Caroline Drucker encontrou uma solução simples para aumentar rapidamente o número de mulheres na área de TI.
O vídeo está em inglês. Ela propõe que “se você quer ser respeitada na área de tecnologia como mulher, não se refira a si mesma como ‘menina’. Se começarmos a chamar as mulheres da tecnologia de ‘mulheres’, temos muitas mais quando nos livrarmos das meninas”. Apesar da caricatura do que define uma mulher (menstruar e pagar impostos) ser um pouco limitada, dá conta do recado: mulheres, além de serem do sexo feminino, são pessoas adultas. Chamar uma mulher adulta de menina, defende, é uma forma de exercer poder sobre essa mulher, de diminuí-la.
Essa infantilização das mulheres não acontece só na área de informática. Eu só parei para pensar nisso por causa de uma mensagem na lista das Blogueiras Feministas, lá no começo. Ainda assim, às vezes escapa, principalmente na primeira pessoa. Além disso, a nossa época vem borrando algumas fronteiras entre infância e idade adulta para mulheres e homens, o que é bom em muitos aspectos. Não acredito que ser adulto deva significar compostura e seriedade o tempo todo, nem que adultos não possam se divertir com jogos e desenhos animados, por exemplo. Em outros momentos, vamos querer um pouco de mimo. É saudável cultivar a criança dentro de nós. Assim como é bom sair sem precisar pedir permissão, votar, dirigir… (coincidentemente – ou não – atividades que já foram vedadas às mulheres).

Mas é fácil entender por que é tentadora a ideia de voltar à infância. A infância é o paraíso antes da queda, a ignorância abençoada. Alguém cuida de tudo por nós, inclusive de nos proteger de nós mesmas. No debate sobre a propaganda da Hope, o jornalista Lino Bocchini nos perguntou por que tantas mulheres defendiam o anúncio. Mesmo mulheres que cuidam de seus próprios cartões de crédito e de seus próprios automóveis. Meu palpite é que isso é resultado de pelo menos duas décadas ouvindo que as garotas antes tinham a tranqüilidade de ficar em casa, com um marido que tomava conta de tudo – e que foram expulsas desse paraíso pelo feminismo e obrigadas a ganhar o pão com o suor do próprio rosto (sempre que ouço que antes as mulheres não trabalhavam, lembro da minha avó, que teve dez filhos que precisavam de roupa limpa e comida na mesa).
Mas, como diz Caetano Veloso, a queda é uma conquista.

A ideia de paraíso, como eu leio, é uma ideia de repressão e violência, que pode não ser aparente em um primeiro momento, mas que sempre se manifesta. Um dos textos que eu mais amo no mundo destrincha essa ideia. É Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen, uma peça de teatro sobre o casal Nora e Torvald Helmer. Escrita em 1879, a peça causou escândalo pelo retrato que faz do casamento e pela atitude da protagonista. Logo nas primeiras cenas, vemos uma mulher que se infantiliza e é infantilizada pelo marido. Ele a trata por “esquilinho”, “pombinha”, “perdulariazinha”.
Nora: É, Torvald, mas esse ano nós podemos relaxar um pouco. Esse é o primeiro Natal que a gente passa sem precisar economizar tanto.
Helmer: Ah, mas você sabe que nós não podemos exagerar.
Nora: Podemos, sim, Torvald, esse ano nós podemos exagerar um pouquinho, não podemos? Um pouquinho só! Agora que você vai ganhar um ordenado enorme e vai ganhar muito, muito dinheiro.
Helmer: A partir do ano novo. E só recebo o primeiro pagamento depois de três meses.
Nora: Ah! Até lá a gente pode pedir emprestado.
Helmer: Nora! (Vai até ela e puxa-lhe a orelha brincando.) Sempre a mesma cabecinha de vento!
Mas ela guarda um segredo: a dívida que fez quando seu marido estava doente e seus esforços para pagar as parcelas devidas ao agiota. Pior: como mulher, ela não poderia assinar o empréstimo sozinha, por isso falsificou a assinatura do marido. Quando ele descobre o que se passou – e como isso pode prejudicar sua carreira – sua benevolência dá lugar a uma reação explosiva e egoísta. Só nesse momento ela deixa de ser uma bonequinha. No último ato, ela fala:
Nora: Eu quero dizer que eu fui simplesmente passada das mãos de papai para as suas. Você organizou tudo de acordo com seu gosto, e assim eu passei a ter o mesmo gosto ou talvez tenha fingido, já não sei mais distinguir uma coisa da outra. Acho que às vezes é uma coisa e às vezes é outra. Agora quando penso nisso, tenho a sensação de ter vivido aqui como uma mendiga, vivendo do que me era dado. Minha vida tem sido fazer gracinhas para você, Torvald. Mas era isso que você queria. Você e papai me fizeram um grande mal. Foi por culpa de vocês que eu desperdicei minha vida.
Desde aquela madrugada no século 18, estamos deixando a casa de bonecas. Sair do refúgio não é a tarefa mais difícil que temos pela frente, é o que já conquistamos. Só é preciso lembrar disso, que não somos “apenas meninas”, embora em alguns momentos sejamos também meninas. E podemos ser mulheres, sem precisar pedir permissão.