Resenha por Ticiane Figueirêdo e Fernanda Marinho.
O livro “O Histórico infame de Fankie Landau-Banks”, de autoria da escritora americana E. Lockhart, ganhou o Printz Award honor book e foi o finalista do National Book Award, além de ganhar o Cybils Award como melhor romance juvenil. Mas, confesso que quando peguei o livro para ler, não sabia de nada disso.
A única prévia que tive do livro foi a sinopse, o que por um lado foi uma experiência muito interessante, ultimamente só ando lendo indicações ou livros de autores muito famosos e a E. Lockhart me fez sair da zona de conforto. Por isso, ler sobre Frankie se mostrou um desafio.
Quase me perdeu algumas vezes, logo no começo. Primeiro, porque não sou o público-alvo do livro, que parece ter sido escrito para as pessoas naquela faixa etária que atualmente têm sido chamadas de jovens adultos, dos 14 aos 21 anos. Segundo, porque parece que a história vai seguir um clichê típico para essa faixa etária e gênero: menina até então invisível na escola passa por uma transformação de uma hora para a outra, fica linda e começa a namorar o cara popular do colégio, que é alto, misterioso e bonitão. Ela passa a almoçar na mesa dos populares do colégio e a ser chamada para as festas descoladas. No meio disso tudo, há uma sociedade secreta sobre a qual nada sabemos. E foi a curiosidade que inicialmente me fez não largar o livro. Ainda bem.
No primeiro momento, as 344 páginas do livro me fizeram hesitar. Eu, rotineiramente, leio muito, mas ando com o tempo escasso, logo, ler um livro tão “grande” do qual nunca tinha ouvido falar não é algo que necessariamente me deixa empolgada. Foi então, que me surpreendi com a fluidez com que a autora nos conduz para dentro do mundo de Frankie e arrisco dizer que a rapidez com que se devora o livro não se dá somente por sua grande quantidade de diálogos ou por conta da fonte ou formatação do texto, o livro flui porque é gostoso de ler. Você avança capítulo a capítulo porque quer estar ali dentro dos muros de Alabaster tentando descobrir o que seria essa tal de Leal Ordem dos Bassês.
Por se tratar de um livro juvenil sobre uma garota que, devido à puberdade, passa por aquelas mudanças físicas e corporais que começa a “chamar a atenção” dos garotos e mais, por se tratar de um livro que conta a história de uma menina bonita, rica, privilegiada e que estuda em uma escola de elite, pode ser que ele não entre na lista de leitura de muitas pessoas. Porém, “O Histórico infame de Fankie Landau-Banks” é muito mais que isso, porque de forma sutil – e às vezes nem tanto, aborda questões de gênero e discute o papel da mulher através das experiências vivenciadas por Frankie.
No tocante à história em si, ela é ambientada quase que integralmente no Alabaster, um colégio interno de elite que forma alunas e alunos para o “sucesso” e onde a protagonista estuda. Logo no início do livro é possível perceber que, apesar de Frankie ser tratada como uma “princesinha” (o que era, na verdade, seu apelido) pela família que a via como frágil, delicada, etc., não era assim que ela se via e no decorrer do livro fica cada vez mais claro que não era assim que ela pretendia ser vista, muito menos pelo seu então namorado, o cara mais popular do colégio.
O verdadeiro argumento do livro está apenas começando. Frankie percebe que nada disso basta. Por mais que ela seja bonita, inteligente e namore o cara certo, ela é ainda é mantida como um apêndice da turma dos meninos, cujas ideias não devem ser levadas em conta.
Matthew tinha dito que ela era inofensiva. Inofensiva. E estar com ele fazia Frankie se sentir como se estivesse esmagada dentro de uma caixa – uma caixa onde ela deveria ser encantadora e sensível (mas não sensível demais); uma caixa para as garotas jovens e bonitas que não eram tão brilhantes ou poderosas quanto seus namorados. Uma caixa para pessoas cuja força não merecia ser levada em conta. Frankie queria ser uma força. (página 212).
Frankie vai reagindo e vivendo situações que acredito serem muito familiares para grande parte das mulheres, em um momento ou outro da vida. Não importa quanto a gente se esforce, nunca vamos fazer parte da turma dos meninos e nunca vamos ser valorizadas como eles.
