Duas coisas que detesto e uma que necessito

Texto de Luciana Nepomuceno.

A Thayz (do incrível e reflexivo Menina de Sardas) publicou aqui um post intitulado A Ditadura Silenciosa. Ela trata de um tema que me é caro: padrões externos para meu corpo, minha vida, meus critérios, minha alegria. Em dia de muito pensar, até já escrevi um tantinho sobre isso.

São essas idéias que retornam pra serem partilhadas aqui. É que tem duas coisas que detesto. Muito. Muito mesmo. Tanto. Ai, ai ai. Pois é. Duas coisas: quando alguém diz que estou acima do meu peso e quando alguém me diz que pareço ser mais nova, ter menos idade do que realmente tenho.

Se alguém diz algo assim: “ah, mas eu pensei que você tinha X anos” (que é qualquer idade menos do que meus 35), como se fosse um elogio… Não quero, não gosto e acho um desrespeito. Como assim? Ser mais nova é melhor? Em quê? Por quê? Porque se diz isso como se fosse um elogio? Poxa, foram bons anos, todos os 35 (ou pelo menos os que lembro, que tem uma época aí de fraldas e sono e leite e cocô a toda hora que sei não…).

Eu gosto de cada idade que tive e tenho a impressão que gosto mais a cada ano. Viver é uma delícia, porque ter as recordações e marcas disso também não pode ser? Tenho o corpo da vida que levo. Tenho o rosto da vida que levo. E tudo isso é bom e não preciso me sentir mais nova pra me sentir bem. E o que é parecer ter 25 ou 35 ou 45 ou sei lá quantos anos? Qual é o padrão de comparação? É a atriz da Globo de 25 anos, malhada e produzida? É a sertaneja de 25 anos de face curtida do sol? É a sofrida presidiária de 25 anos, pele macilenta e olhos tristes? É a minha vizinha, 25 anos de boa saúde, bem alimentada, pele amorenada e olhos sorridentes cheios de ruguinhas ao redor? Quem parece ter 25 anos pra eu me parecer com ela? Fico doidinha com isso. Não é pessoal, ok, amigas? Só fico ouriçada com o assunto. É tipo uma bandeira.

Outra coisa: eu estou acima do meu peso. Como assim? Eu nunca entendi a lógica dessa frase. Como eu posso ter um peso acima do que ele é de verdade? Meu peso é esse (não escrevo porque não sei, faz anos que não me peso, mas é mais de 60, folgado – e eu tenho enormes 1,60m). Meu peso não pode ser acima do que ele é. Entende o problema? Meu peso pode estar acima de um peso suposto ideal para alguém com algumas características minhas. Mas não pode, na realidade, estar acima dele mesmo.

É uma questão de lógica. Ele é o que é o que é o que é. E, de novo, entram em cena os padrões definidos longe e fora de mim. Como assim meu peso ideal? Ideal pra quem? Alguém perguntou minha opinião? Ideal pra eu não morrer de alguma doença supostamente ligada à minha forma? (Quero dizer que não me pesei, mas faz seis meses que fiz váaarios exames e o meu colesterol, por exemplo, está em um nível ótimo).

Então o peso é ideal para alguém parecido comigo mas que não sou eu. Alguém que não curte comer panelada de manhã no mercado, que não fica horas vendo o mar e tomando cerveja, alguém que não paga um mico por um prato de torresmo, uma pessoa que não sou eu. Outra. Meu peso pode estar acima do peso dela, desta pessoa aí que não quero ser, porque fora uma teimosia e outra, um dengo e outro, um esturro e outro, até que gosto bem muito de ser eu. Assim, desse jeitinho cheio de dentes que sou.

Mas pra cortar os resmungos, uma coisa que adoro. Gentileza. Poxa, gente, tem coisa mais linda que delicadeza, finesse, bom gosto, gentileza? Não sei se me faço clara, óbvia e evidente como queria. Quando digo gentileza digo aquele gesto de extrema consideração, aquela palavra corretamente colocada, aquela ação cortês. Acho que é isso: cortesia. Sim, um tantinho formal, mas não é isso, é ser espontaneamente polido, fino, meigo. Ai, quanto mais esclareço mais confuso fica. Eu não sei dizer como é. Só sei sentir.

Principalmente sentir falta disso, na época de esbarrões sem o pedido de desculpas, de furar filas, de estacionar em fila dupla, de juntar feminismo e nazismo sem reflexão, de de de. Eu sempre digo que a vida me trata muito bem. Mas isso não é a verdade exata. As pessoas é que me tratam muito bem. Menos as que não tratam, mas porque vou pensar nisso? Gosto de lembrar os pequenos sorrisos, os obrigadas, os pois não, os por favor.

Gostava (como diz um amigo português perfeitamente gentil e cortês que usa o pretérito imperfeito onde eu usaria o futuro de pretérito), gostava de viver num mundo de pequenas gentilezas. Faço o que posso (e as que posso) pra isso. Acho bom fazer o que quero ver. Quantas pessoas podem dizer o mesmo de seus sonhos de mundo melhor?

Autora

Luciana Nepomuceno considera importantíssimo saber rir de mim mesma. Sou crédula. E cínica. Pode? Gosto do repetir dos dias. Sou grata pelas pequenas coisas. E pelas grandes, claro, como respirar. E café. E coca-cola. E beijo na boca. E o Flamengo.