Relato de uma balonada

Texto de Jéssica Mendes.

Por muitos anos sofri com o preconceito que as pessoas têm com gordxs. Gordofobia. Pois sempre fui gordinha, desde que me conheço por gente. E, então, o bullying veio de todas as partes: família, escola, amigxs e, da pior parte, de mim. A pressão social é tão grande para que você seja magra, linda, perfeita, como em capas de revistas, que chega a enlouquecer. E haja tratamento psicológico.

É extremamente difícil se aceitar quando tudo ao seu redor diz que você não é ‘normal’, que você não está dentro dos padrões. Na novela, a gordinha é a que mais sofre de bullying, e as magras ‘pegam geral’, enquanto as gordinhas são usadas. Nas bancas de jornal, todas, absolutamente todas, as revistas mostram mulheres magérrimas, corpos esculturais, que fazem você se sentir pior ainda. Quando não vêm as revistas com “perca sei lá quantos quilos em poucos dias”, ou então alguém manda uma dieta maluca para emagrecer rápido, ou ainda, um tratamento que fará você perder medidas em poucas sessões. Tudo conspira contra xs gordxs.

Comigo não foi diferente. Eu tentava me aceitar. Mas não é fácil se manter psicologicamente bem o tempo inteiro quando não se é aceita. Quando eu era pequena era muito pior, tive problemas sérios, frequentei nutricionista, psicólogo e sei lá quantos outros médicos. Mas depois que cresci não deixei de usar biquine, ou sair, por ser gorda. Aprendi a me aceitar assim. Gorda, linda, e gostosa. Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, não obstante, nada é perfeito. Em alguns momentos eu perdia aquela segurança da mulher gorda, linda e gostosa, e virava uma menina insegura e gorda, só gorda.

Eu já havia feito de tudo um pouco pra tentar perder aqueles quilinhos que passavam a me incomodar, e além de tudo me causavam dores. Desde dietas malucas, remédios, shakes, e etc. Eis que chego ao ápice da minha obesidade. 108kg e 1,70m. Meu Índice de Massa Corporal – IMC – era de 37,4, ou seja, obesidade em segundo grau. Meu corpo pedia ajuda, os joelhos não suportavam mais – quando mais nova eu jogava vôlei, estourei os dois joelhos jogando, e com esse peso todo sentia muita dor – e, para piorar, eu já não suportava mais me olhar no espelho. Eu me fazia de forte para os outros, “ah, sou linda assim e não estou nem aí”, mas no meu quarto, sozinha, eu me sentia insegura, não me sentia linda.

Eis que surge uma luz no fim do túnel: o Balão Intragástrico – BIG. Assim resolvi tornar-me uma balonada.

Sobre o BIG: [é] “um procedimento que reduz a capacidade do estômago pela metade e provoca a perda de apetite e a saciedade, auxiliando no emagrecimento. Mas é importante se consultar com um médico que avalie o caso para recomendar ou não o uso do balão.” O balão é colocado via endoscopia; causa um desconforto enorme nos primeiros dias; dependendo do médico você sai do hospital no mesmo dia.

Dormi no hospital na primeira noite, por conta do desconforto e da medicação, depois fui para casa e continuei com a medicação, e por mais que tomasse remédios eu senti muita dor, náuseas e vomitei horrores nos três primeiros dias. Em uma semana eu já havia perdido 10kg, apenas com a dieta líquida. Desde então já se passaram três semanas, entrei para academia e pro pilates, estou fazendo dieta (sem sentir fome fica muito mais fácil) e frequentando um psicólogo. Estou muito ansiosa com o futuro, pois ficarei seis meses com o balão – tempo máximo.

De nada adianta colocar o balão, se não estiver dispostx a fazer atividades físicas e uma reeducação alimentar. Quem continua comendo besteiras em excesso e não faz um acompanhamento, pode até aumentar o estômago, não emagrecer, ou emagrecer e depois que tirar o balão engordar de novo.

O balão deve servir para auxiliar quem não consegue fazer uma reeducação alimentar e focar nas atividades físicas. O acompanhamento com nutricionista, e até umx psicólogx é essencial, porque tem que mudar hábitos, o que pode ser muito difícil. Principalmente pra quem vive naquela pressão de ser magrx.

A indicação médica do balão é para quem tem obesidade. Mas é importante tentar se aceitar, perceber se é necessário colocar o BIG de verdade. Porque o mais importante é estar bem consigo mesmx psicologicamente e fisicamente. Se aceitar em primeiro lugar. E, se tiver algum problema, que não consiga resolver de um modo mais simples e menos invasivo, daí sim recorrer ao médico e ver a possibilidade de colocar.

Foto do flickr de Laura Lewis, alguns direitos reservados.

Como muito bem dito pela Jarid, no post Gordofobia: um assunto sério, “é também papel do feminismo combater esse discurso de ódio e má fé disfarçado de preocupação com o bem estar;” Inclusive, meu médico ficou espantado por minhas taxas – dos vários exames que ele me mandou fazer – estarem ótimas. Então, ser gordx não significa que você é doente, que necessariamente você tem algum problema de saúde. Isso é o que a mídia quer que você acredite, para então pirar de alguma forma e tentar emagrecer de todas as formas.

No meu caso, por ter problemas de saúde relacionados com o peso – tendinite patelar no joelho esquerdo e ruptura parcial do menisco do joelho direito –, resolvi me submeter à colocação do balão, que acho relevante para quem PRECISA. Antes de tudo é necessário pensar muito, analisar os métodos de emagrecimento, tentar conciliar reeducação alimentar com atividade física. Para só então tomar uma decisão como esta, seja de colocar o Balão Intragástrico, de fazer a Cirurgia Bariátrica, ou algum outro procedimento. E, principalmente, refletir sobre o PORQUÊ você quer emagrecer.

Infelizmente encontraremos um padrão de beleza exposto na televisão, nas capas de revista, nos programas, e em vários lugares. Enquanto não deveria existir, pois cada umx tem a sua beleza. Seja gordx, magrx, altx ou baixx, o importante é ser feliz e, tentar, de todas as formas possíveis, ignorar esse padrão midiático louco e saber que você é lindx por ser QUEM você é, e não pelo tamanho da roupa que você veste.

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Jéssica Mendes é Uma feminista apaixonada por tatuagens e totalmente inconstante.