Texto de Fernanda Marinho.
Estreia neste domingo a 3º temporada de “Game of Thrones”, série de TV do canal HBO baseada nos livros: “Crônicas de Gelo e Fogo” de George R. R. Martin. Milhões (sim, milhões) de fãs, como eu, aguardam ansiosamente esse momento.
A série faz parte daquele gênero de fantasia que tem como inspiração a idade média, apresentando reis, senhores, sacerdotes, vassalos e escravos, castelos e disputas por territórios travadas em batalhas e guerras épicas. Juntam-se a isso elementos mágicos e místicos, além de raças e criaturas. Geralmente, nas disputas entre o bem e o mal há uma participação feminina ínfima. Mas é aí que “Game of Thrones” começa a se diferenciar.
A história gira todo em torno da disputa pelo poder dos “Sete Reinos”, que foram reunidos há algumas gerações, quando a história começa. Várias famílias se julgam no direito a tal trono, por motivos de herança, religiosos ou ganância. É quase possível definir vilões e mocinhos, mas nem sempre. Há muita intriga, manipulações e alianças que se realinham.
Porém, vamos falar nas mulheres. Vou tentar dar poucos spoilers das duas primeiras temporadas, e nenhum dos outros livros.

Quando começa a história, ficamos conhecendo a Casa Stark, que parece inicialmente ter os mocinhos da série. Papai, mamãe e filhinhos, todos bonzinhos (apesar da figura de um filho bastardo entre eles), o que parece que vai lhes garantir um destino vencedor. Parece.
A cabeça da família é Eddard Stark. Sua mulher, Catelyn Stark, recebe o sobrenome do marido ao se casar e passa a fazer parte da sua casa, como acontece no nosso mundo mesmo. Não gosto muito da personagem, mas é preciso respeitá-la. Firme, decidida, correta e muito ligada aos filhos.
A família tem ainda duas meninas, que não poderiam ser mais diferentes uma da outra.
Sansa é uma pré-adolescente sonhadora e romântica, que corresponde ao padrão feminino da época. É bonita e educada. É uma das personagens mais odiadas, mais até do que os vilões. É curioso já que ela se comporta como o esperado dela, com alguma ingenuidade, exatamente igual ao seu irmão Robb, mas o papel masculino típico é valorizado, não é? O feminino não.
Sua irmã mais nova já é bem diferente. Arya é rebelde, quer aprender a lutar e a empunhar armas, e não a bordar. Durante o decorrer da história, lutar deixa de ser uma escolha. Arya é ainda uma criança, mas é inteligente e corajosa. Sobrevive se escondendo, se disfarçando, fugindo e… Não vou contar mais para não estragar as surpresas.
Se os Stark são os mocinhos da série, os Lannister são os vilões. A Casa é conhecida por sua riqueza e por sempre pagar suas dívidas. Está ligada ao trono pelo casamento de Cersei Lannister com o Rei Robert Baratheon.
A Rainha descobriu cedo o que significa ser mulher naquele mundo, quando percebeu as diferenças de tratamento entre ela e seu irmão gêmeo.
“Quando éramos jovens, Jaime e eu, éramos tão parecidos que nem nosso pai conseguia nos diferenciar. Eu não entendia porque nos tratavam de forma diferente. Jaime era ensinado a lutar com a espada, a lança e a clava, e eu era ensinada a sorrir, a cantar e a agradar. Ele era o herdeiro do Rochedo Casterly, e eu fui vendida para um estrangeiro como um cavalo para ser montado quando ele desejasse.”* (Tradução minha, não a oficial.)
Cersei passa então a usar sua beleza como principal arma, e a influência que tem através dos filhos para comandar.
Já Brienne de Tarth não tem beleza física. É extremamente alta e considerada feia. Mas ela quer lutar. Espanta a todos quando vence um torneio e, ao tirar o capacete, revela ser mulher. Só assim ela consegue ser reconhecida como guerreira.
Do outro lado do oceano, se preparando para entrar na “Guerra dos Tronos”, está minha personagem preferida: Daenerys.

Herdeira da Casa Targaryen, que foi deposta do trono, a menina começa o seriado cheia de incerteza, manipulada e vendida pelo irmão para se casar em troca de um exército. Percebendo sua força, resolve ir atrás do trono renegado. Mas logo de cara vai percebendo que o mundo não é fácil para mulheres. Ao longo dos livros ela vai crescendo e errando também. Encontrando muitas dificuldades e machismo. Em dado momento, quando passa a ter que discutir com um conselho de homens que a menosprezam, passa a ser irônica e a dizer “Eu sou apenas uma jovem garota inexperiente em guerras, mas se a gente fizesse o seguinte…”. A frase só funciona porque ela, na verdade, é quem decide.
Há ainda a Asha Greyjoy (no seriado, foi chamada Yara, não me perguntem por quê), que na falta de seu irmão Theon assumiu os exércitos do pai. Melisandre, feiticeira e líder religiosa que influencia o Rei Stanis. A selvagem Osha que tem um papel fundamental quando a guerra começa a ficar feia. Meera, a caçadora que conduz um grupo de fugitivos. Ygrite, a selvagem biscate que vive a dizer “Você não sabe nada, Jon Snow”.
São várias e diferentes mulheres, vivendo suas vidas, fazendo o melhor que podem no contexto em que estão inseridas, cada uma do seu jeito. Agindo num mundo tão limitador para elas quanto na nossa Idade Média. E a questão de elas agirem, nesse contexto, faz toda a diferença em relação a tantas obras de fantasia e ficção científica, em que as mulheres são decorativas ou apenas pares românticos dos mocinhos e bandidos, quase sempre jovens, belas e despidas.
Na Guerra dos Tronos elas são sujeitos, influenciam tanto quanto os homens, mas de maneiras diferentes. São crianças, jovens e maduras, heroínas e vilãs, belas e deslocadas, sedutoras e guerreiras. Todas lutando e sobrevivendo num contexto que não lhes é amigável, que as coloca como propriedade dos homens.
Apesar do autor não reconhecer, creio que isso seja do que o feminismo se trata, muito mais do que uma obra em um universo que se pretende sem machismo.
É uma obra que mostra as mulheres sobrevivendo e lutando como podiam, vencendo limitações. Fico imaginando quantas mulheres ao longo da história não tiveram papéis tão decisivos como essas da ficção, mas que foram apagados dos livros de história, principalmente por se desenrolarem nos bastidores e de maneira informal. Quantas mulheres como essas não puderam contar suas historias.
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*“When we were young, Jaime and I, we looked so much alike, even our father couldn’t tell us apart. I could never understand why they treated us differently. Jaime was taught to fight with sword and lance and mace, and I was taught to smile and sing and please. He was heir to Casterly Rock and I was sold to some stranger like a horse to be ridden whenever he desired.”
Para saber mais:
[+] Sobre Feminismo e as Crônicas de Gelo e Fogo por Lizzy.
[+] “Game of Thrones is more brutally realistic than most historical novels” por Tom Holland.
[+] “In Defense of Sansa Stark” por Rhiannon.