Maria, a amiga íntima

Texto de Fabiana Motroni.

Este texto foi inspirado neste da Nina Lemos, que dialoga com este da Clarissa Corrêa e torce pelo que pode simbolizar a vitória da Maria no BBB11.

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Sou cada vez mais Maria. E hoje, um dos meus maiores desafios pessoais é equilibrar essas Marias dentro de mim, mantendo-as vivas e operantes, evitando que alguma Maria se sobressaia tanto a ponto de apagar as outras — e me fazer esquecer da existência de todas elas.

Mas, para além do exercício pessoal, meu ativismo feminista também me lembra da responsabilidade que tenho em falar das coisas sobre as quais acredito, e defendê-las — no caso, a nossa liberdade de escolha de como ser e viver o sexo — por isso enfrentei recentemente meus medos sociais e fiz até mesmo um exercício de ‘confissão pública’ na reportagem: ‘Chegar ao orgasmo é fácil, ficar satisfeita é difícil‘.

Acredito que esse exercício da sexualidade é fundamental — tanto o agir quanto o falar sobre — e me fez dar saltos quânticos em várias dimensões da minha vida. E, não é só pelo exercício em si da sexualidade, esse lance de se conhecer e respeitar seus desejos, mas especialmente pelo exercer a sexualidade fora de discursos de certo e errado, fora de acordos sociais tácitos que fizeram por você, sem te pedir opinião.

Li o texto da Clarissa Corrêa esses dias e gostei, claro, pois ela descreveu, toda prosa (e poética), a Maria que somos e que evitamos ser. Mas algo me incomoda muito na frase com que ela fecha o texto: “A Maria, minha amiga, é a inimiga íntima de toda mulher“.

Maria Melillo, participante do BBB 11.

Lógico que pode haver poesia aí, dialética, inversão semântica, que seja. A questão é que realmente acho que, mesmo com todas as licenças poéticas, não devemos nunca usar “inimiga íntima” — nem literal, nem simbolicamente — na representação dessa Maria, esse lado ‘piriguete’ e fundamental na vida da gente.

Pode ser que nesse “inimiga” a Clarisse tenha invocado as representações do feminino, shakti, o lado oculto da lua, as deusas da criação e da destruição. Mesmo assim, longe de ser um bom recurso linguístico, é uma valorização da contradição ‘bem x mal’ que nós mulheres realmente não precisamos viver (ainda mais) — nem no discurso nem na vida real. E, especialmente quando se trata da nossa dimensão sexual, das nossas manifestações sexuais, do nosso agir sexualmente, fato e assunto que se tenta insistentemente caricaturizar e endeusar — mantendo isso bem dentro dos livros (a mente) e bem longe das ruas (o corpo).

Para mim, Maria é nossa amiga mais íntima, nossa maior amiga, nossa maior amiga íntima. O íntimo tem duplo sentido também, pois a sexualidade é nossa espinha dorsal, nossa força, nossa fonte de energia física, espiritual e todos os outros nomes que você usa para descrever as suas dimensões de ser humano.

No tarot — que é um dos vários sistemas arquetípicos que o ser humano criou, um espelho simbólico pra facilitar nossa leitura de nós mesmos — existe um arcano chamado a Imperatriz. Ela simboliza uma mulher em sua completude, que vive e/ou tenta viver todas as suas dimensões e potencialidades, seja sendo uma profissional, seja sendo mãe (não necessariamente tendo filhos seus, olha só), seja sendo amiga de seus amigos, companheira de seus companheiros, seja sendo a mais piriguete das amantes. É a Rainha, dona de si, do seu destino, da sua história.

Maria é uma dessas várias mulheres que fazem de uma mulher a Imperatriz. A soberana da sua vida, tendo o compromisso consigo e com o mundo de ser e viver sua plenitude de mulher e de ser humano.

Ah, e falando em plenitude de ser humano e em sexualidade livre da normatização, sabe o homem? Essa criatura aparentemente livre no exercício da sexualidade e nas escolhas? Ele está precisando — e muito — de uma revolução sexual pra chamar de sua. Mas isso é papo para outro texto, pois hoje é dia de Maria.

Autora

Fabiana Motroni é comunicação, conexão, poesia e ativismo. O tempo todo. Mas nem sempre nessa ordem. E apaixonada pela cultura da colaboração, pelas idéias afetuosas, pelo viver sustentável, pela comunicação como instrumento de conexão entre pessoas e outras pessoas, suas idéias e o mundo.