Meg Barker: “Um círculo vicioso de invisibilidade bi”

Entrevista de Charlotte Dingle, editora-chefe do site Biscuit com Meg Barker, publicada em 22/07/2014, com o título: ‘Meg Barker: A vicious cycle of bi invisivility’. Tradução de Bia Cardoso para as Blogueiras Feministas.

Meg Barker é escritora, conferencista na área de psicologia, sexo, relacionamentos e conselheira especializada em bissexualidade. O site Biscuit pediu-lhe algumas curtas declarações sobre representação bissexual nos meios de comunicação, a difícil questão dos rótulos e a situação do ativismo bissexual mundial.

Meg Barker.
Meg Barker.

O que, primeiramente, te levou a focar sua pesquisa acadêmica no tema da bissexualidade?

Na verdade, foi uma combinação de coisas. Do ponto de vista de pesquisadora, eu sempre tive interesse em pessoas cujas identidades, de alguma forma, não são parte da maioria e como essas experiências acontecem. Na época, eu estava pessoalmente envolvida com comunidades bissexuais, então me pareceu um tema óbvio para estudar.

Quanto mais eu me envolvia no ativismo bissexual, percebia o quanto a bissexualidade era invisível e como a pesquisa era necessária para aumentar a conscientização sobre os problemas enfrentados pelas pessoas bissexuais. Esse foi o pensamento por trás da criação da BiUK (uma organização para reunir pesquisas sobre bissexualidade e ativismo), da conferência BiReCon e do Bisexuality Report.

Por fim, enquanto estudava essas áreas, fui ficando particularmente intrigada em como a cultura majoritária frequentemente vê as coisas de forma binária (p. ex.: homens e mulheres, gays e heterossexuais). Então, minha pesquisa em torno da sexualidade, gênero e relacionamentos tem se concentrado mais em como estes fatores podem desafiar o binarismo.

Como você vê a atual visibilidade/representação da bissexualidade na mídia?

Falando de forma geral, isso continua sendo um grande problema. Muitas pessoas ainda não conseguem ver além dos termos gay/hétero para encontrarem formas viáveis de definirem sua identidade, apesar de se sentirem atraídas por mais de um gênero. Eu acho que, em grande parte, isso tem a ver com o fato de que temos poucas representações de bissexuais próximas a elas.

Muitas vezes, as pessoas acreditam que a bissexualidade é rara porque poucas pessoas se declaram bissexuais, mas as estatísticas sugerem que a bissexualidade é mais comum do que ser lésbica ou gay. O que ocorre é que as pessoas se sentem muito menos confortáveis para se assumirem como bissexuais devido ao estigma que enfrentam por serem quem são (na maioria das vezes vindo de pessoas heterossexuais, gays e lésbicas). Portanto, há um círculo vicioso de invisibilidade.

Recentemente, tivemos algumas representações bissexuais como o Capitão Jack em Dr.Who/Torchwood, o concierge vivido por Ralph Fiennes no filme ‘O Grande Hotel Budapeste’ e Piper Chapman em Orange Is The New Black. A palavra “bissexual” é raramente usada para descrever qualquer um desses personagens mas, pelo menos eles são imagens bem positivas de pessoas que se sentem atraídas por mais de um gênero.

Como você vê as diferenças na forma com que homens bi e mulheres bi são percebidos ou retratados, tanto na mídia como pelas pessoas nas ruas?

Nós ainda temos uma grande lacuna nessa questão. Tanto mulheres quanto homens bissexuais são frequentemente retratados como promíscuos e desleais, com uma desconfiança se eles são “realmente” bissexuais. Porém, os homens bissexuais são na maioria das vezes vistos como sendo “realmente” gays, e há mais suspeitas sobre a existência da bissexualidade masculina do que a bissexualidade feminina. Mulheres bissexuais são muitas vezes vistas como “bi-curiosas”, e mais interessadas em homens, são muitas vezes descritas de maneira excitante e hipersexualizada por homens heterossexuais. Alguns pesquisadores têm apontado a misoginia no pressuposto de que todo mundo realmente vai ser mais sexualmente interessado em homens!

Há também um número crescente de pessoas que vivem suas vidas como não-binários, tanto em termos de sua sexualidade (p. ex.: bissexual, pansexual ou queer) como de seu gênero (p. ex.: genderqueer, gênero fluido ou bigênero). Há pouquíssimas representações destas pessoas na mídia, mas o reconhecimento de vários gêneros pelo Facebook sugere que este será provavelmente algo do qual falaremos muito nos próximos anos, uma vez que desafia a idéia de que a sexualidade e o sexo são binários.

