Os lírios não nascem da lei

– Oi, você pode me esperar usar o banheiro?

– Claro!

– É que pra mulher é um pouco perigoso…

Foi o começo de uma conversa rápida na porta do banheiro de um boteco daqueles que a gente pode entrar só pra ir no banheiro. Esperamos.

Quando ela saiu, disse exatamente assim: “é que esses caras acham que podem passar a mão na gente. Deve ser por causa da minha roupa, porque eu tô de saia. Mas é um saco isso. Aquele cara tentou passar a mão no meu peito! Por isso eu só venho aqui acompanhada, hoje vim com meu primo.

Quase dois meses antes, a gente tinha passado na frente desse boteco da Rua Augusta, em São Paulo, dizendo “Presta atenção! O corpo é meu! A minha roupa não é problema seu!”

E, como o feminismo não tem hora nem lugar, comentamos com ela sobre a Marcha das Vadias, explicamos por que marchamos, dissemos que a gente deveria ter o direito de andar vestida como quisermos sem ninguém passar a mão ou agredir a gente, e que as vezes a gente tá de calça e moletom e os caras nos assediam do mesmo jeito, só porque a gente é mulher. E no rosto e olhar dela foi transparecendo um “nossa, faz todo sentido”. Anotamos o facebook dela, e combinamos de chamar pras próximas atividades feministas aqui de São Paulo.

Coincidentemente, já temos um convite pra fazer pra ela. E pra tod@s que se indignam frente à violência sexista, e às que foram na Marcha das Vadias.

Vamos fazer mais uma ação contra a violência sexista. Para o dia 4 de agosto, várias organizações do movimento de mulheres estão convocando um abraço no Tribunal de Justiça de São Paulo (que fica na praça da Sé – e o horário está marcado para 12h). O abraço simboliza a exigencia das mulheres de que o Poder Judiciário abrace a causa do enfrentamento à violência sexista.

Em agosto, a Lei Maria da Penha faz 5 anos, mas ela ainda não é cumprida.

É um absurdo que no estado mais rico do país só exista um Juizado de Violência Doméstica (isso mesmo, somente UM Juizado!) As mulheres sofrem violência em todo Estado de São Paulo. Reivindicamos a criação de mais Juizados para a proteção das mulheres.

Os Juizados de Violência Doméstica estão previstos no art. 14 da Lei Maria da Penha e devem: (1) julgar questões de família e criminal; (2) ter uma juíza (ou juiz) competente para tratar da violência doméstica; (3) uma equipe para o acolhimento da mulher, formada por psicólogos e assistentes sociais; e (4) uma defensora (ou defensor) pública destinada ao atendimento da mulher vítima da violência. Não queremos Juizados fajutas, queremos Juizados que possuam toda uma equipe para o acolhimento da mulher em situação de violência doméstica. 

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Ontem a noite, recebi uma mensagem de uma amiga. Ela estava do lado de uma mulher que tinha acabado de ser espancada pelo marido. “O que eu faço?”

Cada vez que acontece uma situação de violência sexista perto da gente, dá um nó na garganta, um tanto de raiva, um sentimento de impotência e vem na cabeça aquela frase do Drummond: As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei.

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Nestes 5 anos, aprendemos na prática que a conquista da lei não significou automaticamente um fim à violência, nem que a lei tem sido devidamente aplicada. Isto porque a violência é um dos fundamentos da opressão das mulheres, e o sexismo e misoginia são parte do pensamento hegemônico e da prática dos operadores do direito. E porque os homens continuam batendo nas mulheres, e porque o machismo continua matando 10 mulheres por dia no Brasil.

Enquanto houver uma mulher vítima de violência, o feminismo continuará sendo necessário.