Alerta de spoiler! Esse texto revela informações sobre as temporadas do seriado Orange Is The New Black.
Gosto muito do seriado Orange Is The New Black, que teve a estreia de sua segunda temporada no início de junho, no serviço Netflix. A trama mistura drama e comédia ao mostrar o cotidiano de uma prisão feminina norte-americana. Além da diversidade sexual, de gênero, raça e faixa etária, é possível ver também uma diversidade de corpos pouco vista em outras séries com grande participação feminina. O que traz uma boa diversidade de representações femininas para a televisão.
Decidi propor a tradução do texto abaixo porque acredito que ele resume bem o que considero serem os pontos positivos da série e também aponta o que deve ser melhorado.
De inicio, as personagens são mostradas de forma completamente caricata, mas com o avançar da série e das temporadas vamos nos aprofundando nas motivações e complexidades das personagens (apesar de ver falhas no pouco aprofundamento das motivações de Vee, uma das grandes personagens da segunda temporada). Na segunda temporada, em particular, há um foco maior nas personagens negras, idosas e com transtornos mentais. As relações de carinho, amor e sexo também são mais exploradas, além das questões relacionadas ao sistema prisional e as relações de poder dentro e fora da prisão
Cada personagem não atende completamente a um estereótipo, nem mesmo a protagonista deixa de entrar em contradição, muitas vezes exibindo conflitos não só sociais, mas também psicológicos e filosóficos durante a série. Piper é desafiada a lidar com o próprio ego, mas também vemos o desenvolvimento das vidas das outras personagens quando ela começa a se voltar mais para os problemas coletivos da prisão.
Porém, sempre há pontos para melhorar. Apenas na segunda temporada, Larry se refere a Piper como bissexual. E, mesmo assim, o assunto é tratado de forma bastante invisibilizante. Alguns artifícios de humor utilizados na série ainda são limitados a situações caricatas e, as vezes, preconceituosas, como alguns momentos em que mostram os distúrbios de Suzanne ou as atitudes misóginas de alguns personagens masculinos, como Sam Healy ou George Mendez. Como o texto traduzido aponta, falta também explorar mais personagens asiáticas. Na segunda temporada temos a nova personagem Soso, mas creio que ainda não é representativo com relação a população asiática da América do Norte.
Um ponto de destaque é que, fora das telas, a atriz Laverne Cox tem aproveitado o seu sucesso para levantar importantes reflexões sobre os diretos das pessoas transexuais. O elenco da série tem participado de algumas paradas LGBT, a mais recente foi em Nova York. Lea DeLaria veio este ano para a parada LGBT de São Paulo. Esse comprometimento da produção e das atrizes em levantar a bandeira da diversidade tem reforçado as questões levantadas na série e trazido reflexões para outros espaços.

Orange is The New Black: a novidade feminista?
Texto de Lola Ripley. Tradução de Bia Cardoso. Publicado originalmente com o título: ‘The new feminist thing’ no site The F Word em 11/03/2013.
Drama sobre uma prisão de mulheres norte-americanas, Orange Is The New Black, conta a história de uma mulher presa por transportar dinheiro proveniente do tráfico de drogas. O seriado tem sido frequentemente elogiado pela variedade de representação das personagens femininas. Lola Ripley assistiu e encontrou uma mensagem forte e predominante de que todas nós estamos apenas a uma escolha de perder nossa liberdade, especialmente aquelas sem redes de segurança.
Orange is The New Black, escrito com base nas memórias da prisão de Piper Kerman, é um seriado sobre mulheres.
Você notará que, dessa vez, a palavra “mulheres” está sendo usada sem um qualificador, sem a necessidade de um asterisco ou parênteses para explicar melhor. Mulheres de diferentes sexualidades, raças, etnias, classes sócioeconômicas, identidades de gênero, formas e tamanhos, todas têm espaço, não apenas no episódio 13 da longa temporada, mas desde o primeiro episódio.
Este é um, dentre vários seriados oferecidos exclusivamente no serviço Netflix. A principal vantagem desse sistema é que as datas de lançamento (como aconteceu com House of Cards e a quarta temporada de Arrested Development) coincidem com as datas de lançamento dos Estados Unidos. Não há mais a chance de sofrer com spoilers na internet quando se começa a ver um novo seriado e não é preciso esperar seis meses para um canal do Reino Unido comprá-lo. É um progresso para os impacientes.
