Confesso que não entendo muito bem qual o sentido de continuar dividindo brinquedos entre masculinos e femininos, principalmente nas idades em que meninos e meninas gostam das mesmas coisas.

Numa divisão que faz sentido apenas se a gente voltar no tempo, a confusão é inevitável. A indústria pensa de um jeito, as lojas pensam de outro e toma lá na prateleira de menino o brinquedo de menina e vice-versa.
O melhor exemplo dos últimos tempos é o boneco do Justin Bieber, que vem com a indicação “as garotas vão amar ter o boneco do Justin Bieber em casa!”. Mas ele aparece sempre na seção masculina, seguindo aquele raciocínio de que boneco de figura masculina só pode ser para menino, tendo o Ken como a exceção que confirma a regra.
O fato é que não temos mais na sociedade, na vida real, um modelo de masculino e feminino que ainda persiste em alguns brinquedos. E as crianças percebem isso. Nos últimos tempos tem circulado nas redes sociais o vídeo “Riley on marketing”, que foi destaque na revista Time, com a garotinha que reclama da indústria de brinquedos. (Se as legendas em português não aparecerem clique em “cc” na barra do vídeo).
Na verdade, acho que Riley parece meio treinada, principalmente na parte em que acusa “the companies” de isso ou aquilo. Mas vale a discussão: por que raios se acha bom forçar todas as meninas a gostar de cor-de-rosa e a comprar o conceito falecido de princesa? E por que não tem super-heroínas para comprar? E, do lado dos meninos, por que a gente acha legal que eles sejam forçados a gostar e consumir tudo que é agressivo, com bala, bomba e congêneres enquanto diz que violência é feio?
Circulando pelas lojas de brinquedos, é fácil ver que essa realidade já começa a mudar. O sucesso de marcas como Glee e Monster High prova que a aceitação da diferença se tornou tão importante que adquiriu status de mercadoria rentável. Essas e algumas outras focam na criança que se sente diferente e nas diferenças entre seres humanos como forma de compor uma sociedade mais interessante.
Mas juro que não entendo por que a insistência em dividir os brinquedos entre masculinos e femininos numa sociedade que já não divide mais a vida dessa maneira e que se tornou capaz de produzir brinquedos para unir meninos e meninas numa convivência saudável.

Entre em qualquer site de qualquer loja grande de brinquedos no Brasil. Fora as lojas especializadas em brinquedos educativos, todas as outras vão ter as seções “menino” e “menina”, numa divisão de valores masculinos e femininos feita de forma constrangedora, uma verdadeira volta no tempo até os anos 50.
Parece bobagem, mas não é. Tanto que uma das lojas de brinquedos mais antigas do mundo, a britânica Hamley’s, que tem mais de 250 anos em atividade – é 250 mesmo, antiga prá caramba – resolveu se adaptar mais uma vez às mudanças do mundo: acabou com a divisão entre sexos.
Depois de protestos da blogueira Delilah, que viraram um movimento maior, a Hamley’s resolveu rever seus conceitos e chegou numa divisão de brinquedos muito mais real, que separa pré-escolar de pelúcias, bonecos, brinquedos para usar ao ar livre, jogos, brinquedos de construir e por aí vai.
Claro que você consegue dicas de presentes diferentes para meninos e para meninas, mas a loja acabou com o andar só para eles e o andar só para elas. E acabou também com a lógica perversa de ensinar aos pequenos que mulher fica arrumando a casa e se embelezando enquanto homem anda de carro e explode coisas, até porque o mundo em que eles vivem não é assim.
Se nós ainda temos muito a trilhar no que se refere à igualdade de direitos e oportunidades para homens e mulheres, é evidente que não ganhamos nada ensinando às nossas crianças como sentir na pele todo tipo de preconceito, inclusive aquele que a gente já acha que ficou para trás. É nas brincadeiras que dizemos as grandes verdades.