Texto de Talita Rodrigues da Silva.
Esses dias, estava lendo um texto do Jorge Larrosa Bondía, intitulado “Notas sobre a experiência e o saber da experiência”, em que o autor critica, dentre outros aspectos, o empobrecimento das experiências em nossa atual sociedade. Segundo ele, contamos com excesso de informação. Por exemplo, podemos saber sobre variados temas, mas tal saber é “pasteurizado”, bem como as opiniões advindas desse conhecimento altamente disponível, mas deficitário. Afirma:
[…] O sujeito moderno é um sujeito informado que, além disso, opina. É alguém que tem uma opinião supostamente pessoal e supostamente própria e, às vezes, supostamente crítica sobre tudo o que se passa, sobre tudo aquilo de que tem informação. Para nós, a opinião, como a informação, converteu-se em um imperativo. Em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre que nos sentimos informados. E se alguém não tem opinião, se não tem uma posição própria sobre o que se passa, se não tem um julgamento preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente, sente-se em falso, como se lhe faltasse algo essencial. E pensa que tem de ter uma opinião. Depois da informação, vem a opinião. No entanto, a obsessão pela opinião, também anula nossas possibilidades de experiência, também faz com que nada aconteça. (p. 22)

Ao longo desta leitura, torna-se claro que o autor supervaloriza as experiências e os saberes decorrentes delas. Sua crítica é pertinente, ao entendermos que a informação a que temos acesso e, mesmo as opiniões decorrentes dela, não surgem aprioristicamente. Toda informação e toda opinião está inebriada em culturas e revela as ideologias dominantes. O papel dessas ideologias dominantes é fazer com que processos culturais soem ao senso comum como naturais. Uma vez que isso tenha se estabelecido, a maquinaria ideológica atua como fator de manutenção das diferenças sociais. E mais, age como um catalisador desses processos. Dentre os traços, que passam por massificação e replicação esvaziada de observação prática, o gênero pode ser destacado.

Costumamos dizer que feminismo é a desconstrução sistemática dos padrões pré-estabelecidos, uma vez que implica romper com a ideologia dominante e deslocar o foco de “homem” para “humanidade”, inclusive em termos linguísticos (usos inclusivos). Assumir-se feminista, portanto, demanda formação, pois raramente conseguiremos nos despir dessa carga de opressão sem buscarmos visões alternativas, seja recorrendo a autoras clássicas, personalidades que discutem gênero sob viés mais próximo do academicista, ou em contato com militantes.
Além da familiarização com conteúdos já disponíveis, a tarefa de construir o feminismo, a partir da desconstrução ideológica do machismo, implica um olhar crítico. Retomando o texto do Bondía, é mister dar sentido histórico-social às visões apresentadas pelas informações pré-concebidas. Desse modo, entenderemos por que são inadmissíveis feminismos que não sejam interseccionais, logo que atuem como agentes de exclusão de algumas mulheres, como as trans*. Evitar levar adiante discursos desse tipo e mitigá-los paulatinamente, por exemplo, é um bom exercício feminista.
Também cabe a nós, entendermos que, mesmo a produção científica já “estabelecida” no cânone pode e deve ser questionada e problematizada, pois a produção deste saber também responde ao modo esvaziado como conhecimentos são produzidos e repassados em nossa atual sociedade. Isso faz muito mais sentido, se levarmos em consideração o simples fato de que, por séculos, mulheres foram excluídas como agentes do saber científico. Em decorrência, ainda hoje, deparamo-nos com pesquisas cujo objetivo é provar um lugar-comum replicado pela ideologia machista. Saber problematizar por que algumas perguntas ainda são feitas na academia também é uma experiência feminista.

Por fim, e não menos importante, constitui-se como preponderante para a vivência cotidiana das práticas feministas informar-se sobre os produtos do machismo, fazer frente às manifestações culturais de efeito mais subjetivo e, também, às mais objetivas presentes nesta ideologia, que prega a superioridade do homem em relação à mulher.
Assim, o percurso que leva à experiência feminista é necessariamente perpassado por investimento em formação, busca cotidiana de informação e, como pilar, a experiência que é promovida pela desconstrução cotidiana e infindável dos saberes machistas, solidificados por nossa atual sociedade. A tarefa é longa e árdua, mas possível para todxs nós e, sobretudo, essencial para a constituição de um mundo com vivências mais igualitárias. Por isso, habemus feminismo.