Largar seu emprego para ser mãe em tempo integral é provavelmente uma má ideia

Texto de Erin Gloria Ryan. Tradução de Liliane Gusmão com a colaboração de Iara Paiva.

Aviso das tradutoras:

1. Horas após a publicação deste texto, fomos informadas que a autora já publicou diversas opiniões ofensivas no twitter, como islamofobia e ironia contra campanhas de prevenção de câncer de mama. Não endossamos estas opiniões e assumimos nossa negligência em não pesquisar a autora com mais cuidado.

2. Pelas reações recebidas, admitimos que apesar das ironias não terem sido percebidas como ofensivas pela tradutora, que é mãe e dona-de-casa, isso não é um consenso. Pedimos desculpas e reforçamos que nosso objetivo com a publicação foi discutir as motivações que levam as mulheres a tomarem decisões que as colocam em condições de vulnerabilidade – tanto aquelas sobre as quais tem algum controle, quanto aquelas que lhes são impostas.

Publicado orginalmente com o título: Quitting Your Job to Be a Full-Time Mom Is Probably a Bad Idea no site Jezebel.com em 08/08/2013.

Deixar um trabalho de alto escalão para seguir sua verdadeira vocação de June Cleaver (1), mãe-dona-de-casa-sorridente-enquanto-esfrega-suas-pérolas soa como uma insustentável fantasia para se jogar — como aqueles sapatos que deixam seu bumbum malhado sem você fazer exercícios ou s’mores (2) gelados (quando TODA GRAÇA DOS S’MORES é serem quentes). Mas o canto da sereia de ficar em casa, muito-bom-para-ser-verdade foi mais sedutor e irresistível para muitas famílias quixotescas — e agora, as mulheres estão descobrindo, da pior maneira, que optar por abandonar suas carreiras no ponto alto de seus trajetos é optar por uma miríade de frustrações inesperadas.

Há uma década atrás, a revista New York Times trazia em sua capa estórias de várias mulheres ricas que estavam super felizes por terem optado por sairem de seus super empregos para se focarem no cuidado de suas famílias — voce sabe, gente rica animadamente fazendo reflexões sobre as decisões que podem fazer por serem ricas.

Eu não quero continuar no atalho que me leva ser sócia de um escritório de advocacia famoso,” diz Katherine Brokaw, que deixou essa trajetória para ficar em casa com suas três crianças. “ Algumas pessoas definem isso como sucesso. Eu não”.

“Eu não quero ser famosa. Eu não quero conquistar o mundo. Eu não quero esse tipo de vida”, diz Sarah McArthur Amsbary, que era artista de teatro, professora e tem um mestrado em inglês, saiu do mercado de trabalho quando sua filha nasceu. “Maternidade dá uma válvula de escape que a paternidade não dá. Ter um bebê te dá uma saída elegante e conveniente”.

[É, bem — se você tem alguém (um marido, por exemplo) que ganhe bastante dinheiro, sim dá. Ou se voce é pobre, tem um filho e percebe que todo seu salário é menos do que suficiente para pagar o que você gasta com a creche, então, você se vê forçada a largar seu emprego para cuidar da criança. Mas eu divago.]

Cena do filme 'Mãe em apuros' (2009).
Cena do filme ‘Mãe em apuros’ (2009).

Muito aconteceu desde a REVOLUÇÃO DA OPÇÃO de largar o emprego em 2003. Kanye West começou a fazer álbuns, Ipad tornou-se O objeto de desejo, a economia foi pro buraco em vários níveis e países. Num artigo para revista New York Times (Leia aqui em inglês), Judith Warner descobriu o que aconteceu com aquelas mulheres que estavam tão satisfeitas e confortáveis no artigo de 2003, quando fizeram sua opção de deixar seus empregos. Alerta: o cenário não é composto por pessoas sentadas com as pernas cruzadas em carpetes caros usando calças de yoga de 120 dólares. O cenário é desolador.

Uma das mulheres mostrada na história de 2003 — que também foi entrevistada no programa de televisão 60 Minutes — agora está divorciada de seu primeiro marido e trabalha meio período para se sustentar, enquanto mora num apartamento com vista para um estacionamento. Outras se sentiram entediadas e insatisfeitas com sua rotina de mãe tempo integral e gradativamente se lançaram em trabalhos voluntários (que é exatamente como um emprego só que sem salário). Uma começou a se ressentir da expectativa do marido de que ela limpasse as sujeiras que ele deixava para trás enquanto estava no trabalho. Muitas tentaram voltar ao mercado de trabalho depois que seus filhos estavam grandes o suficiente para ficarem constrangidos com a sua presença e, descobriram que os empregos disponíveis para elas tinham muito menos status e apenas uma fração dos salários que ganhavam no cargo que abandonaram. Algumas foram forçadas a ganhar dinheiro depois que seus maridos perderam seus empregos e acabaram topando com um teto de vidro consideravelmente mais baixo. Empregos foram perdidos, casamentos foram tensionados. Calças de yoga provavelmente descartadas.

