Uma pílula sobre relacionamentos abertos

Quando começamos a crescer nos deparamos com diversas ordens pre-estabelecidas, aquelas coisas que nos destinam a locais sociais específicos: o espaço privado para mulheres, negrxs e LGBTS, o espaço público para os homens, brancos e heteros; a forma de organização familiar; a forma como devemos nos relacionar entre um e outros. Tudo já vem pronto, e escapulir desse pronto muitas vezes é desconfortável, não apenas para nós, mas principalmente para os outros. Mexer na ordem vigente, seja ela qual for, nunca é muito bem visto.

Os modelos tradicionais de amor e sexo não estão dando mais respostas satisfatórias e isso abre um espaço para cada um escolher sua forma de viver. Quem quiser ficar 40 anos com uma única pessoa, fazendo sexo só com ela, tudo bem. Mas ter vários parceiros também será visto como natural. Penso que não haverá modelos para as pessoas se enquadrarem. Na segunda metade do século 21, provavelmente, as pessoas viverão o amor e o sexo bem melhor do que vivem hoje. (MALUF, Vladimir.”Ninguém deveria se preocupar se o parceiro transa com outra pessoa”, diz psicanalista)

Foto de Jessy Rone no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Lembro a primeira vez em que debati na mesa do bar sobre relacionamentos fechados, ficar e afins e ouvi que: “Eu acho que ficar é neoliberal”. Parei e fiquei olhando, elaborando, por foi quando havia percebido que aquele papo todo era pra me colocar na berlinda, colocar a minha forma de ver a vida na berlinda e se fazer um balanço atravessado das minhas relações.

Quando nos deparamos com a origem da propriedade privada e da família percebemos o como a lógica de mulheres propriedade foi imposta, nós somos aquelas que garantem herdeiros legítimos aos homens e é essa a estrutura de relacionamento e de família permitida. É a destinação social de cada gênero: o macho-masculino é o herdeiro, o detentor do poder e a fêmea-feminina é a propriedade e procriadora. Qualquer coisa que subverta esta ordem da família monogâmica e heteronormativa é um absurdo, um acinte social.

Ao referenciar o poder do homem, e a separação dos espaços públicos X privados, a família monogâmica passa a moldar o que é ser homem e o que é ser mulher (constituindo os gêneros masculino e feminino) em nossa sociedade. Tal fato interfere inclusive no desenvolvimento da sexualidade de ambos: ao homem compete, a todo momento, afirmar sua sexualidade, enquanto a mulher deve negá-la, condicionando o sexo apenas para fins reprodutivos: gerar herdeiros que possam perpetuar a acumulação de riqueza da família. Daí a necessidade da garantia de que o filho será mesmo do marido através da exigência da virgindade da esposa – por isso cabe ao primogênito masculino a herança. (GOMES, Tabata. Por que a luta feminista deve ser contra a família monogâmica?)

Mantemos a lógica do príncipe encantado, uma hora a companhia perfeita aparece e poderemos pensar em organizar a nossa própria família, mas uma família heteronormativa e monogâmica, caso saia desses parâmetros não pode, é passível de sofrer violência, opressão e repressão social em todas as esferas.

Corroborar com a manutenção de relações que reproduzem uma lógica de propriedade privada, de opressão de um pelo outro não deve ser algo passível de naturalização. As relações sociais são dinâmicas, as pessoas cumprem papéis diferentes na vida das outras. Há muito bem como dividir o cotidiano com uma pessoa e ela não necessariamente ser x únicx parceirx para outras coisas, inclusive as sexuais.

Não, ficar não é neoliberal, neoliberal é se manter em uma relação reproduzindo as lógicas de propriedade privada intensificando uma construção machista da sociedade que só depõem contra, pois é por nos encarar como propriedade privada e sem uma nesga de alma que somos vítimas de violência cotidianamente. Pensar outras formas de relações, pensar relações livres, e isso não quer dizer que elas também não sejam contraditórias.

Gosto do pensar estes desafios, que as vezes parecem banais, são mal-compreendidos, porém são desafios nossos também, de como pensar relações sociais menos embrutecedoras, menos conservadoras e mais livres, mais plurais. Talvez possa até ser uma vontade ingênua, mas o que tenho visto na prática é que no final, relações mais livres, rompendo amarras são mais saudáveis.