Eu lembro que desde pequena sempre fui de argumentar. Nunca aceitava um “não” autoritário dos meus pais quando tinha certeza de que merecia aquilo que estava pedindo. Não por ser uma criança teimosa – que na verdade acho que toda criança é – mas simplesmente porque nasci e cresci numa casa que valorizava a independência e a “democracia” (será que posso chamar assim?).
Minha mãe, mesmo quando acabava perdendo a paciência comigo, sempre elogiou a minha eloquência, e algumas vezes eu realmente consegui convencer ela da minha opinião, explicando o meu ponto de vista – e ganhei o que eu queria. Claro que minha família não era perfeita, em vááááárias dessas discussões a gente acabava aos berros, e eu levando uns tapas e ficando de castigo. Mas de modo geral, o diálogo sempre foi incentivado. Pois, também de modo geral, lá em casa todo mundo era igual.
Minha mãe NUNCA falou as coisas idiotas que meu vôdrasto falava, do tipo: criança não tem querer, só obedecer. E, somente muito raramente, falava coisas do tipo: porque quem manda aqui sou eu; ou: porque eu sou sua mãe e pronto. Eu tinha basicamente a mesma importância em casa do que ela, e só por causa disso a minha voz também merecia ser ouvida – e considerada.
Na medida do possível, ela tentava explicar por A+B porque eu não podia ir pra festinha-discoteca quando tinha só 13 anos, ou porque não podia colocar 2 fatias de presunto no sanduba. Eu acho isso o máximo, porque me ensinou a ser uma adulta que sabe conversar e defender seu ponto de vista – mas, principalmente, ouvir o ponto de vista do outro.
E durante a minha vida inteira eu convivi com pessoas parecidas. Então, sempre fui de conversar, de ouvir opiniões, de mudar de opinião, de considerar pontos… De aprender com o outro, de trocar, de saber como é estar ali dentro dessa cabecinha que não é minha, de entender o caminho do raciocínio dele. E, milhões de vezes, eu continuei discordando da opinião do outro, porém respeitando profundamente a opinião dele. Eu nunca, nunca, NUNCA fui de impôr minha opinião sobre ninguém, ou ficar braba por alguém não compartilhar da minha.
Quem me conhece de verdade, seja como amiga, como professora ou como chefe escoteira, sabe que eu me rendo, assim como minha mãe, a boas argumentações. Seja lá quem esteja argumentando. Mesmo que no fundo no fundo, eu pense um pouco diferente. Esse gosto pelo debate sempre esteve em mim.

E meus amigos sempre foram parecidos nesse ponto. Acho até que isso – essa mania de debater tudo – venha não só da educação, mas também de um pouco de vivência nos botecos da vida. A gente costumava sentar no posto de gasolina, pegar uma cerveja e conversar. Sobre tudo. E discordar. De quase 90% das coisas. E daí – parece óbvio para uma pessoa normal, mas para alguns é novidade – cada um explicava o seu ponto de vista e muito dificilmente a conversa acabava em agressões ou em calabocas. Quando a coisa era mais pessoal, quando era uma briga mesmo, nunca se deixava por isso mesmo. Geralmente ia para os emails, longos, infinitos, onde cada um tentava explicar exatamente porque agira ou pensara de determinada forma. Nunca faltou respeito, pois todos éramos iguais.
Eu comecei a pensar nisso tudo quando li há muito tempo atrás um post da LadyRasta falando sobre o desenvolvimento da auto-estima nas crianças.
Reconhecer que, graças à estrutura que você ajudou a construir, uma hora seu filho vai te vencer numa discussão
Que tal não sair aos gritos com seu filho só porque ele te deu uma resposta que te deixou vendido? Afinal, tem horas que nada é melhor do que ver o resultado do que vc ensina a ele aplicado contra você – desde que respeito e autoridade estejam preservados claro (e não, respeito e autoridade não são impostos através de gritos, mas conquistados – ao menos não respeito e autoridade legítimos).
[…] acho importante incentivar a discussão com os filhos – discussão aqui, bien compris, como série de argumentações e contra-argumentações, de forma civilizada, e não um amontoado de gritos e insultos. E obviamente, ao negar um pedido, explicar porque isso está sendo feito.
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E isso imediatamente me fez pensar que essa postura, recomendada para termos com nossas crianças, dificilmente acontece mesmo entre adultos. Especialmente mais difícil é ela acontecer em relações homem-mulher. E pensando nessa AUSÊNCIA de diálogo nas relações homem-mulher fui reconhecendo diversas situações na minha vida e na vida de amigos meus.
O que me remeteu a outro post que eu amo, da Lori Meyers:
O que dói não é a brincadeira, mas a ausência de diálogo. São os calabocas, são as provocações, são os xingamentos. Diálogo com quem se mulher não fala? Mulher só fala se concorda. Mulher é boa quando concorda.
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Eu lembro de um milhão de relacionamentos que acompanhei na vida (meus e de amigas) em que esse tipo de diálogo, tão valorizado na minha infância, adolescência e início da vida adulta, simplesmente não acontece. Nos meus relacionamentos, lembro de alguns em que essa dinâmica era levada a extremos. Lembro de diversas vezes em que eu tentei continuar uma conversa, conversa mesmo, aprofundar o assunto, chegar a conclusões junto com a pessoa, eu recebia um desses calabocas (que dói pra caralho) como resposta.
O esquema funciona assim: ele fala. Ela dá a opinião dela. Ele repete a dele. E esse é o veredito. E pronto. E quem ela pensa que é para continuar discordando dele? Quem? Apenas uma mulherzinha, a sombra dele, então como assim ela tem uma opinião divergente da dele?
Você ainda vai falar nisso? E se seguia uma briga completamente idiota e destrutiva onde ela é acusada de tentar impôr suas idéias pra cima dele, pois não se conforma em “perder”, que não aceita “derrotas” (como se o relacionamento fosse uma constante competição) e daí aquela ironia ridícula que as pessoas aculturadas adoram jogar no meio da discussão: tá bom, tá bom, você tem razão, está feliz agora?
Isso é algo tão mas tão rasteiro e que me deixa tão braba quando acontece comigo… Pois a pessoa está dizendo em alto e bom som que NÃO, VOCÊ NÃO TEM RAZÃO, MAS ESTOU TE DANDO A CHANCE DE PENSAR QUE VOCÊ ESTÁ CERTA, então cale a boca. De uma maneira tão idiotizante… E é mais bobo ainda quando acontece comigo porque eu nunca nem tenho a intenção de estar certa. Geralmente é um assunto que me interessa, então eu quero conversar mais a respeito, entender a opinião do outro e só. Porque foi assim a minha vida inteira, só não era assim nunca naquele(s) relacionamento(s), onde eu obviamente era menos do que ele por ser a mulher e simplesmente tinha que me calar perante a opinião dele.
Hoje eu vejo esse tipo de coisa totalmente de outra forma. Eu vejo que em muitos relacionamentos é exatamente isso que acontece, o tempo inteiro. Mulheres que têm que se calar, que têm que ter espinha, que têm que aceitar tudo, que não conseguem dialogar, que simplesmente não tem com quem CONVERSAR porque não dá pra CONVERSAR com alguém que te considera menos, que acha que a sua palavra não tem valor, que não quer te escutar. O que acontece é que nós, mulheres, temos que escutar e concordar. E aí sim está feita a felicidade no lar.
Porque mulher só fala quando concorda.