Campanha pela licença-paternidade: porque os pais consideram importante

Texto coletivo do grupo FemMaterna.

Imagine a seguinte situação: você ama crianças e acha os bebês a coisa mais linda da face da Terra. Recebe uma proposta de emprego para ser babá com o mesmo salário que já recebe no seu atual emprego, mas com carga horária no esquema de “plantão 24 horas”, sem direito à folga nos feriados e finais de semana, nem mesmo férias.

Imagine também que você acabou de passar por uma cirurgia de grandes proporções e precisaria ficar de repouso por pelo menos uns 10 dias, mas, ainda assim, disponível no trabalho logo que conseguir andar, mesmo sentindo dor. Você vai ter um colega de trabalho disponível nas 24 horas do dia, mas somente nos primeiros cinco dias porque depois, o horário dele diminuirá, em no mínimo, 9 horas por dia.

A partir daí, você ficará só — na maior parte do tempo — em seu trabalho, enquanto se recupera de uma cirurgia e cuida de um bebê plenamente insatisfeito que irá chorar a cada duas horas, sentirá fome, precisará ser trocado cada vez que se alimentar, entre outros muitos cuidados. Mas fique tranquila, porque todos dirão que esse é o cenário ideal na vida, mesmo que o bebê seja um pouco mais chorão, ou até chegue a chorar o tempo inteiro, ou ainda durma muito pouco e chegue a ter algumas complicações não conhecidas.

E aí, você toparia?

Tem quem responda: Ah, só se eu fosse parente dessa criança! Porém, a maioria diria sem titubear: Nem pensar!

O número de pessoas que não desejam ter filhos tem aumentado constantemente, na medida em que as responsabilidades pelo cuidado recaem cada vez mais sobre os progenitores. A divisão de trabalho em grande parte ainda continua seguindo velhos moldes: enquanto a mãe toma conta da higiene, saúde, alimentação, distração, formação; o pai cuida do sustento.

Da esquerda para direita: Leonardo e Teresa. Rodrigo e Tomás. Fotos: Arquivo Pessoal.
Da esquerda para direita: Leonardo e Teresa. Rodrigo e Tomás. Fotos: Arquivo Pessoal.

Em discussão atualmente na Câmara dos Deputados, dois projetos de lei visam estimular a participação paterna através da prorrogação do tempo da licença-paternidade. O PL (projeto de lei) 3935/2008, da senadora Patrícia Saboya, altera a licença para 15 dias. E, o PL 879/2011, da deputada Erika Kokay, altera para 30 dias. Uma petição foi aberta para tentar acelerar a votação e aprovação da segunda proposta, no Avaaz. As Blogueiras Feministas e o FemMaterna apoiam a petição. Assine também!

Segundo dados da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), alguns estados, como o Rio Grande do Sul, já ampliaram para 15 dias a licença-paternidade de seus servidores. Mas, na maioria do Brasil ainda são 5 dias. Mesmo assim, o país ainda está na frente da Argentina, onde a licença é de dois dias, e do Chile, que é de apenas um. Já nos Estados Unidos, o afastamento do trabalho é de até três meses (não-remunerados). Em alguns países da Europa, entretanto, a família decide. Em Portugal, a mãe deve cumprir seis semanas de licença, mas o restante do período pode ser dividido. Quando o pai participa da licença ela é aumentada de 120 para 150 dias. Na Suécia a licença pode chegar a 13 meses. Nos dois casos, as licenças maiores são permitidas com diminuição do subsídio.

O ideal mesmo seria não só aumentar os dias, mas também usar o nome “licença-parental”, evitando estabelecer papéis fixos na criação dos filhos, como também permitir a autonomia da família sobre a configuração que lhe seja mais conveniente. Uma medida assim seguiria o avanço atual da legislação sobre casamento e adoção, incluindo casais de mesmo sexo.

Da esquerda para direita: Fabiano e Isa. Marcelo e Laura. Ulisses e Amanda. Fotos: Arquivo Pessoal.
Da esquerda para direita: Fabiano e Isa. Marcelo e Laura. Ulisses e Amanda. Fotos: Arquivo Pessoal.

