Dias atrás, lendo este post do blog Diário de uma Mão Polvo, me vi jogada contra a realidade de mais um privilégio. Não me basta ser branca, jovem, classe média, não ter dificiência, eu também sou mãe… de uma criança que não tem qualquer necessidade especial. Não que a maternagem praticada por mães como a Mariana, a autora do blog, seja melhor ou mais dedicada que a minha. A gente faz o que o filho nos demanda, mas é inegável que as demandas do Leo, filho da Mariana, levam muito mais tempo do que as do meu filho. Assim como é inegável que quase todos os espaços e serviços públicos foram pensados para mães como eu, que podem levar seu filho aos locais no próprio carro, ou de ônibus, sem grande dificuldade; que podem andar com o filho do lado, ou no máximo carregá-lo no colo sem grande sofrimento, enquanto ele ainda não aprendeu a dar seus passinhos; que podem voltar ao trabalho tão logo desejam, contando com a ajuda de uma babá ou de uma creche comum; etc.
E é aí que o privilégio acontece. Pense em quantas crianças, jovens ou adultos com deficiência você conhece e tente se lembrar de quem você vê cuidando dessas pessoas. No meu caso, são sempre mães. Conheci adultos também, cuidados por irmãs. E pense em quantos desses casos, a mãe precisa dedicar-se quase exclusivamente ao cuidado do filho.

Isso foi o suficiente para que adquirisse um pouco de perspectiva. Ainda que hoje eu me preocupe com a possibilidade de precisar reservar espaço no meu orçamento para pagar uma creche ou uma babá para o meu filho, e isso me faça atentar novamente para a falta de vagas em creches públicas, uma das grandes demandas das mães pobres, principalmente, que não podem simplesmente deixar de trabalhar, até essa preocupação é um privilégio.
Para muitas dessas mães de crianças com necessidades especiais, não existe tal opção, pois trabalhar significa ter que deixar a criança com uma outra pessoa, que tenha a mesma dedicação e preparo para atender as demandas que a criança oferece. E eu só posso supor que isso custe muito mais caro do que grande parte delas é capaz de pagar.
Uma solução seria o oferecimento de espaços públicos adequados para essas crianças e essas mães, mas nós ainda debatemos a falta de vagas para as crianças que sequer têm alguma necessidade especial, vocês se lembram? Novamente, como mãe privilegiada que sou, só posso supor que o caminho das pedras para as mães que além da vaga, precisam que o filho receba atenção diferenciada, seja muito mais longo e doloroso.
Essas considerações ficaram rodando na minha cabeça e me fizeram lembrar de uma história. Há tempos, uma conhecida veio me contar que uma grávida de seu círculo social estava desesperada pela possibilidade de que seu filho nascesse com Síndrome de Down. O exame de translucência nucal havia indicado um risco maior de que o feto apresentasse a condição, mas ainda não havia sido confirmado. Ao consolarem a futura mãe, as pessoas diziam: “Se a doença se confirmar, você vai tirar o bebê?”
E esta é a sociedade em que vivemos, senhor@s. Que condena ao fogo do inferno aquelas que optam por um aborto por não se sentirem preparadas para a função materna, mas acha justificado quando uma mãe desejosa dessa função, decide interromper a gestação por causa da possibilidade de ter uma criança “diferente das outras.”
Talvez isso explique porque seja tão difícil chegar a uma sociedade realmente inclusiva, que garanta a todos direitos, de acordo com suas demandas. Com espaços acessíveis a todos, com equipamentos públicos disponíveis a todos, de acordo com as suas necessidades. Ainda há quem acredite que a solução definitiva seria simplesmente evitar que essas crianças existam. Quando dessa imposibilidade, invizibilizá-las, trancafiá-las em suas casas, com suas mães, para que não destoem nesse cenário que não foi construído para elas, nem para seus cuidadores. Mas, aí vai uma notícia: os doentes, na verdade, são os que pensam assim.