Qual a revolução feminista das capas das revistas?

Texto de Bia Cardoso para as Blogueiras Feministas.

Aconteceu. As capas dessa semana das revistas semanais Época (edição 909) e Isto É (edição 2397) trazem imagens e matérias sobre as recentes manifestações feministas contra a violência e contra o Projeto de Lei 5069/93, de autoria do deputado federal Eduardo Cunha.

Capas das revistas Época (edição 909) e Isto É (edição 2397).
Capas das revistas Época (edição 909) e Isto É (edição 2397).

Num primeiro momento, pensei: Lacramos! Mas, logo me vieram várias perguntas: que revolução é essa? Em pleno 2015, pedir o fim da violência contra a mulher é uma revolução? Estampar capas de revistas semanais com jovens mulheres politizadas nos causa surpresa? Por quê? Isso não deveria ser comum? Essas manifestações não pedem o mínimo para as mulheres, respeito? Quem são as mulheres feministas que estão ganhando espaço na mídia? Como a mídia tradicional quer apresentar o feminismo?

Celebro muito quando as mulheres fazem ações como o #PrimeiroAssedio ou saem as ruas em Marcha, mas sempre tenho uma desconfiança quando a imprensa passa a falar sobre o assunto. A Época chegou a lançar a hashtag: #PrimaveraDasMulheres, com uma campanha de imagens e de depoimentos na internet que parece ter bem mais diversidade que a matéria impressa. Carmela Zigoni me chamou a atenção para o fato de que tanto na capa, como na matéria interna, o nome de Eduardo Cunha não é citado. A matéria da Isto É me pareceu melhor, inclui questões como o racismo e a importância do feminismo contemplar problemas que dizem respeito a diferentes grupos sociais, além de trazer um gráfico apontando mulheres famosas bem diversas como fontes de inspiração para o feminismo atual: Chimamanda Ngozi Adichie, Judith Butler, Laverne Cox, Maria da Penha e Malala Yousafzai.

Num primeiro momento, me identifico com essas mulheres das capas, mas quem vejo ali? Mulheres jovens, em sua maioria brancas. O mesmo feminismo mainstream de sempre. Outras perguntas que me fiz foram: quem são essas mulheres dessa atual revolução feminista? Não teria sido mais revolucionário publicar a imagem de uma travesti? De uma moradora de rua? De uma rapper negra da periferia? De uma mãe carregando sua filha por um longo trajeto no meio da lama na tragédia da barragem de Bento Rodrigues em Minas Gerais? De que mulheres a Primavera da Época está falando? De que empoderamento estamos falando? Contra quais privilégios e desigualdades estamos lutando?

Para quem tem como preocupação buscar um feminismo interseccional, a luta é árdua. É preciso viver uma constante insatisfação, é preciso se perguntar o tempo inteiro quem está fora. É incrível ver mulheres marchando nas ruas, mas a empregada doméstica conseguiu chegar lá no horário? A trabalhadora da lanchonete tinha com quem deixar os filhos para participar? Mulheres com mobilidade reduzida tinham acesso? Quem não tem amplo acesso a internet foi avisada de alguma forma?

Nesses últimos dias também aconteceu o movimento #AgoraÉQueSãoElas, em que colunistas homens cederam espaço para mulheres escreverem. Considero uma ação interessante, que talvez não gere todos os frutos que queremos, mas muito válida para explicitar a quantidade de homens formadores de opinião, a quantidade de homens que tem espaço na mídia para falar o que quiserem, muitas vezes, até do que não entendem.

Fiquei numa grande expectativa: vai ter mulher negra? vai ter mulher trans? vai ter mulher indígena? vai ter lésbicas e bissexuais? E as idosas? E as mulheres com deficiência? E as trabalhadoras sexuais? Sei que houve por parte das organizadoras um esforço na busca por diversidade, mas como disse, não podemos nos dar por satisfeitas. Lutar por um feminismo inclusivo envolve reconhecer pontos positivos, mas também apontar o quanto ainda engatinhamos nessa questão.

Teve mulher negra, mulher trans e mulher militante sem-teto. Teve mulher colunista cedendo espaço para travesti feminista. Alguns colunistas como Leonardo Sakamoto e João Paulo Cuenca abriram bem mais espaço do que apenas uma coluna. E os temas em sua maioria falavam diretamente as mulheres, não me pareceram ser pautados pelos colunistas homens. Porém, como sempre vemos, houve contra-ataque. Porque quando se trata da mídia, toda vez que um espaço é aberto, logo o backlash também o ocupa com sua força e desserviço.

Para ficar só nos casos de dois colunistas da Folha de São Paulo, houve um editor que cedeu a coluna para a esposa escrever contra o amplo direito das mulheres ao aborto, finalizando com a frase: “Em meio à complexidade de raciocínios e emoções que a maternidade me trouxe, decidi aproveitar o movimento de dar voz às mulheres (apesar de me soar estranha e nada feminista a ideia de pedir espaço aos homens…) para dizer que, sinceramente, não sei se o direito que eu pudesse ter de interromper a vida de meus filhos deveria ser maior do que o deles de me convencer do contrário”. A “polemiquinha” Tati Bernardi convidou o “polemiquinho” escritor Reinaldo Moraes para ocupar sua coluna debochando da violência contra a mulher, usando termos como: “encoxar suas musas ocasionais no metrô” ou “cansei de cruzar com garotas sozinhas em shortinhos “me-fode-papito” e ainda perguntar: o que fazer com a mulher que passa esbanjando brejeirice e mexendo com o juízo dos homens? 

A mídia tradicional não abre espaço para o feminismo sem alfinetar, sem demonstrar quem é que manda ali. E, geralmente, usa o discurso hipócrita de que é preciso abrir espaço para todas as opiniões. Porém, a criminalização do aborto e a violência contra a mulher não são uma questão de opinião, são violações de direitos humanos.

Provavelmente, a mídia tradicional não está preocupada em construir uma sociedade mais igualitária, mas sim em surfar na onda feminista atual. O ponto positivo é que as jovens mulheres estão tendo espaço para falarem sobre suas ações, seja o movimento ‘Vamos Juntas?‘, as garotas do ‘Nós, Mulheres da Periferia’ ou novos apps para celular que são criados por elas para combater o assédio nas ruas. As denúncias de machismo também estão ganhando destaque e casos como a perseguição a Lola Aronovich finalmente ganharam espaço e atenção, porque é urgente fazer algo, denúncias são feitas há anos.

É preciso ocupar a mídia brasileira, e mesmo que as mulheres não tenham recebido remuneração para isso, pode ser um primeiro passo para termos mais mulheres falando por si mesmas. Porque sabemos que, em pleno 2015, nem isso nos é um direito garantido. O outro desafio que temos é apontado por Tica Moreno, na matéria da Isto É: “O desafio agora é que outros movimentos sociais possam incorporar em suas agendas as discussões do universo feminino: questões ligadas ao controle do corpo e da sexualidade da mulher”. Em pleno 2015, ainda somos invisíveis, umas mais que outras. O feminismo precisa estar atento a isso.

+ Sobre o assunto:

[+] O feminismo na capa das revistas duas vezes no mesmo domingo – duas resenhas em uma.

[+] O novo feminismo ou a boa e velha cooptação nossa de cada dia. Por Luka Franca.