A “Opção de Sair” do mercado de trabalho, propagada como revolucionária apenas uma década atrás, parece absolutamente tola em retrospectiva. Primeiro, porque largar seu emprego para cuidar das crianças porque você quis, se apoia em duas entidades completamente duvidosas: um marido que ganhe muito dinheiro e na economia; para que essa empreitada não seja uma aventura arriscada na melhor das hipóteses, ou um retumbante fracasso na pior. Se, digamos, o marido endinheirado morre ou foge com outra pessoa, a optante é forçada a trabalhar para repor a quantidade de dinheiro que o marido ganhava, ou buscar uma pensão alimentícia e assim continuar financeiramente dependente dele. A pessoa que tem a renda financeira não está na mesma posição desvantajosa por perder a cônjuge que optou por não trabalhar; essas pessoas simplesmente contratam alguém para cuidar das crianças, substituindo a optante que ficava em casa, com o dinheiro que continuam a ganhar. (Certamente uma babá não é a mesma coisa que uma mãe, mas muitas crianças que foram criadas por suas babás cresceram  e tornaram-se cidadãos razoáveis; e é muito mais fácil criar um filho com ajuda de uma babá do que viver confortavelmente sem a ajuda de um salário).

Tudo isso fica ainda pior para as ‘Revolucionárias Da Opção’ se houver também um declínio da economia, como aconteceu para muitos americanos em 2008. Nesses casos, ter dois salários teria protegido as famílias contra o desastre microeconômico e, como muitas mulheres que escolheram deixar seus empregos descobriram, deixar uma carreira não é como colocar um marcador de página nela e deixá-la suspensa. Na realidade, é ter que recomeçar do zero e dessa vez com o livro escrito numa língua desconhecida.

E segundo, escolher sair do emprego simplesmente não parece fazer sentido algum para o tipo de trabalhadora, altamente competente e bem paga, que o artigo da revista Times mostrou na década passada. Faz algum sentido que pessoas com um senso de auto-estima elevado por ter tanto poder e dinheiro consigam igualmente achar divertido e interessante trocar fraldas?

Se escolher abandonar o mercado de trabalho era obviamente arriscado e tão obviamente fadado a ser menos bem sucedido que revolucionar a Pepsi, então, por que tantas mulheres fizeram essa escolha? De acordo com o artigo da revista Times, não podemos culpar os maridos; a maioria apoiou, mas não forçou ou insistiu na decisão inicial das esposas de abandonar suas carreiras. Não é que as mulheres “não queiram” mandar no mundo, como o artigo inicial da ‘Revolução da Opção’ sugeria; se elas não quisessem mandar no mundo, não se sentiriam compelidas a voltar ao trabalho e não se sentiriam frustradas de não poder voltar ao trabalho depois de terminar de empacotar o almoço dos filhos e terminar de assinar as permissões de passeios escolares.

Então, por que as mulheres se deixam iludir acreditando que se saíssem de seus empregos tudo seria perfeito? É porque a cultura corporativa americana está tão ultrapassada e inflexível que participar dela se tornou incompatível com o que muitas pessoas acham ser a melhor maneira de criar seus filhos. Como Warner aponta no artigo “JK About That Opt Out Revolution”  smartfones, computadores e outros dispositivos eletrônicos só conseguiram acorrentar ainda mais os trabalhadores a seus patrões, e a expectativa de constante disponibilidade significa que as exigências do emprego afastam as pessoas de se engajarem plenamente em suas famílias, mesmo nos momentos em que “supostamente” deveriam não estar trabalhando. Muitas mulheres citadas no artigo da revista Times disseram que saíram de seus trabalhos pois julgaram essa a escolha mais saudável para seus casamentos e suas crianças, mas, aparentemente, a decisão mais saudável para todos seria que os empregadores permitissem maior flexibilidade aos seus empregados — horários mais flexíveis, teleconferências, além de mais horas de folga para que as pessoas possam ter uma vida própria fora do trabalho.

A emissora de televisão Fox News há muito tem apontado que a razão para que mulheres recebam salários menores que os homens é porque elas estão fazendo escolhas como as ‘Revolucionárias da Opção’ fizeram (na verdade, aqui estão algumas bobagens ditas essa semana). Mas a realidade é que as mulheres que deixaram seus grandiosos empregos para ser mãe em tempo integral só fizeram isso porque parecia o melhor para suas famílias. A Fox News pode está certa nesse ponto: as mulheres são livres para trabalhar até a morte assim como os homens também são, se quiserem. Mas, uma vez que se tornam mães, a cultura corporativa as empurra para fora do mercado de trabalho e, então, as pune por terem saído.

Ao longo de todo artigo de Warner, as mulheres que tentam voltar ao mercado de trabalho falam repetidamente de arrependimento. Elas se arrependem de terem deixado seus empregos e se perguntam onde suas carreiras as teriam levado. Mas arrependimento não é exclusividade daquelas que escolhem abandonar seus empregos. Arrependimento é um luxo daquelas que tem sorte o bastante para poder fazer escolhas. A tragédia real das mulheres que optaram por deixar seus empregos não é ter feito a escolha errada; a tragédia é terem sido forçadas a escolher.

Notas

(1) June Cleaver, personagem principal da série americana ‘Leave it to Beaver’ que representa o ideal de mãe em tempo integral dos anos 50 complacente, satisfeita e sempre sorridente.

(2) Sobremesa típica estadunidense composta de um sanduiche feito com dois biscoitos, um pedaço de chocolate e marshmallow derretido, preferencialmente numa fogueira de acampamento. O nome s’more é uma referencia a frase ‘some more’ porque é impossível comer apenas um.