele espaço que convocasse o meu suplente. Eu concordo que outras pessoas, além da mãe, podem e devem ser responsáveis com o cuidado das crianças, mas acontece que vivemos em uma sociedade machista que responsabiliza as mães com o trabalho do cuidado quase que 100%. Além disso, temos um Estado, junto as suas instituições, que não garantem o acesso ao direito de forma universal, ou seja, se você não é homem, branco, heterossexual e pertencente as classes dominantes não tem acesso aos direitos humanos mínimos.

Nesse sentido, as mães-trabalhadoras-estudantes (e solteiras) — como é meu caso — tem que ficar fazendo malabarismos para realizar sua tripla jornada e conseguir pautar algo que já esta em nossa constituição: o direito das crianças à educação!

Dado o cenário da congregação, onde temos uma ampla maioria de professores 70%, 15% de funcionários e 15 % de estudantes. A reunião foi encerrada pela presença das crianças. Com essa ação me sinto coagida a não fazer parte deste espaço, que é público, porque sou mãe. Além disso, a exposição criada para as crianças no ambiente foi bem violenta, na minha opinião. Algumas pedagogas argumentaram que o clima é muito hostil para crianças e que por isso não seria adequado. Eu concordo depois de ver o comportamento agressivo de alguns professores. Mas, para além disso, quero ressaltar que minha filha não vive numa bolha e nossa sociedade é, e cada vez mais, se torna violenta, infelizmente tinham crianças também no Pinheirinho. Infelizmente, também haviam crianças presentes no dia 14 de junho de 2013, quando a polícia entrou no Campus atirando e jogando bombas. Infelizmente, crianças presentes não tem direito à educação, à moradia, à saúde, etc. E, estão sendo retirados (e não podemos esquecer que as remoções acontecem por ninguém menos que a polícia militar) do lugar onde sempre viveram com seus país, porque quem decide pela cidade é….Nunca somos nós!!!Sim, nosso Estado é muito violento e imoral!!

Depois de alguns minutos, subi para ver quando seria a próxima reunião e encontrei o diretor acadêmico e presidente da congregação no corredor, com mais três professores. Perguntei a ele quando seria a próxima reunião. Ele pediu licença para fazer uma explicação, pois já havia sido meu professor, e disse: Vocês trazerem as crianças para a congregação é a mesma lógica que os pais que levam os filhos para um puteiro (explicando que não era apropriado). Eu perguntei: Você esta relacionando a congregação a um puteiro? Ele disse: Não, estou exagerando o exemplo para você entender!!

Enfim, não entendi o exemplo. Mas o achei extremamente absurdo! Concordo que as crianças tem direito de fazer outras coisas, como brincar, correr, desenhar. Justamente por isso estavam devidamente equipadas com brinquedos de mão, papéis e lápis de cor, além de livros. Eu entendi que ele estava relacionando lugares inapropriados para crianças. Mas ainda me fica essa pergunta: A congregação que estava ocorrendo em uma sala de aula é esse lugar?

Ah, com certeza conversei com minha filha para saber como ela ficou, se estava se sentindo mal e tal, porque eu estava e muito. Ela me disse: Eles não queriam que eu ficasse na reunião, né? Eles são muito chatos!!!

E claro que dentro de toda essa conjuntura, sem dúvida a quem diga: essas mães, ao invés, de ficarem em suas casas trancadas com seus filhos e filhas, para dar lhes segurança e proteção, no imaginário carro blindado e condomínio fechado, querem se expor e expor as crianças… Oi? Sim, somos mulheres públicas algum problema?

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Nota

A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, diante da manifestação de estudantes ocorrida na reunião da Congregação do dia 06/02/2014 no Campus Guarulhos, divulgou nota de esclarecimento sobre creches na Unifesp. O auxílio-creche, como o próprio nome diz, é uma ajuda que não resolve o problema das pessoas que tem filhos e querem trabalhar ou estudar e, nem das crianças, que tem direito a educação. O enorme déficit de creches que temos no Brasil demonstra a ineficiência do Estado, além de reforçar a lógica de que a família é a única responsável pelos cuidados com as crianças, quando este cuidado também deve ser responsabilidade do Estado e da sociedade.