Texto de Camilla de Magalhães Gomes.
A última vez que escrevi aqui, falei de como o fardo feminista andava pesado: ‘Mulher desdobrável ou mal humorada? Presente!’. Ou de um lado somos mal humoradas e mal amadas, ou de outro fáceis e destruidoras da família tradicional.
Vamos lá, então. Ao final terminei citando uma frase de Simone de Beauvoir sobre essa mulher livre e seu fardo: “Na França, principalmente, confunde-se obstinadamente mulher livre com mulher fácil”. É essa a segunda sina do feminismo — apesar de ter a sensação que o número pode ser ainda maior…
A estrutura do patriarcado sustenta-se, entre outras coisas, na repressão do desejo feminimo. Nossa cultura não só objetifica a mulher como também a infantiliza, tudo com uma mesma mensagem interna: o corpo feminino é uma propriedade de todos, menos da própria mulher. E aí vem o carimbo de que falei. Uma feminista, ao defender a “retomada” do corpo feminimo para si mesma, torna-se o inimigo, a libertária… a puta.
A cultura machista precisa repetir a mensagem de que o corpo feminino é um objeto para a admiração e deleite de todos, ou melhor, para o controle masculino. Essa objetificação inferioriza — e eu nem precisava dizer isso, óbvio, se a mulher é um objeto… o que mais dizer? Com isso, no entanto, não me refiro apenas ao fato de transformar a mulher em um enfeite, um meio de vender de cerveja a carros; a questão vai além.
A objetificação e a infantilização garantem o controle masculino sobre o desejo e o prazer femininos. E as feministas, de novo, no caminho. Ora, uma mulher que defende que o desejo feminino tem ou pode ter os mesmos contornos do tão proclamado, comentado, institucionalizado desejo masculino, só pode ser uma… puta! Afinal, o patriarcado não pode aceitar essa mulher libertária dona do próprio nariz… e do próprio orgasmo.
“Como, então, continuar controlando essa mulher que já sabe os caminhos do próprio corpo e dele se reconhece, agora, dona?”, pensa o patriarcado. “Daqui em diante, diremos que mulheres assim querem destruir a família, a moral, os bons costumes. Mulheres assim querem viver promíscua e irresponsavelmente e depois é só fazer um aborto”.
Então, se defender que meu corpo é meu, que meu desejo deve depender apenas da minha livre decisão e não das imposições da falsa moralidade do patriarcado é ser puta? Presente! E se você acha que isso retira o prazer masculino da conquista, da sedução… só posso dizer que você deveria conhecer mais feministas em sua vida e somar a ela um pouco mais de criatividade e prazer de verdade.
E se ao ler tudo isso você pensou: puta! Obrigada, você acabou de validar cada uma das minhas palavras acima.