Texto de Amanda Vieira.
A luta pelo respeito às lésbicas, gays, bissexuais e trans* (LGBT) é antiga. É preciso reconhecer que essas pessoas vêm lutando há muitos anos para que hoje um brasileiro comum possa dizer hoje, em público – e com orgulho – que tem um amigo gay. Dia 28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho LGBT em lembrança a um marco histórico dessas lutas: no dia 28 de junho l969, em Nova York, os homossexuais e pessoas trans* (ativistas importantes como Sylvia Rivera e Marsha Johson – que receberam, inclusive, maior carga de violência da polícia) participaram da revolução de Stonewall: reagiram às constantes agressões da polícia, viraram o jogo e interromperam aquele ciclo de violência. Importante destacar que o público trans* da sigla nem sempre foi bem acolhido pelas lideranças das entidades LGBT mas vem conquistando, a cada dia, mais visibilidade.
Poder dizer que tem um amigo gay não prova que a sociedade é segura para as pessoas de todas as sexualidades e identidades. Ter amigo gay (para usar uma expressão comum entre os que desejam expressar um tímido sinal de aprovação à causa) ainda é pouco para uma sociedade que se acostumou a bater, violentar e até a matar quem tem um comportamento diferente daquele que é estabelecido como norma.
Em 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do rol de doenças. Mesmo assim ainda temos políticos brasileiros tentando aprovar projeto de lei que propõe “Cura gay”. Enquanto o público homossexual sofre com ameaças de retrocessos, as pessoas trans* ainda lutam pela despatologização de suas identidades.
Atualmente ainda é raro ouvir pais e mães declarando com a mesma tranquilidade: “eu tenho um(a) filho(a) gay/lésbica/bissexual/trans*)”. Se ser LGBT ainda é perigoso, ser mãe de um LGBT, mais perigoso ainda. Ser LGBT e ter um filho, então, é mais do que proibido.
Para o senso comum, a pessoa LGBT nasce em família desvirtuada ou em família que não reprimiu suficientemente sua prole. Para o senso comum mais agressivo, os LGBT são, simplesmente “filhos da mãe”, colocados no mesmo patamar de ladrões, corruptos, criminosos e facínoras.
O senso comum impõe um modelo de maternidade: aquela que obriga as mulheres a reproduzir determinados valores sociais (neste caso, a obrigatoriedade de se criar um filho heterossexual e cisgênero). Se esses valores não são devidamente reproduzidos, as mulheres são as primeiras a serem desqualificadas (que raio de mãe é essa que colocou no mundo um filho LGBT? E o aceitou, ainda por cima? ). Depois, se culpar a mãe não for suficiente, a ira social se volta contra os pais, a escola, e todos os segmentos sociais que ousarem defender a causa LGBT.
Quando a sociedade critica a mãe da pessoa LGBT, é como se o conjunto do tecido social não participasse dessa “criação”. É como se a pessoa LGBT não pertencesse a esse mundo. Ou como se não tivesse desenvolvido autonomia suficiente para arcar com suas orientações, tendências e escolhas. A sociedade tenta, de diversas maneiras, apagar a existência da pessoa LGBT.
É preciso que nós, mães feministas, comecemos a interromper esse ciclo. A gente precisa dizer não: não vamos aceitar o preconceito social contra os nossos filhos! Não vamos aceitar o preconceito contra os filhos das outras mães e das outras mulheres! Nós vamos acolher nossos filhos LGBT e contrariar as expectativas da sociedade!
A escritora e professora universitária Edith Modesto é uma mãe que subverteu as imposições sociais. Em 1992, descobriu que o caçula de seus sete filhos (seis homens e uma mulher) é homossexual. Desesperada, sentindo-se muito só, ela procurou outra mãe como ela para conversar e não encontrou. E assim, com muita coragem, ela começou a trilhar o caminho da aceitação, enfrentando todos os obstáculos impostos pela sociedade.
Hoje Edith Modesto compartilha com outras mães e outros pais os seus saberes. Ela é autora do livro “Mãe sempre sabe? Mitos e verdades sobre pais e seus filhos homossexuais” e lidera a organização não governamental Grupo de Pais de Homossexuais (GPH). Esse ambiente de ajuda mútua criado por Edith Modesto é reflexo de uma sociedade que ainda é violenta e pouco segura para as pessoas LGBT e suas mães, seus pais.
Portanto, para que a sociedade passe a respeitar a pessoa LGBT, não basta “ser amigo do gay”. É preciso ser mãe da pessoa LGBT, pai da pessoa LGBT, colega de classe, irmão, cunhado, tio, professor, padre… Pessoas LGBT existem, têm mães, têm pais, são mães, são pais: acostumem-se com isso! E viva o movimento LGBT!”
*Esse texto utiliza o termo “trans*” como abreviação de várias palavras que expressam diferentes identidades, como transexual, transgênero ou travesti. O asterisco é adicionado ao final da palavra transformando o termo trans em um termo guarda-chuva [umbrella term]. O termo também pode incluir pessoas trans* que se identificam dentro e/ou fora do sistema normativo binário de gênero, ou seja, da ideia normativa que temos de “masculino” e “feminino” que forma um binário.
** Nota da autora: agradeço a leitora Daniela Andrade, que chamou a minha atenção em relação às pessoas trans* que participaram ativamente da revolução de Stonewall. As pessoas trans*, incluindo os nomes de Sylvia Lee Rivera e Marsha Johnson, foram acrescentados na segunda edição deste texto. Lamento por não constar na primeira versão! Peço desculpas pelo equívoco e desde já me coloco à disposição para rever outras possíveis falhas deste texto.