Grite contra a violência

Texto de Maíra Avelar.

Resolvi escrever um post sobre “a minha mais terrível história de horror”, como diz a Lola. Bom, escrever sobre quando fui vítima de violência física e psicológica por parte de um ex-namorado não é fácil, mas acho que fazer isso é mais um passo em direção ao meu bem-estar e ao de outras mulheres que possam estar passando por situações semelhantes. Como, por exemplo, a atual ex-namorada do meu ex-namorado louco, que também foi vítima de perseguição por parte dele. Reproduzirei um e-mail que enviei a ela (os nomes d@s envolvid@s foram trocados por segurança). Espero ter podido ajudá-la e também poder ajudar outras mulheres na mesma situação…

Oi, Sandra

Ai, fico aliviada em saber que nada de mal lhe aconteceu; eu não me perdiaria nunca se algo mais grave tivesse lhe acontecido… Na verdade, desde que você me perguntou, naquela festa em que nos encontramos, o que realmente tinha acontecido comigo, tinha sempre vontade de contar o que tinha ocorrido, pois tinha quase certeza de que o comportamento poderia se repetir… Mas, naquela época, eu só conseguia pensar na minha própria segurança, sabe? E também não sei até que ponto você acreditaria em mim, pois o João tinha contado uma versão enviesada da história, então, seria a palavra dele contra a minha. Bom, não vai resolver muito eu ficar me justificando, né?

Olha, na época foi muito difícil pra mim saber que atitude tomar… Nem minha analista, nem meu tio psicólogo, nem meu advogado sabiam me dizer se deveria me calar ou gritar bem alto, pois é como você disse: a gente não sabe do que gente maluca é capaz… Mas eu gritei, e não me arrependo. Se você estiver sendo ameaçada ainda, não subestime as ameaças e os chiliques, pois eu fiz isso no início e essa atitude quase me custou a vida. O canalha quase me acertou uma garrafa quebrada na cabeça. Se meu pai não tivesse entrado na minha frente (que fique claro: ele não encostou um dedo sequer no João) e me mandado correr muito, não sei o que poderia ter me acontecido.

Enfim: você prestou queixa formal? Se não tiver feito isso e as ameaças continuarem (mesmo que tiverem diminuído), POR FAVOR, PRESTE QUEIXA FORMAL E FAÇA B.O. O/A delegao/a terá que te ouvir e a queixa fica registrada, caso você precise “provar” algo (é foda, mas a gente às vezes precisa desenhar com BIC quatro cores pras pessoas entenderem que “aquele cara magrinho e dócil” é, sim, capaz de te atacar. Depois, se vc quiser detalhes, te conto do ABSURDO que a PM fez qdo chegou ao local da agressão. Nem falo também da delegacia de mulheres, onde fui logo cedo no dia seguinte, que não aceita “queixa contra namorado”). Quando fiz essa primeira ocorrência, na Polícia Civil da Floresta, liguei pra família dele e avisei tudo o que faria e que queria parar por ali, mas que ir em frente ou não com a história dependia dele.

O que aconteceu foi que ele diminuiu as ligações (que chegaram a mais de 100 por dia), parou de me seguir e ficou mais “pianinho”. Mas as reações variavam muito: tinha dia que ele infernizava todas as minhas amigas com emails tentando se justificar (porque eu bloqueei de todas as maneiras e troquei de número de telefone), ou fazendo umas ameaças bizarras (hoje eu consigo até rir de uns, do tipo: “Sou Méfisto e vou engolir todo mudo”, mas é a única coisa de que consigo rir nessa história toda…). Daí, logo após o incidente (e paralelamente a todas essas reações altamente variáveis) eu resolvi reagir e contratar um advogado, que na verdade é meu primo. Ele escreveu uma carta e entregou na mesma Polícia Civil em que eu tinha ido antes. Aliás, recomendo que você entre em contato com ele, pois me me deu um mega apoio e várias orientações legais sobre o que fazer. Inclusive, foi ele quem me disse pra levar a coisa mais adiante e, se não fosse isso, não teria minhas medidas de proteção legais asseguradas.

