“Junto minha voz às vozes das mulheres que ousaram lutar”

Falamos uma língua masculina. O masculino se diz neutro e temos de nos aceitar ali invisivelmente representadas. Quando nos afirmamos feministas muitos dizem que isso não é necessário, por vários motivos; aliás, o próprio feminismo não é mais necessário (dizem) e, se ainda há desigualdades, elas são resultado de ações humanas, porque o ser humano explora o ser humano. Assim, em termos genéricos mesmo. Dessa forma, a violência, a opressão, as desigualdades também somem em meio a tantas questões humanas. Não aparecemos na língua, e dizem que não precisamos ser tão enfáticas assim nem mesmo quando reivindicamos o direito de falar de nós e por nós. Mas esta semana está sendo diferente.

Em discurso histórico, presidenta Dilma é a primeira mulher a abrir a Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR. Fonte: Blog do Planalto

Esta semana, a presidenta Dilma Housseff foi capa da prestigiosa revista americana Newsweek. Esta semana, a presidenta também participou da reunião ONU mulheres com outras mulheres poderosas, entre elas a ex-presidenta do Chile, Michelle Bachelet, e a secretária de estado norte-americana, Hillary Clinton. Nesse encontro, a presidenta brasielira falou da desigualdade entre os sexos.

Apesar de alguns avanços notáveis, a desigualdade permanece. Em pleno século XXI são as mulheres as que mais sofrem com a pobreza extrema, o analfabetismo, as falhas do sistema de saúde, os conflitos e a violência sexual. Em geral, as mulheres ainda recebem salários menores pela mesma atividade profissional e têm presença reduzida nas principais instâncias decisórias.

E ainda esta semana, no dia 21 de setembro de 2011, a presidenta Dilma Rousseff fez a abertura do Debate Geral da 66a Assembleia Geral da ONU. Em seu discurso ela falou do orgulho de ser uma mulher abrindo a assembleia, “uma voz feminina inaugura o Debate Geral”, falou da crise econômica e da importância de todos os países participarem da solução, defendendo um novo tipo de cooperação, reconheceu o Estado Palestino e argumentou pela paz e pelo fim das desigualdades, fundamentais para o bem-estar de todos e de todas.

Ela também falou das mulheres. Aliás, ela se dirigiu ao “Senhor Presidente” e às “companheiras mulheres de todo o mundo” e lembrou que para que a desigualdade chegue ao fim, é preciso combater as desigualdades de gênero.

O Brasil descobriu que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza. E que uma verdadeira política de direitos humanos tem por base a diminuição da desigualdade e da discriminação entre as pessoas, entre as regiões e entre os gêneros.

A presidenta pode ter falado das mulheres colocando-as em seus papéis tradicionais de mãe e esposa, mas o fundamental, pra mim, é que as mulheres marcaram presença no discurso, tanto no tema quanto na porta-voz.

Nós, mulheres, sabemos, mais que ninguém, que o desemprego não é apenas uma estatística. Golpeia as famílias, nossos filhos e nossos maridos. Tira a esperança e deixa a violência e a dor.” […]

No meu país, a mulher tem sido fundamental na superação das desigualdades sociais. Nossos programas de distribuição de renda têm nas mães a figura central. São elas que cuidam dos recursos que permitem às famílias investir na saúde e na educação de seus filhos.

Só existe democracia de fato se todos e todas forem igualmente representados/as. Discutir questões econômicas, acabar com o desemprego, alcançar a paz, oferecer saúde integral a todos/as cidadãos e cidadãs só será possível quanto se pensar nas especificidades das lutas, levando em cosideração quais são as consequências da miséria para as mulheres, que tipo de discriminação elas sofrem no emprego, a quais e quantas violências elas são submetidas nos tempos de guerra, por que elas não têm direito à saúde plena incluindo saúde sexual e reprodutiva.

Meu objetivo aqui não foi discutir os méritos desse discurso. Se algumas pessoas esperavam mais, isso só prova que as mulheres ainda são sub-representadas. Não é uma presidenta que vai dar conta de todas as nossas demandas, mas uma presidenta com certeza mostra que estamos aqui, temos o que dizer e queremos ser ouvidas. O movimento feminista sempre lutou para que as mulheres tivessem direito ao espaço público, que não só fossem representadas, mas que também pudessem se representar e ter uma mulher abrindo o debate da ONU representa, com certeza, uma grande conquista.

Junto minha voz às vozes das mulheres que ousaram lutar, que ousaram participar da vida política e da vida profissional, e conquistaram o espaço de poder que me permite estar aqui hoje” (Dilma Housseff, 21/09/2011).