A conquista das mulheres pelo direito ao voto, ao trabalho e aos métodos contraceptivos representou um grande avanço para a luta feminista. Ainda assim, as mulheres continuam acorrentadas pelos mesmos grilhões que as mantiam presas no século passado. Enquanto a mulher antes dependia de um homem para sobreviver, a mulher contemporânea ainda é sujeita a padrões de beleza inalcançáveis que continuam a submetê-la ao patriarcado. O padrão vigente exalta cada vez mais a magreza, a pele clara, o cabelo liso e a ausência de qualquer mancha, ruga ou flacidez que denotem qualquer sinal de velhice – essa ditadura da beleza é responsável por uma grande quantidade de problemas que, direta ou indiretamente, sustentam a mesma opressão que as acometia anteriormente.
Por exemplo, embora a mulher atuamente seja livre para trabalhar fora, ela gasta uma grande parte de seu salário, que ainda é significativamente inferior ao dos homens, em produtos e tratamentos de beleza. Muitos trabalhos, aliás, não dão espaço para as mulheres. A mulher do século XXI pode ser livre para buscar uma carreira científica ou política, por exemplo, mas sua credibilidade nesses campos ainda é pesada de acordo com sua aparência. Há uma enorme diversidade de empregos que apenas contratam mulheres se elas atenderem um certo “requerimento estético”. Mesmo estudar é difícil, uma vez que as meninas desde cedo são tídas como fúteis e dificilmente são levadas a sério. Na prática, a libertação feminina ainda está longe de acontecer: as mulheres podem votar, mas seus direitos não são contemplados; podem estudar, mas não têm oportunidades; podem ser diretoras ou donas de empresas, mas têm seu trabalho desvalorizado. A realidade é que muitas mulheres ainda dependem de pai ou marido para sobreviver.

A internalização desses valores também pode ser extremamente nociva de outras formas: mulheres que são desdenhadas por sua suposta falta de beleza muitas vezes vêm a se sentir inadequadas e insignificantes. Mesmo mulheres elogiadas por sua aparência sentem que precisam manter-se belas, para não serem desvalorizadas. Essa insegurança é convertida em uma obsessão por adornos e cosméticos, tido como um aspecto natural da feminilidade, que pode ser comprada em lojas de sapatos, roupas e jóias. Os homens também vêm cobrando cada vez mais das mulheres: elas precisam se plastificar e se embelezar cada vez mais para obter os atributos exigidos, que seriam de outra forma inalcançáveis. Por isso, muitas vertentes do feminismo empregam sua energia na tentativa de reconstruir a autoestima das mulheres. Seja divulgando mensagens positivas sobre a diversidade de corpos femininos ou incentivando umas às outras a amarem a si mesmas, a batalha para restaurar a autoestima feminina é árdua.
No entanto, enquanto a importância para as mulheres de manter uma relação saudável com o próprio corpo é legítima, também é fundamental uma análise crítica sobre a própria necessidade de ser bela. Em muitos momentos, pode ser difícil diferenciar os ideais otimistas, que estimam a diversidade dos corpos, de uma luta pela objetificação igualitária de todas as mulheres. Muitas mulheres, de fato, sentem-se empoderadas por discursos inclusivos; outras, mesmo que tenham dificuldade para se aceitarem plenamente, podem vir a ter uma consciência crítica a respeito da imposição de beleza da sociedade. Ainda assim, a disseminação de tantas mensagens de autoaceitação e valorização da beleza pode sair pela culatra: para muitas mulheres, essas mensagens são apenas mais uma forma de violência, com a diferença de que ao invés de coagi-las a buscarem tratamentos cosméticos, as coagem a amar os próprios corpos incondicionalmente. Desse modo, embora possa ser bastante complicado identificar as nuances que separam a objetificação do empoderamento, esse é um assunto importante, que não é tratado tanto quanto deveria.
Tamanho foco no valor da beleza feminina funciona não apenas como arma de imposição, mas também leva a outros problemas, como a tolerância cega a modificações corporais e cirurgias plásticas perigosas e invasivas. É verdade que as pessoas devem ser livres para modificar o próprio corpo, se assim desejarem, mas isso não significa que não devemos discutir e analisar criticamente o significado e o impacto desses procedimentos, especialmente para as mulheres. Mesmo que tenham consciência das internalizações sociais que se encontram por trás de seus desejos, inúmeras mulheres ainda sentem a necessidade de passar por cirurgias estéticas. Há muito mais do que direitos individuais em jogo quando há mulheres que passam por lipoaspirações anuais ou que colocam implantes de silicone cada vez maiores nos seios; não podemos esconder debaixo do tapete uma questão tão fundamental para a luta pela libertação feminina.
Em muitas situações, o ideal de aceitação e liberdade absolutas é abraçado pelas próprias feministas, sendo transformado em pedra angular da própria luta política sem qualquer reflexão crítica. O mito da beleza é um das mecanismos do patriarcado mais bem-sucedidos, atingindo as mulheres não apenas de fora, mas também por dentro. O fato de ainda haver espaço nas políticas feministas para a idéia de que as mulheres precisam se sentir bonitas para serem plenas é pertubador; afinal, a beleza é um mito, um conceito abstrato inatingível. O feminismo, enquanto ideal plural de muitas correntes, precisa acordar para tal armadilha e não reproduzir esses valores. Devemos, sim, ser solidárias e oferecer apoio umas às outras, incentivando a autoaceitação, o amor próprio e o auto-reconhecimento enquanto seres humanos. Campanhas pela exaltação da diversidade de corpos e da pluralidade da beleza podem ser ferramentas poderosas para esse fim; só é preciso tomar cuidado para não transformar a busca pela beleza no foco principal da nossa luta – se não por meio de procedimentos cosméticos, por meio da necessidade de sentir-se bonita sob qualquer circunstância.