Como você vê o estado do ativismo bissexual mundial no momento?

Há algumas coisas incríveis acontecendo no ativismo bi globalmente e o movimento está definitivamente em um estado saudável, eu diria. Eu não sou uma especialista em movimentos bi internacionais, mas Surya Monro (uma acadêmica de Huddersfield) está atualmente pesquisando esta área e encontrou ótimos exemplos de ativismo bissexual em diferentes culturas que também se engajam em questões interseccionais (como anti-racismo, políticas de classe, políticas trans, etc). Os movimentos bi do Reino Unido e dos Estados Unidos têm muito a aprender com os outros movimentos em todo o mundo, eu acho.

Um exemplo maravilhoso é Shiri Eisner, que escreveu o livro ‘Bi: Notas para uma revolução bissexual’ (sem tradução para o português) que vincula o ativismo bissexual ao feminismo, ao ativismo trans, ao anti-racismo e o conflito entre Israel e a Palestina ocupada.

Eu também estou contente que a conferência BiReCon, que montamos no Reino Unido, com a idéia de juntar na mesma mesa acadêmicos/pesquisadores com ativistas, membros da comunidade e organizações relevantes, foi realizada em nível internacional. Já aconteceu uma BiReCon Europeia e uma BiReCon Estados Unidos, bem como a BiReCon internacional em Londres, 2010.

Às vezes, me sinto desanimada e exausta. Eu me movimento entre espaços em que todo mundo sabe a importância do B em LGBT e fala sobre “a homofobia, a bifobia e a transfobia”, para outros espaços onde as pessoas ainda questionam a existência da bissexualidade ou a consideram como uma minoria dentro de uma minoria, que é boa apenas para ser incluída de forma simbólica. “Não-Seja-Bi” é uma ótima frase para compreender o fato de que muitos grupos e eventos são “bissexuais apenas no nome”.

Quando isso é apontado, as pessoas na maioria das vezes ficam um pouco envergonhadas  ou encolhem os ombros ou fazem piadas com os esforços para torná-los corretamente bi-inclusivos, mas é importante lembrar que estamos falando de um grupo de pessoas que têm taxas mais altas de problemas de saúde e mentais, suicídios e violência doméstica do que as pessoas heterossexuais, lésbicas ou gays. Essa invisibilidade tem um preço real na vida das pessoas, e está até mesmo colocando suas vidas em risco.

Os rótulos são um tema extremamente complicado quando se fala de sexo e sexualidade, com muitas pessoas colocando-se veementemente contra o rótulo de “bissexual”. Quais são seus pensamentos sobre a forma de contornar isso? Tentamos fazer sempre o melhor, mas aqui no Biscuit estamos bem conscientes de que ainda, geralmente com o objetivo de sermos sucintas, usamos pronomes cis e referências a bissexualidade bem mais do que pan/ambi/omnisexualidade, etc. na maior parte do tempo — e não estamos sozinhas nisso, como uma organização “bi”!

Eu geralmente apoio os movimentos que se direcionam no sentido de uma multiplicidade de rótulos para sexualidade e gênero, incluindo aqueles que preferem não rotular essas coisas. Estudos recentes sobre os jovens, como o Metro Youth Chances Survey, sugerem que mais e mais pessoas estão usando termos além da sigla “LGBT” para descreverem a sua sexualidade e gênero, e é importante respeitar isso. Além disso, a proliferação de termos é útil para demonstrar que tanto a sexualidade como o gênero não são binários e que todo mundo pode experienciá-los de diferentes maneiras.

Obviamente que isso lança desafios para os movimentos LGBT e publicações. BiUK ainda usa o termo “bissexual” (para a atração de mais de um gênero), pois isso é bem compreendido pelas pessoas e grupos que estamos tentando ensinar (por exemplo). Mas é igualmente importante considerar as sexualidades não-binárias como um todo também, pois há muitos problemas semelhantes enfrentados por todos aqueles cuja atração tampouco é baseada no gênero ou em mais de um gênero.

Quanto aos pronomes, o caminho a percorrer é usar os pronomes preferenciais das pessoas e perguntar se não tiver certeza. Mais uma vez, eu acho que o movimento de confirmar o pronome preferido é uma ótima maneira de sinalizar a consciência de que as pessoas experimentam o gênero em suas múltiplas formas.

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Blogagem Coletiva

Esta postagem faz parte da Blogagem Coletiva pela Visibilidade Bissexual organizada pelo Bi-Sides.