Parece, à primeira vista, que a criadora do seriado, Jenji Kohan, nos oferece uma versão alternativa de seu seriado de grande sucesso: Weeds, especificamente porque há uma protagonista branca e chorona envolvida com o mundo do crime. Porém, o grupo demográfico ocupado pela protagonista Piper Chapman (Taylor Schilling) é realmente a única semelhança, além do humor picante e das frases de efeito. Não se trata de uma versão do seriado Bad Girls com piadas, Orange tenta manter a coragem e a compaixão junto com os diálogos certeiros.
No entanto, o seriado não escorrega em apologias prolongadas. Um traço comum é que a maioria das detentas aceita que suas escolhas as trouxeram até este ponto. A variação está na forma que algumas usam essas escolhas como um distintivo de honra, enquanto outras apenas querem manter a cabeça baixa e serem servientes durante seu tempo.
Uma mensagem forte e predominante é de que todas nós estamos a uma escolha de distância da ruína, e ninguém está mais vulnerável do que aquelas sem redes de segurança. As histórias são tão variadas quanto são complexas: há mulheres que matam para proteger crianças, há as que foram motivadas por dificuldades econômicas a realizar atos desesperados, há aquelas manipuladas pelos homens de suas vidas ou que sofrem as conseqüências do fracasso dos mecanismos de apoio tradicionais, como a unidade familiar. Infelizmente, como na vida, as consequências são notavelmente semelhantes e agrupadas.
Tal como acontece com tantos dramas que tem um grande elenco, o uso de flashbacks é usado para mostrar uma nova história de fundo em cada novo episódio. Isto funciona especialmente bem, pois as mulheres navegam dentro e fora umas das outras, no limite que a órbita da prisão permite, aguçando o apetite do espectador ao descobrir como uma promissora estrela do atletismo acaba na prisão, ou como uma dócil fã de yoga tem um passado que prefere manter escondido. Mesmo a discussão sobre o aborto apresenta algumas reviravoltas diferentes, com foco principalmente em Pennsatucky (Taryn Manning) e Daya Diaz (Dasha Polanco), esta última após um relacionamento com um dos guardas.
Nenhum seriado é perfeito, claro, embora possa ser dito que este é um seriado que pode ser recomendado para qualquer pessoa com poucas ressalvas. Entretanto, poderia citar que enquanto há representação de mulheres negras e latinas exploradas, com personagens totalmente desenvolvidas fora do círculo imediato da narradora branca, personagens asiáticas são representadas por um detenta que mal recebe uma linha.
Há muitas discussões sobre raça, até porque Orange é focada numa mulher branca que vive uma situação de “peixe fora d’água ‘. É frustrante pensar que talvez isso tenha sido necessário por causa da ideia de que o seriado não seria vendido se fosse embalado simplesmente como um drama diverso passado numa prisão feminina. Dito isto, primeiramente, Orange parece servir estereótipos de cada grupo demográfico, entretanto, há uma sutileza em derrubar essas teses com o progresso dos episódios. Muitas vezes, na tentativa de evitar o preconceito, não pode haver a eliminação da cultura e da diversidade, o que acaba fazendo com que cada grupo de mulheres se encaixe numa visão vaga que as pessoas de classe média geralmente tem. Orange faz avanços nesta frente, e você não pode perder a discussão sobre “políticas para pessoas brancas” feita por Taystee (Danielle Brooks) e Poussey (Samira Wiley) no episódio seis da primeira temporada.
A amizade entre Taystee e Poussey é formidável, com temas que passam pela sororidade inesperada e a cooperação para se livrar de enroscos ao longo da série. Alianças de conveniência, laços familiares e amizades genuínas ganham ao menos o mesmo peso que as tramas românticas, isso, por si só, já é digno de comemoração.
Houve críticas compreensíveis sobre a descrição inicial de Piper como uma ex-lésbica, uma linguagem problemática que realmente é usada para mostrar as limitações de algumas personagens. O seriado caminha para discutir a sexualidade como um espectro, algo como uma verdade incomum em um meio onde a sexualidade é tão fluída quanto suas classificações.
