Ninguém quer ser estuprada

Todo mundo já escutou isso, mas parece que agora que minha cidade está em época de Oktoberfest, o comentário está ainda mais frequente: “olha a roupa dessa mulher… Depois não sabe por que é estuprada!”

Oktoberfest em Blumenau
Fonte: Katan Viagens Consultoria

Eu escutei isso com mais frequência nas últimas semanas: no ônibus, na rua, de amigos, de conhecidos… Porque todo mundo sabe, a Oktoberfest é uma festa dessas de multidão, de zoeira, ou como disse um conhecido meu no Facebook, é igual o carnaval, só que com apenas duas fantasias (de Fritz e de Frida). É meio tenso dependendo do dia, do horário, do local que estiver, da banda que estiver tocando…

Mas de qualquer maneira, esse sempre é um comentário que me assusta muito. Sim, às vezes eu me sinto um bebê, pois reajo à certas coisas como se estivesse as ouvindo pela primeira vez. Minha surpresa – e nesse caso, tristeza – é muito grande, tão grande que eu praticamente não consigo reagir, responder ao meu interlocutor, que fica olhando para mim esperando que eu concorde com ele.

O que eu não consigo entender é como é que alguém pode pensar que alguém antes de sair de casa, escolha a sua roupa pensando “Tomara que com esse modelito eu consiga ser estuprada!”. Aliás, eu muitas vezes interpreto esse comentário do “depois não sabe porque é estuprada“, quase como um desejo que a menina seja, de fato, violentada. Sempre é num tom de ela-vai-ver-só-uma-coisa. Desejando que a outra seja violentada para ver se ela aprende, sabe? Se aprende a ser uma mulher de respeito, recatada. Estupro corretivo.

Inúmeros motivos podem levar uma menina a sair com roupas mais sensuais para uma festa como essa. Talvez ela se sinta mais bonita. Mais confortável. Mais sensual. Talvez ela queira mesmo beijar cents caras na boca. Talvez ela pense em acabar transando com algum deles que seja mais interessante. Talvez ela só queira mesmo chamar atenção para o corpo dela, ser admirada, ser desejada. Mas, colhéga, deixa eu te falar: ela NÃO quer ser estuprada.

Simplesmente porque, adivinha, NINGUÉM QUER SER ESTUPRADA. Ninguém pede por isso. Ninguém quer ser agredida, humilhada, ofendida, subjugada, violentada.

Eu acho o fim do mundo que a responsabilidade pela agressão seja atribuída às mulheres. Raramente se fala dos homens. Que eles não devem estuprar. Que eles não devem meter a mão nas partes íntimas das mulheres. Que o nosso corpo não é propriedade deles. Que tudo, tudo depende primeiro do nosso consentimento. Que a nossa roupa não significa um consentimento.

Raramente se fala que quem não deve agredir é o homem. Ao contrário, quem deve evitar a agressão é a mulher. Como assim, né? Se a nossa “discrição” evitasse algum tipo de agressão, o índice de estupros num país onde mulheres usam burka seria zero. E não precisa ser muito esclarecido para saber que a realidade não é bem assim. Que andar coberta da cabeça aos pés não impede nada.

Então não, não somos nós que temos que nos cobrir. Os homens, as mulheres, a sociedade precisa entender que não existe roupa ou atitude que justifique uma agressão. Muito menos que peça por ela. E que sim, nós temos o direito de andar como quisermos. Peladas, se quisermos (opa, acho que peladas não podemos, isso é atentado ao pudor, né?). Mas imagino que deu para entender o ponto.

E me dói um pouquinho mais quando vejo esse tipo de comentário vindo de mulheres! Mulheres, que deveriam estar ajudando e lutando para defender a sua própria liberdade! Mas algumas vezes acabam por transformar a nossa cela num espaço ainda menor, com menos escolha, com menos opção. Porque se você for parar para pensar, mas pensar bem, vai perceber quantas restrições são impostas à nós, mulheres. E quanta responsabilidade também! Não é muito peso para carregar?

Vale a pena ler alguns posts sobre a Marcha das Vadias, que tem tudo a ver com o assunto (ou seria o mesmo assunto?).

As vadias e as feministas – Uma discussão datada

O corpo é meu, a cidade é nossa