Estaria a Barbie evoluindo com as mulheres?

A autora desse texto é Renata Arruda

A boneca criada por Ruth e Elliot Handler – morto nesta sexta-feira (22/07) aos 95 anos -, inspirados na personagem de tirinhas semi-eróticas Lilli, do alemão Reinhard Beuthien, e batizada com o apelido da filha do casal, surgiu como o modelo de beleza ideal: americana, loura, branca, magra, alta, seios fartos. Barbie foi a primeira boneca a imitar formas adultas em seu corpo numa época em que as bonecas tradicionais para crianças eram em formatos de bebês. O slogan “Be anything” ou “Seja o que quiser”, em tradução livre. De acordo com a professora Paula Sibila no artigo “A arma de guerra chamada Barbie“, ‘duas tendências aparentemente contraditórias: por um lado, ilustra a ampliação da autonomia e das liberdades de escolha para as mulheres; por outro lado, também representa a ardilosa transformação do corpo em uma mercadoria que deve ser constantemente aperfeiçoada. Duas tendências que se aprofundaram nas últimas décadas, e não há dúvidas que a própria Barbie contribuiu para sua expansão. Por isso, quando as meninas crescem e não conseguem atingir nem o sucesso e nem o talhe prometidos na infância, costumam recorrer a consolos mais acessíveis para aliviar suas frustrações: as modelagens do bisturi, por exemplo, ou então os antidepressivos -que um jargão mais antiquado chamaria de barbitúricos.’

Lili – 1955 e Barbie – 1959. Imagem: comparação entre Lili e Barbie

Talvez não por acaso, a única profissão da boneca na época era a de modelo e, um ano após o lançamento da primeira boneca, é lançada a Barbie “Moça ocupada” – aquela que ganhou uma bolsa de estudos em Nova York e se tornou estilista de moda. Assim Barbie acabou prenunciando não só a liberação feminina dos anos 60 como também a popularização de modelos magérrimas iconizadas por Twiggy. “Na época do seu lançamento, porém, há mais de quatro décadas, até a revista que a descobrira admitiu o choque da novidade que tais formas corporais apresentavam. A ‘Vogue’ viu-se obrigada a publicar a seguinte advertência junto às fotografias: ‘Suas pernas fazem pensar que ela não tomou suficiente leite quando era bebê, e seu rosto mostra a expressão que deviam ter os habitantes de Londres durante a guerra'”, conta Sibila em seu artigo.

Imagem de Renata Arruda. Tirada no Museu Encantado da Barbie, no Rio Design

Desta forma, aliada ao mundo da moda, tão logo se transformou em um tirânico ícone da ditadura da beleza, sendo imitado por diversas meninas e mulheres ao redor do mundo e através dos anos. “Em 1997, quando a moça já era bem mais que uma balzaquiana, os fabricantes resolveram responder às crescentes críticas acerca da influência negativa que estaria exercendo sobre as meninas do mundo inteiro, alastrando um padrão corporal inatingível e contribuindo, dessa maneira, para a “epidemia” de distúrbios alimentares e transtornos da imagem corporal. Assim, nos exemplares mais recentes, tanto a cintura como os quadris da boneca engrossaram levemente, na tentativa de tornar seu corpo um pouco mais “realista”, enquanto os seios foram diminuídos. De todo modo, as mudanças são bastante sutis, e a Barbie continua sendo a Barbie”, conclui a Doutora.

Moça Ocupada. Imagem Marcela Constant, tirada no Museu Encantado da Barbie, no Rio Design

Mas a boneca também se transformou em um ícone da cultura pop, e grandes personalidades e personagens do cinema, da música e da cultura em geral podem ser vistos reproduzidos na forma das charmosas bonecas. Difícil não se encantar ao ver reproduzidos ícones como Joan Jett, Frank Sinatra, Elizabeth Taylor, Elvis, Marylin, Audrey Hepburn, Diana Ross ou personagens clássicos como os do Mágico de Oz, James Bond, Romeu e Julieta. Mais encantadores ainda, são os representantes das diversas etnias mundiais, além das coleções de deusas e rainhas.

Talvez o grande trunfo da Barbie seja estar atenta às questões femininas dos seus tempos, aliada a combinação moça rica, bonita, meiga e politicamente correta. Talvez para as meninas do lema “prefiro ser feminina”, este seja um pacote completo. E algo a ser observado com um pouco mais de atenção pelos movimentos feministas, já que a tática de guerrilha nem sempre funciona com grandes ícones adorados no mundo inteiro. Barbie já provou que pode paradoxalmente, ser uma aliada. Ou talvez aquela “feminista inconveniente” citada por Marta Lamas, a que luta pelos direitos direitos das mulheres sim, mas com as armas disponíveis. Subindo lá de salto e maquiagem, e saindo com a liberação do aborto, por exemplo. Voltando à Barbie, um exemplo disto é que uma boneca que “começou” como modelo, hoje já conta com mais de cem profissões – a mais recente é Engenheira de Informática – e inclusive foi candidata à presidência dos EUA em 1992 com uma plataforma de oportunidades para meninas, excelência educacional e direitos dos animais.

