Como ser mulher

Hoje é dia de sugestões de leituras. A Editora Paralela me enviou uma prova antecipada para divulgação do livro “Como ser mulher – um divertido manifesto feminista”, da inglesa Caitlin Moran. Um best seller internacional autobiográfico.

Capa do livro “Como ser mulher” de Caitlin Moran.

Conversando com amigas feministas, pensamos que este pode ser o livro divertido que seja o primeiro passo para que muitas pessoas conheçam o feminismo de uma maneira leve, sem aprofundar-se em grandes temas. Posso afirmar que sim, ele cumpre essa função, mas com algumas ressalvas, justamente por não  fugir muito de alguns estereótipos do que é ser mulher.

Caitlin Moran já foi colunista de vários jornais e seu estilo de escrita me lembrou o site americano Jezebel.com (o livro inclusive entrou no Jezebel Book Club). Ela é sarcástica e irônica ao falar de sua infância e de seus ritos de passagem, como a primeira menstruação, a primeira depilação, a primeira relação sexual, o primeiro sutiã, etc. Grande parte do livro é vivenciada tendo como pano de fundo uma família de oito irmãos e pais atarefados, sem dinheiro, nem grandes luxos.

Há passagens engraçadas, mas em muitos momentos, sinto pena de Caitlin e não era bem isso que eu queria sentir ao conhecer a história de alguém que está descobrindo o feminismo. Talvez seja um problema com a tradução, que não dá muito ritmo ao texto. Porém, o melhor do livro é ver como Caitlin quer trazer o feminismo para uma discussão cotidiana e mais próxima das pessoas, retirá-la do pedestal distante da academia. Afinal, como ela mesma diz: “o feminismo é importante demais para ser discutido apenas na academia”. E faz seu apelo logo no início do livro:

Não sou uma feminista acadêmica, mas, pelo amor de Deus, o feminismo é tao sério, importante e urgente que chegou a hora de ser defendido por uma colunista de jornal e crítica de TV em meio período de coração leve, mas péssima em ortografia. Se há alguma coisa emocionante e divertida, quero fazer parte dela — não quer ficar só vendo da plateia. Tenho coisas a dizer! Camille paglia entendeu Lady Gaga COMPLETAMENTE ERRADO! A organização feminista Object está louca no que fiz respeito à pornografia! Germaine Greer, minha heroína, está maluca sobre a questão dos transgêneros! E ninguém está falando das revistas de fofocas, das bolsas de seiscentas libras, das calças minúsculas, das depilações completas, das despedidas de solteira idiotas ou da modelo Katie Price. (pg. 15)

Capa do livro “Mulheres. Por que será que elas…? de Leila Ferreira.

Você pode ler um trecho do livro aqui (.pdf). E observando o índice, nota-s que apesar de comentar sobre a questão dos transgêneros, o livro segue numa toada de observar estereótipos tipicamente femininos, sem fugir do cotidiano de mulheres brancas, cissexuais, heterossexuais, urbanas, classe média. É claro que há ritos de passagem, que são importantes para a vida das mulheres, mas não explicam por completo como é ser mulher. Explicam como é Caitlin Moran. Então, esse livro pode sim ser uma porta de entrada para o feminismo e, espero que por ser um best seller tenha atingido muitas mulheres. Especialmente os capítulos sobre ter filhos e aborto são os que mais trazem observações fora da caixa.

Lendo “Como ser mulher”, lembrei-me do livro: “Mulheres. Por que será que elas…?” da jornalista Leila Ferreira. Você pode ler um trecho aqui. O livro é de 2007, peguei numa feira de troca. Não é um livro que se entitule feminista, mas também trabalha com estereótipos femininos para fazer observações pertinentes por meio de perguntas como: “…usam roupa de abotoar atrás?”, “Precisam se vinte e seis tipos de xampu?”, “se desculpam até pelos erros da meteorologia?”, “conhecem onze tons de azul?”. A escrita de Leila me pareceu próxima a de Caitlin:

Se os filhos tiram nota baixa na escola, a mulher acha que a culpa é dela, porque não está sendo uma boa mãe; se a empregada falta, a culpa é dela, porque não tem autoridade como patroa; se o marido a trai, a culpa é dela, porque não é interessante o bastante para prendê-lo. Quando a geladeira fica vazia em uma casa onde vivem quatro homens, a mulher penitencia-se porque não está sendo uma boa dona de casa. Quando a sogra pega uma gripe e ela própria está com uma enxaqueca muito pior do que a gripe da sogra, não faz mal — ela se enche de remédio e vai visitá-la. Se é aniversário da cunhada que mora em um condomínio a trinta quilômetros do centro da cidade e ela está sem carro e sem a menor vontade de ir, vai assim mesmo — dá dez telefonemas até conseguir uma carona e finge que está amando o programa. Se não deu tempo de comprar o presente da cunhada, passa os quinze primeiros minutos do aniversário desculpando-se. Se chega com o presente, gasta cinco minutos para explicar que é só uma lembrancinha, dizer com ansiedade genuína “tomara que você goste” e concluir repetindo duas ou três vezes que, se ela não gostar, não tem problema: pode trocar. Não é à toa que estamos exaustas. Às voltas com a quádrupla ou quintupla jornada, achamos não só que temos que dar conta de tudo, mas que tudo tem que sair perfeito. (pgs. 83 e 84)

Por fim, para quem estiver afim de um livro mais acadêmico, a L&PM Pocket acaba de lançar um livrinho bacana que custa R$10: “Profissões para mulheres e outros artigos feministas” de Virginia Woolf. Achei fácil na sessão de pockets da livraria. Leia um trecho aqui (.pdf).

Acredite, nunca gostei muito da prosa de Madame Woolf. Mrs. Dalloway é simpática, mas me dá um pouco de preguiça indo para lá e para cá enquanto arruma a festa. Não li Orlando, nem Flush. Porém, sempre me derreti por seus ensaios, especialmente “Um teto todo seu”.

Desse novo livro, o que mais me chamou a atenção foi o último ensaio: “Memórias de uma União das Trabalhadoras”.

Quando vocês me pediram para escrever o prefácio a uma coletânea de artigos escritos por trabalhadoras, que vocês organizaram em forma de livro, respondi que preferia ser afogada a escrever um prefácio a qualquer livro que seja. Os livros devem valer por si, foi o que argumentei (e penso que é um argumento sólido). Se precisam ser escorados por um prefácio aqui, uma introdução ali, mais parecem uma mesa que precisa de um chumaço de papel em baixo de uma das pernas para ficar firme. Mas vocês me deixaram os artigos e, folheando-os, vi que desta vez o argumento não se aplicava — este livro não é um livro. Virando as páginas, comecei a me perguntar: então o que é esse livro, se não é um livro? Qual é o carátr dele? Que ideias apresenta? Que velhos raciocínios e lembranças ele me desperta? E como nada disso tinha algo a ver com uma introdução ou prefácio, mas me fazia lembrar de vocês e de certas imagens do passado, peguei uma filha de papel e escrevi esta carta, não para o publico, e sim para vocês. (pg. 66)

É bom ver prateleiras abrindo caminhos para o feminismo. Seja pelo lado do humor ou por meio de um apelo literário clássico. Aprender cada vez mais sobre o feminismo é fundamental para discuti-lo e aprimora-lo todos os dias, abarcando questões que precisam ser aprofundadas e internalizadas. O que começa com questionamentos a respeito da menstruação tem todo potencial para chegar ao movimento de trabalhadoras brasileiras, além de romper com questões de gênero que já não cabem em si.

[+] Como ser mulher? Resenha feita pela Marilia Moscou.