Sendo mulheres presas, a questão do consentimento e do sexo aparece rapidamente como um tema central e, não há nenhuma timidez em mostrar a disparidade de direitos em uma situação em que os homens são responsáveis por mulheres vulneráveis. Este jogo de poder e a injustiça existente se torna mais proeminente com o progresso da primeira temporada e, em alguns momentos, a vontade de jogar coisas sempre que um determinado personagem aparece é forte. Mais uma vez, Orange resiste ao óbvio recurso dos personagens bons vs maus, humanizando até mesmo o pior dos guardas, mas nunca nos permitindo esquecer a facilidade com que escorregamos para o papel de predador.
A prisão é um campo minado de questões para desenvolver um bom drama e a atuação de Uzo Aduba no papel de Suzanne Warren é um destaque dentro de um elenco estelar. Com a apresentação da sua personagem “Crazy Eyes”, a discussão dos cuidados “psíquicos” dentro da prisão vai fazer com que você se recuse a usar esse apelido cruel novamente. As relações entre doenças mentais e crimes é propícia a uma maior exploração ao final dos 13 episódios, particularmente enquanto aguardamos o passado de Suzanne.
Outra performance de destaque vem de Laverne Cox, a primeira mulher trans, negra, a ter um papel de destaque em um grande programa de televisão. Como Sophia Burset, ela caminha pelo campo minado da linguagem ofensiva e de ameaças muito reais, proporcionando uma parte vital da infraestrutura carcerária com suas habilidades num salão de beleza e a amizade com as outras mulheres. As realidades da transição de gênero são tratadas com graça, juntamente com o desgosto da rejeição e da realidade financeira de ter um tratamento médico adequado negado na prisão. Sair do estereótipo da mídia, que só apresenta personagens trangêneros como profissionais do sexo, é notável.
Natasha Lyonne (como Nicky Nichols) e Kate Mulgrew (como ‘Red’) promovem momentos memoráveis, respectivamente como a viciada com um coração em que se pode confiar e a mulher russa que rege a cozinha da prisão com mão de ferro. Se você estiver com dúvidas se vale a pena ver o seriado, vale a pena investir e assistí-lo até o quinto episódio, onde é possível ver a alquimia de elementos se estabelecendo. Idade e atratividade convencional não são barreiras para o peso ou conteúdo do enredo de ninguém.
Finalmente, como uma mulher queer, é um alívio ver um seriado elogiado pela crítica e tão comentado pelas pessoas onde o romance principal é entre duas mulheres. Piper descobre que seu tempo na prisão será complicado pela presença de sua ex, Alex (Laura Prepon), a mulher que a envolveu em seu esquema operacional de tráfico de drogas, para começo de conversa. Embora o dedicado noivo de Piper, Larry (Jason Biggs), esteja esperando por ela no mundo exterior, fora da prisão, fica claro que Alex e Piper têm negócios inacabados. Se triângulos amorosos são recursos usados em demasia quando se trata de romance na televisão, pelo menos este sacode a ordem convencional das coisas. Enquanto os clichês da lesbiandade na prisão aparecem de vez em quando, há uma destreza no manejo desses clichês, o que faz com que personagens como Tricia (Madeline Brewer) e Big Boo (Lea DeLaria) sejam tão reais e complexas como qualquer outra personagem. Ninguém está reduzida a um simples rótulo aqui.
Você pode notar que os personagens masculinos são pouco mencionados ao longo desta crítica. Enquanto eles são relevantes para a trama, na maioria das vezes devido a malícia ou incompetência, o seriado não é decididamente sobre esses homens. As ações e caracterizações do seriado não são modificadas. Porque para mudar nós temos que focar nas mulheres e em suas histórias e, com isso, deixar os cavalheiros ficarem com os papeis de coadjuvantes e, algumas vezes, com o desconfortável alívio cômico. Se a televisão é amplamente reconhecida como um terreno mais fértil para as atrizes do que o cinema, esperamos que isso seja a continuação dessa tendência.
Treze horas de um programa de televisão agradável e diferente esperam por você. Porém, ao contrário das detentas da prisão de Litchfield, você pode encontrar-se desejando que a sentença fosse apenas um pouco mais longa.
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