Cultura hip hop americana. Imagem: Renata Arruda. tirada no Museu Encantado da Barbie, no Rio Design

As Barbies Negras

A indústria por trás da boneca parece atenta ao próprio mundo. A primeira Barbie negra foi lançada nos anos 80, vestida por um estilista também negro, em uma época onde era muito celebrada a cultura disco. Mas apenas recentemente as amigas negras de Barbie tem ganho destaque em seus filmes e passaram a ser comercializadas nas lojas em maior número e com mais frequência. Na recente exposição vista em 2009 em São Paulo e este mês no Rio de Janeiro, foi montada toda uma ala para celebrar a beleza e cultura negras, ressaltando figuras importantes como Diana Ross, passando por ícones de cultura como as baianas brasileiras, a diva do jazz, as tribos, a realeza, como também um stand somente para profissões modernas e outra antenada com a recente cultura hip hop americana, tendo inclusive, um boneco vestido com uma roupa desenhada pelo rapper Jay-Z. A maior parte das bonecas desta coleção são de origem recente e fica a torcida para que o  interesse na linha coloque um fim na super-valorização da cultura de colonização da pele branca e dos cabelos louros e lisos.

A Barbie Feminista

 A indústria de filmes da Barbie, nos anos 2000, teve início com grandes clássicos como “O Quebra-Nozes”, “Lago dos Cisnes”, “Rapunzel” e outros. Com o sucesso dos longas, começou a se investir em temas de maior apelo comercial, como fadas, filmes 3D e princesas modernas. Mas no segundo semestre de 2009 o grande sucesso de público da Barbie foi o filme “Barbie e as Três Mosqueteiras”, uma releitura feminista da grande obra de Alexandre Dumas. Talvez como o paradoxo que sempre foi a boneca Barbie ou talvez exista uma certa ingenuidade em achar que uma marca como a Barbie possa defender ideiais tão contraditórios como modelos de beleza e consumismo e feminismo, mas a verdade é que o longa é uma prova de que se podem utilizar estereótipos a nosso favor. Insisto que talvez seja uma estratégia mais eficaz do que a de  demonização que certos grupos costumam preconizar.

Cena do Filme Barbie e as Três Mosqueteiras.

Voltando ao filme, Barbie é filha de ninguém menos que Dartanhan e, desde pequena treina para realizar o sonho de ser mosqueteira. Ao completar 17 anos, resolve sair sozinha de casa rumo a Paris, portando apenas uma carta de recomendação dirigida aos chefes dos mosqueteiros. Como é de se esperar, todos riem dela e disparam: não é profissão para mulher. Então, Barbie consegue um emprego como criada no castelo real e lá conhece outras meninas que, além de suas habilidades “socialmente aceitáveis”, secretamente também sonham em ser mosqueteiras. Juntas, treinadas por uma velha criada -sábia e também habilidosa mosqueteira em segredo – conseguem salvar a vida do rei e provar que merecem o posto, sendo as primeiras mulheres aceitas como mosqueteiras. Está tudo lá: a irmandade feminina, muito bem representada pelo velho lema, agora no feminino “uma por todas e todas por uma”, a liderança de uma sábiA, a inteligência de bolar um plano para desmascarar as traições ao rei todo planejado e executado pelas mulheres, sem nenhuma ajuda ou dica masculina. Pelo contrário, enfrentando o descrédito dos mesmos, sendo, inclusive, expulsas do castelo. Há ainda o príncipe que se apaixona por sua salvadora e a pede em casamento e aqui, fato quase inédito em contos de fadas, a mocinha rejeita o pedido para seguir seu sonho e exercer sua profissão, ao lado de suas companheiras. São elas, guardas reais femininas, protegendo o jovem príncipe cientista – um grande avanço para a história feminina. Mais do que um mero modelo de beleza e comportamento “politicamente correto”, Barbie também quer ser uma aliada das mulheres, todas elas.

Cena do Filme Barbie e as Três Mosqueteiras

Esta não é a primeira vez que surgem sinais de mudanças. Em “O Castelo de Diamantes” (2008), Barbie e sua amiga rejeitam a proposta de viver no conforto de um castelo, com dois pretendentes e sua rainha, para serem fiéis as suas próprias origens, verdades e amizade. No recente “Moda & Magia” (2010), embora o filme flerte com as origens da Barbie rica, apaixonada por moda e cair no clichê da inveja e competição feminina, também vemos uma Barbie que, ao pensar ter sido abandonada pelo namorado – que cruza o mundo atrás dela para desfazer o mal entendido – e ter sido demitida do emprego, resolve mudar completamente de vida, dando a volta por cima ao assumir os negócios falidos da tia, com ajuda de uma talentosa amiga e, também, de algumas fadas. A sorte e o talento sorrindo para quem não desiste de vencer. Pelo visto, algo está mudando no reino encantado da Barbie.