Texto de Denise Jolly. Tradução de Bia Cardoso. Publicado originalmente com o título: ‘High Heels & a Hand Bag: BE BEAUTIFUL Goes SHAMELESS in Brooklyn by Denise Jolly’ no tumblr do projeto ‘The Body Is Not An Apology’ em 20/05/2014.
Eu tenho 34 anos e a primeira vez que vi um corpo nu que parecia com o meu, assumido com orgulho, foi apenas um ano atrás. Ao dizer “um corpo como o meu” o que quero dizer é, não importa a gaiola de aço de um espartilho ou o castigo elástico de um cinto, minhas curvas grossas derramam sobre mim e para fora como uma massa macia. Eu sempre fui uma massa macia. É exatamente como minhas mãos de trabalhadora, foram geradas em mim. É como a minha força de vontade e meu coração obstinado, é um indicativo tanto da minha luz como da minha sobrevivência. Eu não estou escrevendo isso para contar uma história de como meu corpo veio a ser como é, estou escrevendo para compartilhar como eu finalmente cheguei a parar e olhar, realmente olhar para o meu corpo e aprender ativamente o poder que há em redefinir o conceito de beleza.
Há um ano atrás, eu estava folheando livros na The Feelmore Gallery no centro de Oakland, Califórnia, quando me deparei com um exemplar de The Full Body Project, um lindo livro em preto e branco, desses que colocamos em mesas de centro, recheado com fotografias de mulheres e seus grandes corpos. Olhei cada página, cada corpo e me encontrei olhando para as partes de mim que eu nunca tinha considerado dignas de ver. Embora cada corpo no livro fosse grande, cada um era único em sua forma e graça. Este livro foi a maneira pela qual fui formalmente apresentada a Alotta Boutté e Jukie Sunshine. Duas ferozes, gordas e femininas artistas/ativistas que vim a conhecer e admirar. Seus corpos foram os primeiros grandes seios, grandes bundas e gloriosas barrigas que eu reconheci bonitos, ao mesmo tempo reconhecendo quão similar a suas formas eram a minha. Pela primeira vez pensei comigo mesma: “Isso significa que eu poderia realmente ser bonita?”. Dizer que este momento foi fundamental seria subestimá-lo. Mesmo assim, 10 meses se passaram antes que eu estivesse na frente de um espelho, olhando para mim completamente nua.
Durante o frenesi do meu projeto fotográfico de 30 dias, o ‘Be Beautiful Project‘, tornando-se globalmente viral, fui apresentada a Shameless Photography por minha querida amiga da classe trabalhadora, a artista/ativista Blyth Barnow. Em março de 2013, Blyth ganhou uma sessão de fotos totalmente profissional, no valor de 1.000 dólares, por meio do concurso anual “Escreva uma carta de amor para o seu corpo” da Shameless Photography. A profundamente talentosa e bravia equipe da Shameless Photography proporcionou uma experiência de vida afirmativa para Blyth, completa com cabeleireira e maquiadora profissionais, um guarda-roupa abundante, um banho de comentários afirmativos sobre seu corpo e uma profusão de fotos deslumbrantes no estilo pin up. Foi através de Blyth que descobri que essa incrível equipe de fotografia também era fã do ‘The Be Beautiful Project’ e estavam compartilhando o projeto em seus círculos. Então, eu estendi o convite para colaborarmos artisticamente. A oferta foi recebida de braços abertos. A equipe da Shameless (Sophie, Carey e Maxine) e eu tínhamos determinado uma missão nesta colaboração: desmontar nossa própria vergonha internalizada e criar um trabalho que mude as maneiras pelas quais nós, como mulheres, vemos a nós mesmas e aos outros.
A Shameless Photography pede a todas as suas clientes que preencham um questionário para ajudar a equipe a entender seus interesses e sua estética. A primeira pergunta no formulário é: “Você tem imagens que você gostaria de usar como inspiração para sua sessão de fotos Shameless?”. Antes de responder, eu sentei e pensei bastante. Quais foram as mulheres com grandes corpos representadas na cultura popular durante meu crescimento e educação? Pensei na comediante e estrela de seriados Roseanne Barr, Cameryn Manheim do seriado Law & Order e Mindy Cohen que interpretou Natalie no seriado dos anos 80, Facts of Life. Todas elas eram mulheres lindas, poderosas e bravias. Mas, a proposta das imagens da Shameless Photography é tomar a estética Pin Up e usá-la dando-lhe um toque feminista. Nenhuma daquelas figuras de minha infância faziam referência a estética Pin Up . Nenhuma delas foi retratada com sensualidade ou sexualmente empoderadas. Há uma personagem feminina com corpo grande que representou a estética pin up na mídia de massa durante meus anos de formação, uma gorda sexy chamada… Miss Piggy. Oh como eu amava Miss Piggy. Ela era mandona. Ela era extremamente feminina. Ela tinha um subserviente admirador Caco, o Sapo, que a amava eternamente. Então, tomei um choque de realidade, minha maior influência feminina como uma jovem mulher com um corpo grande era uma Porca dos Muppets.
