Há algum (pouco) tempo, um filósofo declarou que a vocação das mulheres era a prostituição. Obviamente, essa foi uma conclusão sua e não uma percepção tomada a partir de qualquer literatura ou realidade. Ele, enquanto observador e parte de uma micro-estrutura social, sentiu-se autorizado a proferir isso.
Primeiramente, fico muito curiosa para saber o que seria a entidade “mulher”, tão apropriada por todos, mas conhecida de ninguém. A ideia de mulher, como massa amorfa, não é um bom começo para discutirmos a percepção vocacional. De forma similar, julgo que não seria producente fazermos generalizações, tais como, “o destino do homem heterossexual é ser traído”, facilmente depreensível se assumirmos a premissa de que a vocação da mulher é a prostituição.
Outra inquietação que esse discurso me provocou advém do uso da palavra “vocação”. “Vocação” pode ser recuperada no latim clássico como derivada do verbo vocare, que significa denominar, chamar. Logo, a vocação é mais do que desempenhar o ofício dileto, pois endossa um pendor ou disposição natural. Ter vocação para a prostituição significa nascer com propensão maior para desempenhar esse papel social.

Não acredito em vocação ou chamado de qualquer espécie. Acredito em construção social. Portanto, proponho que pensemos como foi que se chegou à percepção do corpo feminino enquanto objeto a ser vendido e/ou entregue naturalmente, ao passo que o corpo masculino foi interpretado como merecedor ao uso de tal objeto, na forma do cliente. O cliente, como diria o clichê comercial, é aquele que tem sempre razão e merece sempre ser agradado.
Ao olharmos para uma perspectiva histórica, deparamo-nos com a inexistência social do sujeito político encarnado em mulher. A história oficial conta sobre os feitos dos homens, sobretudo dos proprietários. Dessa forma, parece que nossa primeira profissão, aquela que durou mais tempo, foi servir ao homem imposto por fatores sociais alheios ao desejo feminino, ou seja, ora ao pai, ora ao homem escolhido pelas conveniências, ora ao(s) filho(s) do esposo. No nível da estrutura familiar, a filha deveria obedecer e servir ao pai; a esposa deveria obedecer e servir ao esposo; e a mãe deveria obedecer e servir ao(s) filho(s).
As mulheres que não conseguiam participar como adjuntas dessa ordem familiar poderiam escolher entre a cruz e a sarjeta. Geralmente, a cruz e o fidedigno casamento com Cristo (outro homem) era reservada para as pagantes e a sarjeta para as oriundas de classes baixas, conforme constatado na vasta literatura europeia e brasileira (tal recorte literário, provavelmente, não chegou aos olhos de alguns filósofos…). Suponho que seria intelectualmente muito ingênuo imaginar que, em um mundo dominado por homens, de fato, as mulheres eram capazes de escolher servi-los na cama.
Apesar disso, é inegável que a prostituição poderia representar algum ganho social para mulheres subjugadas. Por exemplo, o dinheiro recebido poderia servir para o pagamento de rapazes interessantes, sem que elas precisassem passar por qualquer crivo. Ou seja, elas poderiam possuir o prazer sexual que os homens mereciam apenas por terem nascido homens. E, assim, o comércio costumava fluir para benefícios de tod@s.

Portanto, não se pode afirmar que a prostituição seja a vocação da massa denominada mulher. Esta foi e continua a ser uma opção de sustento mais imperativa para nós, mulheres, já que nossa atuação profissional permanece(u) restrita a poucos nichos. Contudo, assim como a prostituição foi uma forma de sustento para nós, também o foi para muitos homens, e tem se popularizado cada vez mais entre eles. Há alguns anos atrás, pouco se ouvia falar em garotos de programa, mas, atualmente, anúncios e ofertas pululam em jornais, revistas e sites. Considero esse um fato bastante positivo, pois significa que estamos tendo a oportunidade de escolhermos qual atuação profissional mais se adapta a nossa personalidade e expectativas.