Estas últimas duas semanas foi uma avalanche de acontecimentos no país, houve a ocupação de Belo Monte, o recrudescimento da militarização da segurança da USP e, obviamente, a saída do deputado Marcelo Freixo do Brasil devido a ameaças de morte que faz anos ele recebe e tá aí uma questão que infelizmente (como de costume, né) a mídia não abordou. Hoje no Brasil há centenas de pessoas ameaçadas de morte por se confrontar com milícias, latinfundio, patronato e o escambau e parte considerável destas pessoas são mulheres, mas estas não aparecem, estas estão desprotegidas pois são apenas um número, apenas uma porcentagem.
Elas, assim como a maioria da população brasileira que incha os números das estatísticas, não tem história, rosto ou família e só conseguem uma brecha na mídia quando são barbaramente assassinadas como a juíza Patrícia Accioly, e vamos combinar só foi notícia por que era juíza e aí o recorte de classe fica muito claro, a juíza tem visibilidade, a mulher que denuncia as violações nas comunidades e não tem status não.
Desde 2005, há longos seis anos, quando policiais militares mataram 29 pessoas entre Nova Iguaçu e Queimados, resolveu entrar numa luta que não poucos consideram insana: levar à Justiça os responsáveis pelos desmandos. Cerca de dois anos depois, em abril de 2007, recebeu em casa a visita de dois homens. Um deles esfregou uma arma de fogo em seu rosto e perguntou: “Você é um anjo, está querendo morrer?” Ela teve então que se esconder: largou casa, filhos, família e atividade profissional. Perambulou por aí até que, um pouco mais de um ano depois, a partir de junho de 2008, inscreveu-se no Programa Nacional de Proteção aos Direitos Humanos/PNPDH, uma espécie de clandestinidade oficial, se o paradoxo é permitido, pois, em tese, clandestinos são, ou deveriam ser, os que vivem à margem da Lei, acuados pelo Estado. Mas, no caso de Márcia, enquanto os agentes da Lei, que a ameaçaram de morte, permaneciam trafegando e traficando à luz do dia, em nome do Estado, ela caiu na clandestinidade, protegida por um programa oficial. (REIS, Daniel Aarão. Márcia Honorato não deve morrer)
Essas vozes aparecem de forma casual na grande mídia e até mesmo na mídia alternativa, como se não houvesse um processo de criminalização dos movimentos sociais no Brasil e como não são juízas, deputadas, figuras públicas de massa como se diz na política ficam relegadas ao esquecimento, dependendo de programas de proteção frágeis e tendo em risco suas vidas e a de seus familiares. São mulheres que não tem medo de lutar, de peitar e denunciar as atrocidades acontecidas no Rio de Janeiro, Pará, Maranhão, São Paulo e tantos outros estados do nosso país.
Joelma já perdeu o marido, José Dutra da Costa, assassinado em 21 de novembro de 2000 pelos mesmos motivos e pessoas. Atualmente, ela preside o Sindicato dos Trabalhadores Rurais – STR – de Rondon do Pará, que também já foi liderado pelo companheiro hoje falecido.
Em sua simplicidade, mas com a firmeza que caracteriza os defensores de uma causa, Joelma vai direto ao ponto: “Tudo isso acontece, essas mortes, pela falta de política pública da reforma agrária. O latifúndio cada vez mais se empodera, enquanto os trabalhadores lutam e morrem pela terra”. (ESTELIAM, Sulamita. SOS Joelma, uma defensora da floresta)
A saída de Marcelo Freixo do Brasil abre espaço para que realmente possamos debater direitos humanos, mas sobretudo o direito das mulheres, pois são elas na sua maioria que estão sendo ameaçadas de morte e o são por lutar não apenas pelas próprias vidas, mas também por milhares de pessoas vítimas da truculência das UPPs no Rio de Janeiro, dos grileiros no Pará ou dos donos da Fundação Casa (aka Febem) em São Paulo.
Para além disso também fica a reflexão sobre o próprio lugar da mulher na política, pois se a maioria das pessoas ameaçadas de morte em no Brasil são mulheres abre-se um flanco de discussão enorme para as feministas, pois a luta pela terra e contra a criminalização da pobreza também são lutas das mulheres, pois somos nós a maioria da população no campo e nas periferias brasileiras, estas ameaçadas sem rosto, nome ou história somos nós também.
A questão da proteção é uma piada no Rio de Janeiro. Eu já vi pessoas que denunciaram grupos de extermínio em Campos Elísios e tiveram que sumir, ficaram 2 meses aguardando para entrar no programa de proteção à testemunha. Fizeram uma matéria imensa com ele na Record, e ele não conseguiu entrar. Hoje ele mora agregado na casa de familiares, mas deu uma contribuição importantíssima para desvendar uma milícia histórica. Mas a milícia tinha nome e sobrenome, então você não vai ajudar por que qual o governo que ajuda a foder com os seus aliados? (HONORATO, Marcia. Esses policiais, mesmo querendo me matar, ainda são a ponta)
A nossa voz não pode só ser ouvida quando um homem é ameaçado (mesmo que seja um grande companheiro), ela precisa ter potência e reverberação própria, a nossa cara não pode depender da imagem de um homem, pois nós somos a maioria e sofremos igual ou mais que eles com ameaças, pois por conta da estrutura patriarcal de nossa sociedade somos nós os pilares dos núcleos familiares.
Não é possível que se deixe estas vozes de lutadoras fiquem desconhecidas e continuem fragilizadas por conta deste desconhecimento, somos maioria da classe trabalhadora, maioria no campo e na cidade e também parte considerável dos ameaçados de morte, ou temos consciência de que não se pode perder mas nenhum militante nas mãos da criminalização da pobreza e dos movimentos sociais como temos visto ou continuaremos a perder mulheres e homens aguerridos.
Se não erguermos barricadas agora para defender todxs que estão ameaçados não adiantará salvar apenas um.