No livro, ‘All About Love’, da autora e estudiosa feminista, bell hooks, ela escreve: “O espaço da nossa falta é também o espaço da possibilidade”. Quando eu estava na escola, meus amigos e eu brincávamos de coreografar músicas no parquinho, na hora do almoço. A música “Jimmy Jimmy” de Madonna era uma das mais frequentes. Nós dançávamos e cantávamos as letras como se nosso ingênuo “amor” dependesse de nossas vozes alcançando os céus para existir. Era outono de 1986 e Madonna era a deusa de toda cultura popular. Seu álbum, ‘True Blue’ estava no topo das paradas. Seus lábios ricamente vermelhos, as sobrancelhas escuras e os cabelos loiros descoloridos eram uma reminiscência de Marilyn Monroe. Ela era a filha do pregador religioso que tornou-se uma pop star, tornando-se também um ícone cultural. Aos 7 anos de idade, Madonna abriu um precedente para que a minha prática Mórmon na época, e agora feminina, queer, autolibertadora de corpos pudesse vir a tona um dia.
Toda vez que eu pensava sobre a questão no questionário da Shameless, eu pensava sobre Madonna e uma foto específica feita por Steven Meisel, pedindo carona nua em seu livro “sex” lançado em 1992. A foto é corajosa, feminina e lembra Marilyn Monroe. A imagem é tão obstinada que 22 anos mais tarde, ainda vive na linha de frente da minha memória. Mas eu ficava me perguntando: quem sou eu para ser tão ousada não só para ficar nua para uma sessão de fotos em público, mas também compartilhar a fotografia com o mundo? Mas a resposta veio imediatamente: Quem sou EU para NÃO compartilhar uma foto linda e artística de mim, ousadamente de pé e sem remorsos dentro do meu corpo com o mundo? Com isso, nós reservamos datas e vôos e fui SER LINDA e SEM VERGONHA em Nova York!
Quando caminhei ao redor daquela esquina do Brooklyn em março, eu estava presente em cada célula do meu corpo. Cada célula estava perfeitamente aterrorizada. Pisei na rua desgastada e alinhei minha postura da maneira que ensaiei durante toda a manhã. Sophie passou a quase 5 metros de distância, fotografando e analisando a rua para a foto perfeita. Carey e Maxine estavam atentas e faziam gestos direcionados para ajudar a obter minha posição perfeita. Ainda estava com meu vestido, esperei Sophie dar o assentimento e na hora que tirei meu vestido, o joguei o mais longe possível de mim, tranquei meu corpo na posição e rezei para que tivesse dado certo.

Eu olho para trás naquela noite na Feelmore Gallery, no centro de Oakland, e lembro que levou 33 anos para que eu passasse a ver mulheres do meu tamanho viverem com orgulho e sem pedir desculpas por seus corpos nus. Isso é inaceitável. Há mulheres, pessoas, corpos por todo mundo ensinados a acreditarem que não são desejados e invisíveis. Nós não somos contruídos para sermos invisíveis; somos construídos para sermos desejados, não importa nosso tamanho ou aparência. O ‘The Full Body Project’ me convidou a olhar para o meu corpo inteiro pela primeira vez. Jukie Sunshine e Alotta Boutté me convidaram para ver a beleza de meu corpo, não me dizendo, mas me mostrando como tão belos eles são. Considere esse texto meu convite para você experimentar a si mesma e seu belo corpo na mesma luz e poder.
Autora
Denise Jolly é escritora, performer e educadora. É a criadora do ‘Be Beautiful Project’. Seu trabalho busca fazer intersecções entre gênero, classe, sexualidade e corpo. Já publicou em veículos de mídia como Huffington Post, XOJane, HERA Humanities Journal e Write Bloody Publishing’s Courage Anthology. Atua ensinando e fazendo performances em escolas, universidades e outros espaços públicos e privados. Gosta de fazer grandes coisas com pessoas bacanas, é movida pela arte, pelo senso comunitário e como eles trabalham juntos. Para saber mais, visite seu site, twitter, tumblr, instagram e facebook.