Cheguei em casa por volta de 3h da manhã. A janela estava aberta e fazia frio. Ele estava encolhido no colchão, alguns objetos espalhados. Recolho o que está na cama, pego um lençol e o cubro. Não se trata de um namorado ou marido, mas de um amigo. Ele estava lá, aparentemente com frio, era o mínimo que eu podia fazer. Pensando nessa cena, alguns acusam-me de gay. Ok! Não o sou, mas não teria problemas em admitir caso fosse. É só cuidado, carinho, atenção.

Tenho percebido como as pessoas se constrangem na hora de serem amigas. Acho mesmo engraçado. Rio delas por não serem capazes de amar alguém, assim, sem pretensões sexuais ou românticas; mal sabem elas o que estão perdendo. Ter amigos é incrível, não nego. Contudo, acho muito mais inspirador e gratificante ser amigo. Ser capaz de amar alguém por quem ele é, por aquilo que fazemos juntos, pelo tanto de alegrias que ele me proporciona, pelo incrível poder que tem de me fazer ser, e me fazer sentir que sou uma pessoa melhor, mais agradável, mais engraçada, uma boa companhia.
Nestes tempos de twitter e facebook, em que tudo vem tão rápido, pronto, enlatado, condensado, é bom ainda ser capaz de construir algo, dia-a-dia, peça por peça, nos pequenos atos e gestos. Poder olhar nos olhos, perguntar se está tudo bem, ouvir a voz, perceber o ranger dos dentes, descobrir no olhar. Pra quem só conseguiu ter amigos, e ser amigo, depois dos 18 anos, não caio mais na besteira de achar que faço muito, de achar que é demais. Os inimigos que me perdoem, mas amigos são fundamentais.
Não acho que nada é incondicional, nem amor de mãe. Não, não é. Não coloco preço, mas sei que há de se fazer por onde. Ligo, pergunto, questiono, brigo, abraço; faço tudo isso mesmo, e, em nenhum momento, acho que estou errado. Mas, às vezes, querem me dizer que estou errado. Chegam mesmo a dizer, mas me recuso a acreditar. Não faz o menor sentido que eu passe a crer que ser gentil, educado, simpático e carinhoso é o problema. O problema, neste caso, não é comigo, não pode ser. Amo meus amigos. Bom seria se todo mundo pudesse amar assim, se todo mundo pudesse ser amado assim.
Basicamente, querem que eu acredite que meu amor deve ser medido. Mais ainda: que meu amor deve ter medida, limite. Quer dizer, então, que o problema é eu amá-los demais? Ou o problema é eu me esforçar para que eles saibam o quanto os amo? Declaro-me, sempre que posso. Acho que isso é bom, acho que me faz bem. Acho que, eventualmente, faz bem a eles também.
A vida passa rápido, o mundo é volátil. Não caio nas ilusões do “eternamente” (palavra, aliás, que parece existir apenas conceitualmente, mas não na realidade concreta). Porém, enquanto estamos aqui, enquanto tudo isso faz sentido, qual a razão para omitir? Se amo um amigo homem, sou “viado”; se amo uma amiga mulher, estou romanticamente apaixonado por ela. Sim, sou apaixonado por elas e por eles, mas não quero um relacionamento do tipo romântico. É só vontade de viver com quem me faz bem. Ao menos enquanto eu souber que também faço bem a eles.

Na verdade, o problema maior parece residir no fato de eu ser homem. Não posso ser tão mole. Preciso vestir a couraça de um bravo macho que é capaz de resolver-se sozinho e vive para contemplar seus interesses individuais. Um homem amar outro homem? Que absurdo! Um homem amar uma mulher e não pensar na possibilidade de transar com ela? Um ultraje! Porque, para alguns, masculinidade é sinônimo de força e forte mesmo é quem não precisa de ninguém. A estes, tudo que posso dizer é que forte mesmo é ser capaz de dizer o quanto precisa quando a maior tempestade chega; e dizer que dá seu guarda-chuva quando a tempestade chegar para eles, ainda que você mesmo precise enfrentar alguns trovões no caminho.
Tenho medo que estraguem tudo. Paranóia pega, eu sei disso. De repente, meus amigos podem passar a acreditar nas coisas que dizem por aí e vão mesmo crer que nos amarmos é um problema. “Tudo bem. A gente até pode ser amigo, mas, assim, mais de longe, sem se gostar tanto.” Se eu não gosto tanto assim de você, não sou seu amigo, ache outra palavra. Colega, conhecido, chegado. Amigo é especial demais pra ser uma pessoa qualquer, pra ser alguém que só conhecemos e balançamos a cabeça quando no momento de um ocasional encontro. Amigo compartilha, divide, sorri. Amigo briga, fica com raiva, chateia-se. No dia seguinte, conversamos. Percebemos, então, que aquela discussão não era tão importante e que há coisas muito melhores a fazer. Pronto, agora está tudo bem de novo. Talvez, demore mais do que um dia, admito, mas a gente se resolve.
Faço o que posso pra deixar tudo isso claro. Tento não esconder, não fingir. Repito, incansavelmente, porque, de fato, nunca me cansarei de repetir, o quanto amo meus amigos. Alguém que já passou por 4 tentativas de suicídio e só continua aqui por ter amigos não pode se dar ao luxo de calar-se. E se eu for embora sem nunca ter dito, sem que eles jamais soubessem o quanto foram essenciais para que eu fosse quem eu sou? Ter resistido às contingências desta nada mole vida não terá realmente valido a pena. Se é pra não servir de nada, meu caro, vou-me agora mesmo.
No fim, decidi que não vou aceitar que me digam como sentir e, mais ainda, como expressar o que eu sinto. É claro que isso esbarra no limite de não constranger as pessoas, não deixá-las desconfortáveis. Porém, amor também é construção e sua edificação costuma passar por alguns buracos e ruas sem asfalto. Feliz mesmo é quem tem amigos; feliz mesmo é quem é amigo. Mas mais relevante do que isso é não se esquecer de deixar evidente.

Como diz Chico no vídeo abaixo, “Acho a coisa mais simples, mais definitiva, pra explicar o amor entre duas pessoas: gostava dela porque era ela, porque era eu.”. Na verdade, as amizades se dão justa e exclusivamente por isso: porque éramos nós. Sendo eu outra pessoa, tudo seria diferente; sendo meus amigos outras pessoas, tudo seria diferente. Assim, suponho que é apenas por isso, porque éramos nós.