Texto de Marcelo Caetano.
Em 2012, o movimento transexual passou por uma pequena revolução. Pela primeira vez, homens trans iniciaram uma movimentação no sentido de defender seus direitos de maneira desvinculada do movimento LGBT e do movimento de transexuais já existente, composto basicamente por mulheres trans. Diferentemente do que algumas pessoas comentaram, em momento algum a intenção foi de criar qualquer tipo de racha ou cisão no movimento. Simplesmente, houve o reconhecimento de que esses movimentos não eram capazes de dar conta das nossas demandas. Talvez, por desinteresse, mas, especialmente, em razão das necessidades serem, de fato, diferentes.
[+] ABHT – Associação Brasileira de Homens Trans.
Em alguns aspectos, as reivindicações são similares, como na saúde, por exemplo, mas, ainda assim, há diferenciações que, no jogo político, mostram-se como cruciais e determinantes para que se siga em direções diferentes. Reconhecemos que as mulheres trans ainda vivenciam uma série de dificuldades, e, em nenhum momento, há a pretensão de negar esta realidade. Contudo, algumas coisas parecem estar caminhando a passos mais lentos para os homens trans.
Uma dessas coisas seria a evolução da tecnologia biomédica. As possibilidades de se criar um falo ainda são extremamente limitadas, tanto em termos estéticos quanto em termos funcionais. Não estamos aqui a dizer que todos os homens trans queiram passar por este procedimento e, muito menos, que seja algo necessário para a identificação enquanto trans. Porém, existem mesmo aqueles que gostariam de se submeter a esta cirurgia, mas não o fazem pela simples ineficiência da técnica. Não que a culpa disso seja do movimento social, mas não se pode negar que as pesquisas e investimentos para a evolução das técnicas ainda são altamente restritos, e há pouquíssimas articulações no sentido de gerar incentivos. Vale citar, também, que esta cirurgia, no Brasil, ainda é considerada como de caráter experimental, o que, na prática, significa uma série de restrições a sua realização.
Não temos muitas respostas para este caso concreto da cirurgia, e é apenas um exemplo de algo que parece deficiente para os homens trans. Poderíamos, também, citar inúmeras outras coisas, como a maior dificuldade de acesso ao tratamento hormonal, o maior desconhecimento a respeito da transexualidade masculina, a falta de políticas públicas específicas (não que as mulheres trans estejam cheias delas), entre outras coisas. Mesmo dentro do movimento de transexuais, ainda encontramos uma série de mulheres que não conhece, nem mesmo sabe da existência, de nenhum homem trans.

Devemos sempre lembrar o processo histórico de formação do movimento LGBT, que hoje é criticado por vários grupos como sendo, em diversos aspectos, um movimento de homens gays, brancos, de classe média. Quando adicionamos outros atributos de desigualdade (classe, cor, etc), o tema fica ainda mais controverso. De maneira geral, um homem trans, negro e pobre terá muito mais dificuldade de acesso a serviços, participação social, inserção no mercado de trabalho do que um homem trans branco de classe média (contudo, esta não é uma relação absoluta, pois há uma série de outros fatores, como a família, que têm grande relevância).
Não pretendemos negar a responsabilidade dos homens trans neste processo de invisibilização. Há uma série de homens que simplesmente querem passar despercebidos, sem qualquer tipo de envolvimento político. Para muitos, significaria passar a ser reconhecido como um homem trans, o que não seria desejado. Esta é uma vontade legítima; é mais do que compreensível a vontade de não ser vítima de preconceito, mas têm suas consequências, como toda e qualquer escolha.
Ainda estamos engatinhando, caminhando muito lentamente para a criação de um movimento de homens trans, com o objetivo de ter nossos direitos respeitados e conquistar nossas reivindicações. O primeiro passo já foi dado. João Nery, autor do livro ‘Viagem Solitária’, é em muito responsável por diminuir essa invisibilização, e isto é algo que o movimento reconhece amplamente. Contudo, ainda há muito a percorrer e muita batalha para lutar. Sinceramente, está difícil, mas estamos tentando.