A falsificação de Vênus é uma obra de Michael Gruber que contrapõe, magistralmente, densa intriga psicológica a linguagem clara e objetiva. O ponto central da narrativa está na tensão entre homem e artista, por um lado, e, pai, filho e gênio, de modo a reelaborar a dualidade pós-moderna que todos nós experimentamos ao buscarmos uma individualidade cada vez mais onírica. Não queremos mais ser filhos de alguém, logo, herdeiros de sua “obra”. Buscamos, ao contrário disso, construir nossa identidade autônoma, o que provoca ruptura em relação ao passado e incertezas acerca do futuro.
O romance se desenvolve, portanto, como essa vivência do sujeito bipartido, em um tempo igualmente fragmentado. O passado contado mistura-se não ao presente fatídico, ao gosto dos realistas, mas ao que poderia ter sido, como encanta aos românticos. Todavia, a personagem central, Chaz Wilmot, não é um romântico, tampouco um realista. Talvez, seja um realista, que gostaria de ser um romântico, que gostaria de ser um artista, que, por sua vez, gostaria de ser um gênio. E essa parece ser a questão principal da personagem: Qual o limite humano para a genialidade?

Chaz Wilmot, assim como seu pai, Charles Wilmot, é um pintor. Pintar é sua forma de estar no mundo exterior e, simultaneamente, na interioridade. Porque, segundo a concepção vulgar de arte, um artista deve ser aquele sujeito que é capaz de fundir dois mundos, duas realidades, logo, nenhuma realidade ou toda realidade.
Charles Wilmot é, inicialmente, retratado como um homem de sucesso por ser um artista comercial. Apesar disso, Chaz o acusa de ser um homem que não conseguiu atingir a genialidade, tal qual o fizera, por exemplo, Velásquez. Seu objetivo, então, é dissociar-se da arte de seu pai e superá-lo não pelo viés do sucesso comercial, mas em genialidade, conforme vemos nesse trecho, que descreve uma conversa de Chaz com Melanie, a amante oficial de seu pai, uma jovem pobre e socialmente subalterna (filha do jardineiro):
Percebeu a palavra “quase”? Usei-a por que esta é a história dele como artista: “quase”. Jamais conseguiu dar aquele passo que precisava para atingir a grandeza. Parou no limite. […] Para ser pintor, é preciso mais do que talento. É preciso se arriscar. Não dar a mínima. Tem de estar aberto para… não sei, a vida, Deus, a verdade, alguma outra coisa. Arte é negócio, mas não é só isso. (p. 50)
O paralelo estabelecido entre Chaz e Velásquez vs originalidade e plágio, é retomado e ampliado durante toda a narrativa. Quanto mais a personagem busca sua genialidade e originalidade, mais passa a vivenciar o espaço do outro, Velásquez, o que, de certa forma, o liga ao outro que, inicialmente, Chaz deseja negar e superar, ou seja, seu pai, conforme vemos nesse trecho:
Meu pai era o professor; eu, o aluno, e seria sempre assim. O fato é que sou melhor do que ele era, não tanto quanto Velásquez foi melhor do que Pacheco, seu mestre, mas a uma distância considerável. A verdade, não posso dizer ou afirmar isso nem para mim mesmo e fico pensando como Velásquez lidava com a situação. Claro que Pacheco não era pai dele, só sogro, mas mesmo assim. (p. 36-37)
Assim, A falsificação de Vênus é um romance que nos obriga a refletir acerca de nossa própria busca pela individualidade, independentemente de qual seja nossa atuação social. Perguntamo-nos: Por que nos incomoda tanto reconhecermos a incapaz de atingir a idealizada genialidade que, provavelmente, nem os gênios históricos foram capazes de enxergar em si mesmos?
Dessa forma, indico a leitura desse romance a todos aqueles que não se contentam com perguntas fáceis, que não buscam respostas ágeis, mas que apreciam um enredo psicologicamente envolvente por meio de uma linguagem direta e objetiva.
Referência: A Falsificação de Vênus de Michael Gruber. Tradução de Beatriz Horta. Editora Record, 2011.