O novo feminismo ou a boa e velha cooptação nossa de cada dia

Texto de Luka Franca.

Vez ou outra me pego pensando em como uma sociedade capitalista se aproveita de outras formas de opressão. Como explora os flancos para assim poder ganhar mais, lucrar mais, explorar a força de trabalho de cada uma de nós de forma diferente e muito bem apurada e organizada. Sim, organização é seu nome, e é importante compreender que esta organização também pode permitir em alguns momentos que se abra espaço para apontar alguns debates, não aqueles que tocam em pontos nefrálgicos do modelo de organização da exploração e da opressão, mas aqueles que por algum motivo preferem continuar no conforto de debater suas próprias caixinhas e não questionar com profundidade o status quo.

O espaço aberto para se debater questões ligadas ao feminismo não se abre de forma desconexa ao momento histórico que vivemos no país, desconectar essas duas coisas é, no mínimo, ingenuidade e se for proposital é puro oportunismo. Quando o espaço se abre para os debates políticos sejam quais forem se destrava também o espaço para se debater o como se organiza o estado capitalista e como ele se apropria das opressões machistas, LGBTfóbicas, racistas e tantas outras para sobreviver. Como eu sempre digo, o debate da política real é o nosso debate, é o debate das “minorias” sociais.

Capa da revista Elle, edição de agosto.
Capa da revista Elle, edição de agosto.

Por que teimo a voltar neste tema? Ora, essa semana uma amiga postou uma capa de revista da Elle, em que se falava sobre o novo feminismo, do girl power, do sucesso, da liberdade e de Louboutins. Na mesma capa estava uma jovem branca, loira, sexy. O tal novo feminismo é isso? Bem, para mim não existe novo ou velho, existem apropriações de ideias que sempre ressurgem.

O novo feminismo, para mim nada mais passa do que um feminismo liberal, onde o importante é ter mulheres em espaços de poder e pouco importa se elas oprimem e exploram outras mulheres para manter seu staff de glamour. O novo feminismo cheio de purpurina e que ocupa espaços da mídia burguesa com a máxima: cada uma pode ser o que quiser; não bebe mais e nada a mais no velho calvinismo ou do próprio luteranismo, nos quais cada um, se trabalhar e seguir seu destino, terá o sucesso devido.

A questão a qual me detenho é: Por que existe espaço em meios capitalistas, que não criticam realmente o status quo que rege a nossa sociedade para se apropriar de uma parte do programa feminista? Pergunto mais! Por que há eco profundo desta lógica liberal de feminismo tomando conta do imaginário coletivo?

A abertura e a necessidade de se debater as contradições do capital e da sociedade patriarcal e racista estão colocadas, pois o momento que vivemos abre espaço para todos os questionamentos e se não há organização, disputa de posição e afins uma postura mais liberal e racista toma conta dos debates feministas que na sua base política debate a relação concreta de opressão de gênero.

Não há como não debater luta de classes sem debater as mulheres em geral, não há como debater a sociedade de classes sem localizarmos que o exército de reserva de trabalhadores na verdade é um exército de reserva de trabalhadoras negras, lésbicas, trans e que se uma atuação feminista não der conta disso, não se aperceber deste nó que organiza a exploração capitalista e as opressões que estruturam a nossa sociedade estarão apenas apresentando melhorismos que apenas uma parcela ínfima das mulheres irão desfrutar. É isso que queremos? Uma parcela ínfima das mulheres realmente livres e livres por que podem consumir e oprimir outras pessoas?

A reflexão fica, por que estas devem ser preocupações cotidianas dos nossos debates. Como sempre falo, o feminismo deve fazer parte de um projeto de totalidade e não apenas um fim em si mesmo. Aquelas que consideram o feminismo um fim em si mesmo e que um mundo só de mulheres irá melhorar as coisas só tenho a dizer: ajudar a manter o sistema de exploração que aí está e não pensas na liberdade das mulheres que realmente sofrem com o patriarcado, racismo, LGBTfobia e exploração de classes que aí se coloca cotidianamente e não é nada novo.

O novo feminismo que não debate os problemas concretos e ideológicos com os quais nos confrontamos cotidianamente na sociedade não passa de mera apropriação dos setores que oprimem. O novo feminismo branco, cis, descolado e que cabe nas capas de revista, é simplesmente a velha forma de dizer para nós, mulheres negras, lésbicas e trans que a efetivação de direitos nessa sociedade não é para a gente e sim para uma parcela ínfima de mulheres que prefere oprimir a libertar.

E tu? O feminismo que tu reivindicas samba de que lado?