Porém, parece que no Brasil ainda não temos a tradição de estimular os homens para que também cuidem ativamente dos filhos. Os que acabam tomando para si a tarefa de dividir esse cuidado, o fazem por conta própria. Como sabemos disso? Conversamos com alguns dos pais companheiros de mães do FemMaterna que relatam suas considerações à respeito da importância em ter mais tempo para também cuidarem das crianças. Eles falaram sobre suas expectativas antes da chegada dos filhos e dividiram suas opiniões sobre a licença paternidade estendida.

“Achei que seria bem mais fácil. Na minha família as avós sempre participaram, cuidando de netos e mães, então achei que com a gente seria parecido. Eu sempre quis cuidar do meu filho: dar banho e trocar fralda, por exemplo. E imaginava que seria mais simples como o fato de que a criança dormiria bem. Aconteceu de tudo com meu filho e eu não sabia nada sobre cólicas, refluxo, icterícia e tantas outras coisas que podem acontecer. O primeiro mês foi uma correria, as avós e tias trabalhando, sem tempo para nos ajudar, e os cinco dias de licença não serviram prá praticamente nada. Logo que voltei, durante o trabalho só pensava no bebê e era difícil focar em outras coisas. Depois de um mês as coisas foram ficando um pouco mais tranquilas… então eu poderia ter voltado só aí ao trabalho com mais concentração e menos cansado.” Rodrigo, pai do Tomás, 3 anos.

“Acho que nem mesmo uma licença de 15 ou 30 dias seria suficiente para um homem cuidar de seus filhos! Talvez o ideal seria uma licença para que tanto homem como a mulher pudessem trabalhar meio período revezando nos cuidados com a criança. Pensando bem, acho que isso resolveria também o problema das mulheres que sentem medo de serem demitidas depois do período da licença… Porque com esse esquema todas permaneceriam mais uteis no trabalho, sem medo de substituições a qualquer momento.” Marcelo, pai da Laura, 3 anos e meio.

“Acho 5 dias muito pouco. Não que o homem precise ficar 6 meses em casa, mas as propostas de 15 e 30 dias fazem muito sentido. Nesses dias iniciais é importante o estabelecimento do vínculo da criança com os pais, fora o fato de que normalmente esses são os dias mais difíceis, pois a mãe também não sabe muito o que fazer.” Fabiano, pai da Isa, 4 anos e 9 meses.

“Não conheço as propostas, mas pelos períodos citados, me parecem muito tímidas e sinalizam duas coisas: não representam uma alteração, de fato, relevante na legislação atual porque 15 dias é quase tão pouco quanto uma semana; fica claro que o Estado não reconhece a necessidade da criança recém-nascida, ou a responsabilidade de ambos os pais de forma igualitária. Parecem leis no espírito “um pouco é melhor que nada”, talvez reconhecendo a dificuldade de se fazer mudanças radicais num sistema engessado. Penso se vale o esforço. Acho que boa parcela da população acredita que o Brasil precisa de medidas mais ousadas, mais corajosas e mais efetivas em várias áreas.” Leonardo, pai da Teresa, de quase 4 anos.

“Gostava de atender minhas crianças quando precisavam, independente do horário. Dar banhos, trocar fraldas, dar mamadeira, colocar pra arrotar, sair pra tomar sol, que às vezes eu dava com o nenê sem fraldas. Era o que eu chamava de “banho de sol com emoção” já que de vez em quando os pequenos aproveitavam a liberdade das fraldas pra “regar” a casa. Acho importante que a licença exista. É muito legal ter um tempo pra poder se dedicar inteiramente a essa nova fase. Principalmente no início, quando a mudança súbita de rotina exige mais dos pais. Se a licença paternidade pudesse ser de 15 ou 30 dias, seria ainda melhor. Iria contribuir pra uma melhor qualidade de vida, tanto dos pais quanto dos filhos.” Ulisses, pai do Arthur, de 7 anos e da Amanda, de 5 anos.

As entrevistas com os pais estão disponíveis na íntegra neste link.

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