Cadê o nosso direito de ir e vir?

Texto de Karolyne Leandra Melo para as Blogueiras Feministas.

Bom, quero compartilhar uma experiência que sem querer tive essa semana. Estava eu olhando umas fotos antigas e percebi que mudei muito o meu modo de vestir, principalmente os tipos blusas. Durante os anos realmente não sabia o porque de ter mudado, pois gostava tanto das minhas roupas. Hoje compreendi que mudei meu vestuário de modo inconsciente para minha segurança. Irei explicar.

Atualmente, visto blusas largas, quase 3 vezes maior quando comparadas as que eu usava a 4 anos atrás, pois tenho seios grandes que infelizmente chamam muita atenção. No inicio dessa semana, voltando do curso de jaleco e calça a caminho do meu ponto de ônibus, avisto um bar próximo com dois homens bebendo sua cerva. Passei por ali, comprei algumas balas nem notaram minha presença.

Dois dias depois, passei no mesmo local usando uma regata e calça, acompanhada de um amigo. Vi os mesmos caras e percebi que eles me olhavam, quando eu olhava de relance os mesmos fingiam voltar a conversar. No dia seguinte, me vesti da mesma maneira que no inicio da semana, passando em paz despercebida a caminho do meu ponto.

Porém, ontem a noite algo inusitado aconteceu. Sai com minha mãe para o teatro vestindo um uma blusa azul tipo regata,  na volta à caminho do ponto, minha mãe estava um pouco atrás de mim, um dos caras jogou uma cantada bem nojenta pra mim (confesso que não gravei na memória, pois não queria registrar aquelas palavras tão terríveis em minha mente). A única coisa que eu podia fazer era ignorar pois, temia por algo que ele pudesse fazer comigo caso eu falasse algo.

Ignorei, né? Já estava andando rápido fui obrigada a ouvir detalhe, o mesmo não falou em tom baixo, tanto que minha mãe gritou, logo que passei a frente, perguntando ao cara qual era o problema dele para falar assim com a filha dela. Nem olhei pra trás pra ver o que ele fez depois disso, mas me veio a memória de todas as vezes que eu andava sozinha e era obrigada a ouvir cantadas e adjetivos de baixo calão nas ruas em que eu passava.

Ilustração de Dika Ribeiro para a Campanha Chega de Fiu-Fiu da Think Olga.

Hoje, cheguei a conclusão de que para muitas de nós, mulheres, ao passarmos por uma rua sozinhas, nosso modo de vestir aparenta ser o que importa nessa sociedade machista. Estamos sujeitas a ouvir de forma compulsória cantadas e comentários desagradáveis, sem poder nos defender, pois há o medo de que possa acontecer alguma atrocidade conosco. E, quando estamos acompanhadas de uma figura masculina com qualquer roupa que seja, os caras só respeitam porque tem um homem do lado, como se nós fossemos propriedade dos mesmos. Ou seja, pra ficarmos livres de ataques verbais de uma figura masculina temos que pedir que outra figura masculina nos acompanhe.

É um cenário muito ruim para mulheres que gostam de sair sozinhas. Cadê o nosso direito de ir e vir? Sabemos que as desconstruções sociais desses padrões de comportamento nas ruas estão se difundindo pouco a pouco de bairro em bairro, cidade em cidade, de estado em estado. Mas até quando aguentaremos ficar caladas ouvindo tais barbaridades em forma de palavras?

Autora

Karolyne Leandra Melo é técnica em plásticos, estudante de operações de máquinas industriais e amante de livros de empreendedorismo e economia.