A revista estava certa: ele pegou você. Depois do final de ano e do Show da Virada, quase todo mundo no país deve ter ouvido falar de Michel Teló e do seu hit grudento. A essa altura, os times estão definidos: a turma que adora e torce a favor, fazendo a coreografia, e a turma que torce contra, achando que Ai, se eu te pego é a pior afronta que poderia existir aos ouvidos sensíveis e educados desse país. Há também um terceiro time, que não gosta da música (será? :P), mas respeita o direito de os outros gostarem. Teló pegou a todos nós, porque nos faz pensar a respeito e ter uma posição sobre algo aparentemente tão banal quanto uma canção sertaneja.

A história foi mais ou menos assim: há três anos, a cantora e apresentadora Sharon Acioly encorajava a platéia feminina de seus shows a cantar um funkão nervoso, com o refrão “assim você me mata”, para os bailarinos, que vinham até a frente do palco deleitar as moças. Carioca nascida nos Estados Unidos e moradora da Bahia há 15 anos, Sharon já está familiarizada com hits-dancinha que varrem o país: é dela a versão que popularizou a célebre Dança do Quadrado, em 2008. Em Feira de Santana, o compositor Antônio Dyggs teve a ideia de usar o refrão para fazer um forró – e assim nasceram outras versões, que fizeram sucesso na região.
Mas o sucesso mundial só foi selado quando o paranaense Michel Teló, que dançava em CTGs desde criança e já fizera parte de um grupo chamado Tradição, ouviu uma moça da produção de um de seus shows cantarolando o forró, em um show. Quis saber o que era, gravou, em uma versão sertaneja mais acelerada, e fez-se o sucesso. Em uma semana, mais de 1 milhão de pessoas tinham assistido o videoclipe no Youtube. Em pouco tempo, versões da dancinha começaram a varrer o mundo: crianças suecas, soldados israelenses, jogadores de futebol, como o Neymar, apareceram fazendo a coreografia.
Aí a coisa começou a ficar fora de controle. Reportagem na revista Forbes fez a imprensa brasileira prestar atenção no fenômeno. Reportagem na revista Época enfureceu a classe média brasileira, por afirmar que Teló era a tradução dos valores da cultura popular brasileira. Muita gente não se sentiu representada por essa afirmação, claro. Pessoas que não querem ter nada a ver com Teló e seu hit de verão, e que querem distância de ter sua imagem associada a um hit sertanejo universitário com refrão grudento, e ainda por cima, com coreografia. Teve quem afirmasse que Teló sequer é cultura.
Para mim, a indignação vem de uma confusão com o significado da palavra cultura. Cultura não é sinônimo de arte – muito menos de erudição. Cultura não é um juízo de valor, um atestado de qualidade. Não significa que é bom ou ruim. Daria até pra dizer que cultura é tudo aquilo feito pelo homem, em oposição ao que é criado pela natureza – mas não vou dizer isso, porque as fronteiras entre cultura e natureza não são assim tão fáceis de definir, se é que existem, e posso acabar entrando em uma enrascada teórica. Mesmo assim, acho que a imagem serve, pra diferenciar essa cultura – que engloba todos os fazeres da vida humana – daquela que diz que cultura é apenas o que uma elite intelectual gosta.
Na lista das BF, a Marília Moschkovich definiu cultura como algo que dá pra ser ensinado. Arte é cultura, assim como jardinagem, culinária, moda, a forma como cortamos o cabelo. Cada povo faz essas coisas de forma diferente, própria. Isso é a cultura. Quando falamos em cultura popular, é porque nos referimos à cultura de uma parcela ampla da população, em oposição às culturas de nicho. Nesse sentido, sim, Teló representa nesse momento a cultura popular brasileira. Seus valores, bem, não sei. Não sei que valores são esses que ele traduz, como diz a revista Época, exceto a diversão (levando em conta a música, o ritmo e o meme que a coisa toda virou) e uma propensão a fazer cantadas sem graça (levando em conta a letra).
No fundo, a discussão sobre o que é cultura é mais simples do que aquela sobre o que é arte. Se formos tentar definir o que é arte, o que é artístico, e mais ainda, o que é boa arte, entramos em outra enrascada. Por sorte, para gostar de um produto cultural como uma música, não é preciso de carimbo antes (para desgostar talvez sim…). Podemos criticar o videoclipe, que traz apenas moças bonitas de classe média entrando na onda do Teló; podemos criticar a versão mais aguada da música (perto do funkão explícito da Sharon); podemos criticar as rimas pobres. Podemos até questionar se a letra não incita ao assédio (cheguei à conclusão que não, pois um cara que canta “ai, se eu te pego” para uma mina em um beco escuro, aterrorizando-a, faria o mesmo ainda que a música não existisse, só que com outras palavras). Mas torcer o nariz, simplesmente, porque estaríamos acima desse tipo de música, é mesmo meio elitista. Coisa de patrulha do bom gosto. ‘Bora deixar o povo ser feliz, gente?