Outra opção é ir à delegacia da Unidade Floresta.  Pode dizer que já tem uma queixa semelhante registrada lá.  [No caso de mulheres que não saibam se há queixas semelhantes, tem como fazer uma busca por antecedentes na delegacia, o que é muito recomendável, uma vez que os caras violentos costumam cometer violência repetidas vezes]. Mas vou te falar que a coisa só foi pra frente depois que um advogado de terno e gravata foi à delegacia e entregou o documento em que havia toda a história registrada (fizemos uma carta juntos) nas mãos de uma delegadA. O processo foi relativamente ágil (mas só eu e minha família sabemos o que foram esses dois meses de terror na minha vida, de verdade). Nesse meio-tempo, eu, meu pai e o João fomos intimados a ir à delegacia pra depor. Nessa época, minha mãe ligou pra casa dele, conversou com a D. Maria [mãe do crápula], pediu pelo amor de deus pra ele ir à delegacia, porque já não aguentávamos mais sofrer e não quer[iamos levar mais a história adiante. Obviamente, a advogada dele não atendeu ao telefonema do meu advogado e ele não compareceu è delegacia (sei que a família também queria que ele fosse, mas enfim…).

No fim das contas, levei adiante, mesmo recebendo recados da D. Maria por uma amiga minha pra “não sair de casa, porque o João estava sumido e podia estar atrás de mim”, mesmo recebendo todos aqueles recados bizarros pelas minhas amigas, mesmo com o desespero da minha mãe, que morava em outra cidade e queria que eu voltasse pra casa por uns tempos, mesmo tendo sido recomendada pelo chefe de segurança do meu trabalho, que ficou sabendo casualmente da história (tive que entregar o BO no registro escolar, pra abonarem minha falta no dia seguinte ao da agressão) a não ir trabalhar, mesmo tendo recebido um atestado de quinze dias do psiquiatra pra me livrar das crises de pânico que retornaram fortes, mesmo sob as recomendações fortíssimas de outros tios advogados a não ir adiante, eu continuei lutando. Mesmo sob a mais forte pressão, eu achava que, se alguém tinha que pagar por algo, esse alguém não era eu. Foi um salto no escuro, mas não me arrependo de não ter cedido e de só ter ido apertando o cerco… Mas divago, aff…

Enfim: o João só cessou mesmo com tudo, depois que as medidas legais de proteção chegaram (porque ambos recebem as medidas em casa e têm que assinar). Não sei se ele foi intimado novamente, nem em que pé anda o processo, mas disse ao meu advogado que já estava de bom tamanho pra mim ter as minhas medidas judiciais asseguradas. Não sei te dizer se ele foi responsabilizado de alguma forma por não ter ido depor (o que foi a maior burrice do mundo, na minha opinião, pois era a chance que ele tinha de dar sua própria versão dos fatos, embora pra mim, pro meu pai e pra todos que testemunharam a cena, não haja dúvidas de que a agressão foi direcionada a mim) ou se teve que responder ao processo (etapa seguinte à das medidas de proteção).

Aliás, vi essa notícia hoje: Namorados agressores poderão ser punidos pela Lei Maria da Penha.

Ah, algumas questões práticas importantes: não faça os mesmos caminhos pra ir e voltar pra casa; fique uns dias na casa de amigos de cujo endereço ele não saiba quando a coisa estiver mais perigosa; fique um tempo sem frequentar os lugares que ele tem certeza de que pode te encontrar (foi assim que ele me encontrou e quase me agrediu fisicamente). Eu fiquei quase um ano evitando a Savassi, porque era o “antro preferido” dele. Sei que é chato pra caramba, ficava revoltada em ver minha liberdade cerceada por conta de um babaca, mas a melhor coisa que eu fiz foi nunca mais ter visto (salvo aquele dia da festa). Porque, mesmo tendo medidas judiciais em mãos, se ele resolvesse mesmo me atacar, não tinha jeito, né?

Desculpa, isso aqui acabou virando um misto de aconselhamento com desabafo… Mas se for pra você reter alguma coisa disso tudo é: LUTE PELA SUA PROTEÇÃO, não se submeta a nenhum tipo de agressão, nem física, nem psicológica. PROCURE UM ADVOGADO  E A POLÍCIA. Se precisar de mim para QUALQUER coisa (desabafo, inclusive), por favor, entre em contato!! (Inclusive, busque apoio psicológico profissional, se achar necessário, pois ameniza muito pra gente).

Um abraço e  muita, muita força.

Autora

Maíra Avelar faz seu feminismo em algum lugar das Minas Gerais.