Como é a maternidade indígena no Brasil hoje?

Texto de Amanda Vieira e Isis Valle.

Neste dia 19 de abril — Dia do Índio — o FemMaterna convidou uma mulher da etnia dessana para relatar um pouco como é ser mãe indígena hoje no Brasil. Sabemos que existem muitos povos indígenas, de diferentes costumes, enfrentando situações das mais diversas e essa entrevista não tem a pretensão de falar em nome de todas as indígenas. A proposta é estimular o debate sobre a condição da mulher indígena e dar visibilidade a essa situação tão pouco divulgada pela imprensa e pelos órgãos oficiais.

Para se ter uma ideia, são escassos em nosso país os dados de mortalidade materna com recorte racial/étnico. Um estudo sobre aspectos epidemiológicos relacionados aos fatores étnico-raciais no Brasil mostrou que os piores indicadores de mortalidade em termos de causas evitáveis, a exemplo da morte materna, são relativos às mulheres afrodescendentes e indígenas, evidenciando a relação entre a raça e a desassistência à saúde de alguns grupos sociais.

Mesmo com poucos dados, sabe-se que a mortalidade materna/nascidos entre as indígenas está entre as mais altas do Brasil, juntamente com a das mulheres negras. Conforme explica a enfermeira obstétrica Alaerte Martins:

Em 2009, segundo o DATASUS, houve 1.872 óbitos declarados, sendo 25 de mulheres indígenas. Mas, como a população indígena é pequena, a relação morte materna/nascidos vivos, é a mais alta: 157 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. Já entre as mulheres negras (soma de pardas e pretas, segundo o IBGE) a relação é menor: 75 para cada 100 mil. Porém, em números absolutos é, em disparada, maior: 1.076 óbitos. Portanto, 57% do total de um total de 1.872 óbitos em 2009. Em 2009, segundo o DATASUS, tivemos 2 óbitos em amarelas, 638, em brancas e 131 em que a cor da pele não foi registrada, apesar de ser obrigatório desde 1996.

Amamentação durante as manifestações indígenas no Congresso Nacional. Foto de Alexandre Amarante no facebook.
Amamentação durante as manifestações indígenasl. Foto de Alexandre Amarante no facebook.

Por tudo isso, aproveitamos esse post para cobrar das autoridades mais atenção para a saúde das mulheres indígenas! Que elas tenham atendimento digno e sejam tratadas em suas necessidades, sem preconceitos!

Agora vamos à entrevista

Gilmara Alberta Morais Andrade pertence à etnia dessana, é coordenadora do Telecentro do Instituto Socioambiental (ISA) na cidade de São Gabriel da Cachoeira, sede do município homônimo, localizado no estado do Amazonas. Tem 25 anos, é solteira e mãe de uma filha de cinco anos. Gilmara Andrade nasceu na comunidade Ilha de Duraka e mora na sede do município há 12 anos. A comunidade Ilha de Duraka está localizada na margem esquerda do Baixo Rio Negro. Lá vivem indígenas das etnias piratapuia, tukano, dessana, baré e baniwa. As línguas faladas são o tukano e o nheegatu – línguas maternas – e o português é o segundo idioma (como o inglês para nós, por exemplo).

O município de São Gabriel da Cachoeira é localizado no noroeste amazônico, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, é o terceiro maior do Brasil em extensão territorial e o primeiro em concentração de população indígena. De um total de 37.300 habitantes, 29.017 pessoas declararam fazer parte da raça indígena no Censo 2010, mais de 77% da população. Foi um dos primeiros do Brasil a eleger um prefeito e um vice-prefeito indígenas, na eleição de 2008.

Gilmara concedeu essa entrevista via Facebook.

1. Qual a sua etnia e o que a maternidade representa para vocês? Qual é o papel da mãe na sociedade?

Gilmara – Pertenço a etnia dessana. A maternidade é um processo natural de uma mulher indígena, pois a partir disso a mulher começa a ter conhecimentos necessários que obtemos só após a maternidade, digamos que é um processo de amadurecimento. Me considero uma mãe indígena, pois passei por todo o processo de aprendizagem, de resguardos e benzimentos.

2. É obrigatório ser mãe?

Gilmara – Não, ninguém é obrigada a nada se não quiser, mas ser mãe é sempre uma coisa boa dentro da comunidade e para a família. As mulheres que não são mães geralmente cuidam dos sobrinhos mas também fazem outras atividades dentro da comunidade.

3. Você consegue pensar em problemas que atingem as mães indígenas de uma forma geral? Quais as dificuldades enfrentadas pelas mães indígenas na região do Rio Negro, tanto na cidade quanto nas comunidades?

Gilmara Andrade – Os problemas enfrentados por uma mãe indígena hoje estão em manter seus filhos dentro dos costumes, pois o acesso à cidade e à tecnologia têm enfraquecido muito e dificultado o interesse dos filhos pela cultura. As dificuldades são grandes, de diferentes tipos – o rio Negro é complexo, pois dependendo do povo você terá realidades diferentes.

Gilmara Alberta e sua filha. Foto de Lirian Monteiro com autorização.
Gilmara Alberta e sua filha. Foto de Lirian Monteiro com autorização.

4. Você poderia me falar um pouco das suas próprias dificuldades? Ou dificuldades dos dessanas? Fale um pouco da diferença entre uma mãe indígena (ou uma mãe dessana) e uma mãe não-indígena.

Gilmara – As diferenças são visíveis, pois uma mãe indígena aplica na educação do seu filho o conhecimento que seus pais lhes passam e também os dos avós. Uma mãe branca cria seus filhos de forma mais independente, sem a participação de avós. As dificuldades são das mais variadas vou lhe citar uma: dificuldade de ensinar a língua materna, visto que nas escolas só se fala português.

5. Em casa vocês falam a língua dessana? A sua filha prefere falar dessana ou português?

Gilmara – Ela já entende a língua indígena, pois em casa os avós não falam português, porém não fala ainda. E quando falar provavelmente só vai falar em casa. Essa é uma realidade aqui de São Gabriel Cachoeira [sede do município] diferentemente das comunidades em que as crianças só falam língua indígena e demoram pra falar português.

6. Pode me falar um pouco mais da diferença da maternidade em São Gabriel Cachoeira e nas comunidades?

Gilmara – As diferenças começam no parto: na cidade a mulher procura um hospital, na comunidade você é acompanhada pelos mais velhos que na hora do parto sabem como proceder, a mulher e a criança recebem todos os cuidados que ela não teria na cidade, visto que em uma comunidade há uma organização social diferente.

7. Entre os indígenas, existe realmente uma relação diferente com as crianças?

Gilmara – Na verdade, dentro de uma comunidade todo adulto tem o dever de olhar pelas crianças, mas não que isso seja uma obrigação. Assim, os adultos estão sempre de olho nas crianças principalmente para avaliar o comportamento mesmo. Os mais velhos chamam atenção da criança ou às vezes dos pais.

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Amanda Vieira é mãe da Sofia. Gosta de futebol, de cinema, de poesia, de política e de música, mas principalmente de deitar na rede e esquecer isso tudo. Seu blog pessoal é o Empatia.

Isis Valle desenvolve um trabalho de pesquisa sobre os indígenas do Alto Rio Negro e escreve no blog Valle Isis.

O FemMaterna é um grupo de discussão sobre maternidade com uma proposta feminista. Se quiser participar, basta pedir solicitação na página do grupo. Participe também no facebook.