Texto de Bia Cardoso.
Aracy de Carvalho é uma mulher que salvou a vida de muitas pessoas durante o Holocausto. Quantas pessoas no Brasil sabem disso? Ao me deparar com sua história, fiquei com a sensação de ser mais um caso em que a invisibilidade feminina na mídia e em outras fontes de informação nos tira a chance de conhecermos brasileiras que tem uma trajetória incrível.
O livro ‘Justa – Aracy de Carvalho e o resgate de judeus: trocando a Alemanha pelo Brasil’ de Mônica Raisa Schpun faz um belo trabalho ao resgatar a memória dessa brasileira que tem seu nome escrito no Jardim dos Justos entre as Nações, no Museu do Holocausto em Israel, por ter ajudado muitos judeus a entrarem ilegalmente no Brasil durante o governo de Getúlio Vargas. Por isso, ficou conhecida como o Anjo de Hamburgo.

No livro, Aracy não está sozinha. Estruturalmente, ‘Justa’ intercala as histórias de Aracy de Carvalho e a de Margarethe Levy, alemã judia que tendo a família perseguida pelo regime nazista encontrou Aracy. É um livro que tem como grande tema as migrações, mas que narra essencialmente o encontro crucial e a posterior amizade entre duas mulheres muito diferentes. A estrutura do livro acaba seguindo esses deslocamentos migratórios, mostrando como os motivos que levam mulheres a migrar podem ser distintos, mas também estão ligados ao desejo de se encontrar num mundo que limita muito as ações das mulheres.
“Emigrar exige a priori mais coragem do que voltar para o país natal, a cidade natal e, no seu caso, para perto daquelas que lhe davam enorme apoio. No Brasil, tinha casa própria e uma certa renda de aluguéis. Mas preferiu ficar, ainda que lutando pelo seu contrato, fazendo contas talvez mais apertadas do que teria feito no Brasil, vivendo conflitos no ambiente de trabalho e, a partir de um dado momento, ouvindo rumores de guerra e sentindo a tensão crescer no país. Apesar dos pesares, viver na Alemanha, para ela, ainda era melhor do que regressar.
Muitos historiadores defendem a equação liberatória das migrações femininas. Em diversos períodos e situações, atravessando fronteiras nacionais, culturais, socioeconômicas e religiosas, encontramos migrantes fugindo da vigilância dos homens da família, pais, irmãos, noivos prometidos, e mesmo maridos, mas também da vizinhança, do vilarejo, das normas e tradições religiosas, da domesticidade, de inúmeras formas de dependência, trocadas pela independência da vida anônima em terras estrangeiras e, sobretudo, em centros urbanos maiores para migrantes vindas do campo, de vilarejos rurais ou de pequenas cidades. Estudos e depoimentos mostram mulheres que não desejavam retornar ao país de origem, vivendo de fato experiências libertadoras, inclusive quanto a transformações no âmbito das relações conjugais e amorosas.” (pg. 57).
Durante cinquenta anos acompanhamos as trajetórias dessas personagens, com destaque para a retratação de práticas sociais do período e os diferentes obstáculos, desafios e conflitos que se apresentam pelo caminho. Esse retrato coletivo acaba mostrando uma densa realidade histórica de duas mulheres que não permaneceram imóveis diante de seus destinos.
Aracy de Carvalho acabou ficando mais conhecida por ter sido a segunda esposa do escritor João Guimarães Rosa. ‘Grande Sertão Veredas’ é dedicado a ela.
Em 2014, foi lançado o documentário “Esse viver ninguém me tira”, dirigido por Caco Ciocler e Alessandra Paiva. O documentário sai em busca dos poucos documentos existentes daquela época para registrar a história, reconstruindo o passando através de depoimentos de pessoas que conheceram Aracy, como seu filho Eduardo Tess, amigos como Plínio Arruda, e admiradores como Eliane Brum, além de famílias que foram salvas por Aracy.
Sorteio
Temos 2 exemplares do livro ‘Justa’ para sortear entre nossos leitores. Os ganhadores serão conhecidos a partir dos números sorteados na mega-sena do dia 18/04/2015. Confira a lista de concorrentes. Os primeiros números sorteados foram 01 e 12. as vencedoras foram Deise Mesquita e Thaisa Aiello.
+ Sobre o assunto:
[+] Uma heroina quase esquecida.
[+] Documentário conta a corajosa trajetória de Aracy, ‘anjo de Hamburgo’ e musa de Guimarães Rosa.