No meu post na campanha de 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher, vou falar sobre a violência estética. Mas decidi não falar sobre pesquisas, decidi fazer um relato pessoal. Porque ainda vemos que a violência estética é forte, especialmente quando uma mulher negra é forçada a alisar o cabelo para manter a “boa aparência”.
Meu pai é negro e minha mãe é branca. Não nasci negra, mas tenho características de negr@s, como o nariz largo, a boca grande e os cabelos anelados. Os meus cabelos, o meu maior problema na infância. Nunca sofri preconceito em casa, minha mãe sempre achou meu cabelo lindo, nunca alisou meu cabelo ou o cabelo da minha irmã. Nossos cabelos foram alisados, quando alisados, por nós, por escolha nossa.
Mas na escola, era muito diferente! Não lembro a idade certa de quando ouvi a primeira brincadeirinha sobre o meu cabelo. Era bem nova, meu cabelo ficava solto, armado e eu brincava feliz sem me preocupar com qualquer cobrança estética. Era uma criança! Mas lembro o meu primeiro apelido, Leão. Hoje em dia não me magoaria com ele (minha irmã canta “O Leãozinho” pra mim e acho fofo! *-*), mas naquela época me sentia inferior aos outros, por ser apontada e por ver meus coleguinhas de escola rindo de mim.

Durante a infância era mais fácil, eu chegava em casa chorando e minha mãe me consolava e tudo ficava bem. O problema foi quando cheguei a adolescência, me sentia pouco atraente. Os meninos da minha sala de aula insistiam em falar que eu não era bonita por causa do meu cabelo. Na quinta série, fui apelidada de Valderrama e esse apelido manteve-se até a oitava série, quando mudei de escola pra cursar o Ensino Médio.
Por muito tempo desejei ter cabelo liso, fiz escova no meu cabelo poucas vezes, mas assumo que só não alisei o meu cabelo definitivamente na adolescência por teimosia, era uma menina muito teimosa, queria nadar contra a corrente. Não amava meu cabelo, só não queria dar o braço a torcer, mostrando que aquelas implicâncias me magoavam. Eu era durona, engolia a vontade de chorar e mantinha o cabelo com os cachos.
No fim dos meus 18 anos, comecei a namorar um cara mais velho, que já estava quase formando na faculdade de direito. Nessa época, eu estava tentando vestibular para artes, mas ainda estava muito insegura com a minha decisão. Esse meu namorado (meu primeiro namoro duradouro) nunca gostou do meu cabelo. Na verdade, ele não gostava do meu cabelo, da forma que me vestia e nem da escolha que fiz para a minha profissão.

Então, naquele momento, começou a pior de todas as violências que sofri por causa do meu cabelo. Uma pessoa que eu amava me forçando a mudar minha aparência. Ele dizia que não me achava bonita de cabelo anelado, que deveria fazer escova no cabelo, mas que a escova também não ficava boa o bastante, afinal ficava artificial. Bonito mesmo era cabelo liso naturalmente.
Eu me violentava para ser aceita por ele, não só em relação ao cabelo, mas as roupas que usava. Os sapatos de salto alto, que machucavam meus pés e minha coluna. Mas sabe, a dor da coluna e dos pés eram bem menores que sentir novamente toda aquela sensação de imperfeição. Pois era assim que me sentia desde quando era novinha e ouvia que meu cabelo era feio e duro. E ouvir de uma pessoa que eu amava e que dizia me amar era pior ainda! Saber que meu namorado só me amava porque eu me adaptava ao seu gosto era me fazer acreditar que só seria amada se não fosse eu mesma.
Eu passei durante esse tempo de relacionamento com ele uma dualidade: Eu vivia entre uma proibição interna de alisar meus cabelos e uma sensação de ser inferior as outras mulheres aos olhos da pessoa que estava ao meu lado. Eu usava as roupas que ele desejava, os sapatos, mas o cabelo eu não tinha coragem de alisar todo dia, fazia escova e me sentia tão feia!

Teve um momento em que eu, finalmente, consegui entender que aquele relacionamento era doentio e que eu precisava me libertar daquilo. Eu não fui criada pra ser dependente nem emocional e nem financeiramente de um homem.
Hoje eu sou muito radical em relação ao meu cabelo, ele é parte da minha identidade! Ele é tão versátil e ao mesmo tempo não perde a sua personalidade, sempre é crespo. Já teve os mais diversos cortes e cores.