Achei interessante que, apesar do livro ter um “ar” feminista, as poucas vezes em que o Feminismo foi diretamente mencionado, vinha carregado de alguns equívocos que podem ter sido colocados daquela forma propositalmente ou não. Mas não citei isso para desqualificá-lo, de forma alguma. Achei boa a forma como a autora analisa a estrutura patriarcal através de um mundo puramente adolescente, o mundo de Frankie, uma menina que até antes de namorar com o “garoto mais popular” era praticamente invisível.
Aliás, essa questão da invisibilidade é um ponto bem interessante que o livro trabalha e acho que em seus diversos aspectos, o ambiente daquele colégio de Elite é uma mera analogia ao “mundo real”. Isto porque, quando o livro trata de falar sobre a Leal Ordem dos Bassês, uma sociedade secreta na qual somente os meninos participavam, fica claro que estamos falando de poder e patriarcado – e isso o livro deixa bem claro.
Outra coisa bem interessante do livro é a forma como ele trata as diversas formas que as mulheres, ou no caso, meninas, lidam quando se vêem diante de situações ou ambientes comandados por homens/meninos. Como o próprio livro cita, há pessoas que não curtem esses ambientes ou os acham tediosos, há aquelas que preferem se ater a atividades culturalmente femininas – não que haja problema nosso, claro, e há outras pessoas que simplesmente não aceitam se ver na posição marginalizada em que são colocadas, é nesse terceiro tipo que Frankie se encontra e, é por isso que no decorrer do livro ela nos surpreende com os seus questionamentos e sua visão de mundo, principalmente quando de forma magistral quebra o paradigma de que só meninos entram na Leal Ordem dos Bassês.
Outra surpresa é que, apesar de esperta e corajosa, Frankie não cai no estereótipo de heroína perfeita. Ela comete erros, ela vive conflitos. Por mais que ela tente sair da caixinha na qual foi colocada, tem momentos que busca se adequar a ela, agir como esperam dela, para que possa manter o status conquistado e o namorado querido.
Apesar de morrer de vontade de comentar várias passagens do livro aqui nos mínimos detalhes, não quero dar spoiler. Por isso, digo apenas que este é um livro que vale à pena ser lido e que não há limite de idade para fazê-lo. Eu mesma, de certa forma, relembrei de algumas coisas legais do meu Ensino Médio – não que eu tenha estudado num colégio de elite, muito pelo contrário, estudei num Colégio Militar -, revivi um pouco a minha adolescência, mas de forma diferenciada e até mais crítica porque muitas coisas pelas quais a Frankie passou e eu, consequentemente, passei não eram vistas daquela forma “na minha época”.
Não quero contar muito mais. Geralmente evito ler resenhas e até orelhas de livros porque eles contam demais e estragam a experiência da leitura. Não quero estragar as várias surpresas que o livro traz. Não espere reviravoltas emocionantes, mas a história foge das expectativas criadas por anos de filmes, livros e séries adolescentes para meninas. Isso tudo sem deixar de ser uma história divertidíssima. A linguagem é atual e dinâmica, os personagens têm sacadas brilhantes e engraçadas. O enredo é muito bem conduzido e amarrado.
Agora, depois de ter lido “O Histórico infame de Fankie Landau-Banks”, fiquei com vontade de saber mais sobre a E. Lockhart e seus livros, por isso dei uma conferida em seu site pessoal que é bem interessante e recomendo darem uma passadinha por lá.
O começo é um pouco chato e demora a engrenar, mas o livro vai melhorando progressivamente. Apesar de não ter elementos mágicos e fantasiosos como na maioria dos livros para esse público, acredito que as jovens adultas irão adorar. O livro se mostrou uma grata descoberta e mais, provou que não é preciso de muito pra se levantar questões de gênero, afinal, as vivenciamos desde o nosso nascimento quando somos separados pelo rosa e o azul.
—–
Ficha do livro
O Histórico Infame de Frankie Landau-Banks
Autora: E. Lockhart
Título original: The Disreputable History Of Frankie Landau-Banks
Tradução: André Czarnobai
Páginas: 344
Editora: Selo Seguinte – Companhia das Letras