Tina Fey: a poderosa chefona

Texto de Catarina Corrêa.

Recentemente me deparei com um bom livro. Há bons livros daqueles que te fazem pensar e há bons livros daqueles que te divertem — e, invariavelmente, os melhores são aqueles bons livros que te fazem pensar E te divertem ao mesmo tempo.

Passei o Carnaval lendo um livro desses que você sente falta quando acaba de ler. Preciso ressaltar ao futuro leitor, no entanto, que não agradei em nada as pessoas ao meu redor, já que minhas constantes e altas risadas ao ler irritavam as leituras sóbrias do cenário bucólico onde eu estava.

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Pois bem, ‘A Poderosa Chefona’ (Bossypants) de Tina Fey, está aí para provar, antes de mais nada, que feministas tem bom humor (você achou que não tivéssemos?).

Não esperem um feminismo sociológico, uma teoria do ser mulher, ou do ser qualquer coisa. Nada disso. O livro busca fazer rir especialmente com a grandessíssima habilidade que Tina Fey tem de problematizar uma séria de pressuposições sociais que as pessoas tem.

É o que acontece quando ela fala, por exemplo, do que chama de “o mito de não haver suficiente”, que se resume a: “como isso pode ser verdade se nós criamos o programa?”, no caso de roteiristas, mas que também é verdade no caso de: “se nós treinamos os novos funcionários” e em um milhão de outras situações.

Inclusive, devo dizer, o feminismo dela é bastante way to live americano: “ (…) me sinto obrigada a continuar no show business e tentar chegar a um lugar onde eu possa criar oportunidades para outras mulheres”.

Ela entende que ser feminista é viver de forma feminista, dar na cara das pessoas ao seu redor o universo feminista e abrir possibilidades para as outras mulheres, no futuro, serem elas mesmas sem precisarem lutar pelo que o feminismo acredita. É algo que ela carrega individualmente, mas não é um trabalho, nem um movimento social.

Ah, é bem importante alertar (mas acho que já ficou claro): não é um livro cult, é um best-seller, com tudo que ele tem direito, inclusive listas do que fazer para….

Ele segue o estilo que tanto Tina Fey quanto Amy Poehler desenvolveram no humorístico Saturday Night Live’ (SNL), e que é brilhantemente encenado no seriado ‘Parks And Recreations’.

O livro tem de tudo que você espera que Tina Fey escreva:

– Sua história pessoal e profissiona. Você ficará impressionada com as exclusões do mundo artístico das mulheres baseado em argumentos absolutamente bizarros;

– Sua opinião sobre a presença das mulheres no showbiz (definitivamente a melhor parte);

– Piadas infinitas, especialmente com o objetivo de azedar o machismo generalizado do mundo;

– Como é ser escritora do ‘Saturday Night Live’;

– O que ela acha de ser mãe;

– Como foi interpretar Sarah Palin no ‘Saturday Night Live’. Inclusive, na época, ela fez uma esquete sobre mídia e mulheres na política que todos, especialmente produtores de conteúdo, deveríamos rever antes da campanha começar – esse conteúdo está no livro;

– Como é ser amiga da Amy Poehler (Ok, talvez essa seja a melhor parte pra mim, por que Amy Poehler é genial e a adoro);

– Respostas a comentários que ela já recebeu na internet.

Tina Fey e Amy Poehler na apresentação do Globo de Ouro 2013. Foto de Handout/Getty Images.
Tina Fey e Amy Poehler na apresentação do Globo de Ouro 2013. Foto de Handout/Getty Images.

Embora o livro seja todo bom, há trechos que me deixaram mais boquiaberta (os próximos parágrafos podem conter spoilers, mas garanto que não vai estragar a forma que ela conta, que é bem melhor, muito engraçada mesmo, já comentei isso?):

Uma das maravilhosas ironias que Tina Fey faz para desconstruir uma das faces invisíveis do machismo é categorizar todos os homens a partir do comportamento de um só, como se ser homem o definisse antes de qualquer coisa.

Bem, ela responde a nada capciosa e extremamente entediante pergunta: qual a diferença entre um comediante homem e uma comediante mulher? A resposta é: homens mijam em copos. Isso é, aparentemente algo que alguns homens realmente faziam nos escritórios de Weekend Update (uma esquete do SNL), e que ela diz ser verdade porque: “toda vez que alguma mulher faz um stand-up ruim em algum lugar, um interblogger babaca vai deduzir que ‘as mulheres não são engraçadas’.”

Então, ela propõe o uso da mesma matemática. Não para sempre, claro. Não para tudo, é apenas um tapa na cara das generalizações.

Outra coisa que amei (e vou parar por aqui porque poderia falar do livro todo), é quando ela comenta uma leitura que fez do filme ‘American Pie’, invertendo o gênero dos personagens – homens seriam mulheres e mulheres homens. O que, além de ter provado o ponto inicial de que a piada é engraçada por ser engraçada (particularmente não me lembro de achar ‘American Pie’ engraçado, mas ok, seguindo…), o que mais a surpreendeu foi o tanto que os homens se entediaram ao atuar/ler papéis femininos – simplesmente porque o papel não é representar alguém, mas representar alguma coisa de alguém: filha, namorada, professora, paquera, e por aí vai.

Não há espaço para desenvolver um personagem, o que leva as pessoas a acharem que as mulheres são comediantes/atrizes de comédia ruins, quando na verdade as coisas se resumem ao seu enquadramento.

Recentemente, a atriz americana Olivia Wilde também comentou sobre esse exercício de trocar os papéis de gênero em ‘American Pie’:

Não sei se algum de vocês já foram as leituras ao vivo no LACMA (Los Angeles County Museum of Art), onde o roteiro de um filme clássico é lido no palco por atores. Recentemente, fizemos uma leitura de ‘American Pie’, mas invertemos os papeis de gênero. Todas as mulheres desempenharam os homens, todos os homens fizeram as mulheres. E, em parte foi tão fascinante, porque como as mulheres assumiram os papéis principais, elas tinham todas as boas falas, tiveram todas as boas risadas, todos os grandes momentos. Os homens que se juntaram a nós, para se sentar no palco, começaram a se contorcer bastante, mostrando desconforto e aborrecimento, porque eles não estavam acostumados a ser o elenco de apoio.

Foi fascinante sentir seu desconforto. E, ao discutir com eles mais tarde, eles disseram: “É chato fazer o papel da garota!” E eu disse: “Sim! É. Você acha? Bem-vindo ao nosso mundo!”

Acho que não preciso concluir refletindo que recomendo demais o livro e que é muito engraçado, mas vou fazê-lo ainda assim: leiam – vocês devorarão o livro em poucos dias.

Referência

Tina Fey: A poderosa chefona. Editora Record, 2013.