Apoio às alunas do Curso de Direito da PUC do Rio Grande do Sul

Republicamos a carta escrita por alunas e alunos do curso de Direito da PUCRS, destinada aos coordenadores de departamentos da Faculdade de Direito, vice-diretoria e à diretoria do curso, em decorrência do caso do professor que durante uma aula afirmou que: as leis são como as mulheres, foram feitas para serem violadas.

Em seu perfil no Facebook, Marcelli Cipriani fala sobre os objetivos desse ato de protesto: Nosso propósito, mais do que a busca de bodes-expiatórios frente a situações que presenciamos coletivamente, enquanto alunos, de maneira reiterada, foi solicitar à instituição que utilizasse o episódio de forma criativa, propositiva e pedagógica — promovendo, oferecendo e estimulando capacitações em forma de debates, mesas redonda, eventos, grupos de estudos, disciplinas eletivas e demais oportunidades para que a violência, física ou simbólica, quanto a marcadores sociais da diferença no interior da academia, possa ser debatida e problematizada e para que, enfim, também seja possível enfrentá-la.

Estudantes da PUC-RS fizeram cartaz e colaram na entrada do Centro Acadêmico. Imagem: Facebook/ Reprodução.
Estudantes da PUC-RS fizeram cartaz e colaram na entrada do Centro Acadêmico. Imagem: Facebook/ Reprodução.

No dia 22 de abril do presente ano, o professor XXX, em sala de aula, afirmou que “as leis são como mulheres, foram feitas para ser violadas”. Ademais, em teor semelhante, outros alunos e alunas apontam falas como “moeda na mão, calcinha no chão” e “a prova testemunhal é a prostituta das provas”, como lugar-comum do referido educador.

No entanto, para além de encarar tais ocorrências enquanto exceções profundamente infelizes, o que percebemos é a pulverização absoluta de comentários, exemplos e “piadas” expostas por professores do curso, que frequentemente corroboram com aspectos como o machismo, o racismo e a intolerância face a diferentes sexualidades, sob o perigoso manto do humor. Relatos abordando tais eventualidades multiplicam-se por estudantes da faculdade, que apontam vários dos professores da PUCRS como seus reprodutores.

Entendemos, como acadêmicos de Direito, que para além dos inaceitáveis casos de assédio ocorridos no interior da faculdade, a violência também se perpetua de forma discursiva, especialmente se a mesma – como ocorre no presente caso – é proferida por indivíduos imbuídos de autoridade, o que entabula a naturalização e a neutralização de violações diversas, em um ambiente, por gênese, inteiramente avesso a manifestações de intolerância como as aludidas.

É evidente, face ao exposto, que incidentes como o mencionado podem não apenas gerar constrangimento em inúmeros estudantes, como também solapar sua possibilidade de problematização e de reação, na medida em que, consoante aludido, se trata de um ambiente assimétrico de poder entre professor e alunos e alunas, o que faz muitos destes discentes sentirem-se temerosos ou reticentes no que tange à efetuação de denúncias ou de reclamações.

Solicitamos, em decorrência disso, que a Faculdade de Direito da PUCRS, uma vez que configura-se como responsável pelas atitudes de seus funcionários em contextos de sala de aula, comprometa-se no sentido de orientar, de forma ampla e geral, os seus docentes. Nesse sentido, é imperativo que os professores interrompam imediata e definitivamente o reforço de discriminação histórico-sociais por meio de um aludido e ilimitado humor. Ademais, cumpre refrear a banalização de dizeres e comportamentos preconceituosos, discriminatórios, ou que instiguem qualquer forma de aversão à diversidade e à equidade entre os seres humanos.

Em razão disso, nos posicionamos por uma reação que, concomitantemente, apresente-se como força criativa – pontuando a necessidade de que sejam buscadas alternativas propositivas e materiais voltadas à mitigação da violência de gênero, raça, classe, religião e etnia dentro do âmbito acadêmico, seja ela física ou simbólica. Portanto, requer-se que sejam organizadas capacitações de professores quanto aos marcadores sociais da diferença; que se efetuem mesas redondas, eventos, congressos, por exemplo; que se organizem grupos de estudos e disciplinas eletivas que abarquem a relação do direito – e do ensinar/dizer o direito – com grupos minoritários vulneráveis historicamente, e que se lancem mão de estratégias que estimulem o diálogo e que prezem pelo respeito absoluto às particularidades e à heterogeneidade do ser humano quanto aos gêneros, às classes, às raças, às sexualidades.

É inconcebível que, face às progressivas e cada vez mais difundidas formas de minar o sectarismo ignorante que fundamenta violências múltiplas contra grupos vulneráveis, a PUCRS deixe de aproveitar essa oportunidade para reiterar os valores caros à instituição. Afinal, essa instituição é, ou deveria ser, um locus orientado para a construção do pensamento crítico, que reiteradamente destaca a ideia de justiça; uma Universidade que estima valores advindos do humanismo e do amor ao próximo.

A reticência em proferir uma mensagem clara contra investidas de professores em desfavor de gays, lésbicas, travestis e transexuais, a insistência na culpabilização feminina por violações sofridas pelas mulheres, o silenciamento quanto ao racismo institucional e sistêmico como parte da cultura nacional – dentre tantas outras alusões possíveis – constitui um contrassenso e uma resistência injustificada aos tantos avanços que minorias sociais conquistaram ao longo dos últimos anos.
A faculdade de Direito da PUCRS, portanto, não pode permanecer silente e omissa frente às atitudes dos professores que mantém contratados, sob pena de promover o completo esvaziamento daquilo que, ao menos em teoria, se predispõe a prezar com centralidade, in verbis:

[a] PUCRS, fundamentada nos direitos humanos […] tem por Missão produzir e difundir conhecimento e promover a formação humana e profissional, orientada pela qualidade e pela relevância, visando ao desenvolvimento de uma sociedade justa e fraterna.