Não basta “Dizer não ao Racismo”

Texto de Silvana Barbara G. Da Silva.

Depois dos muitos casos de racismo presenciados no futebol, para esta Copa do Mundo a FIFA resolveu se comprometer com a redução destes casos e organizou a campanha intitulada “Say no to Racism” (Diga não ao Racismo). Mas, infelizmente, pouco esta “campanha” de conscientização está realmente sendo útil para dar um basta no racismo, na discriminação social e na xenofobia dentro dos limites do futebol.

Isto é fácil de concluir, para quem vem acompanhando este evento tão “Padrão FIFA”, que está sendo esta Copa do Mundo. O que se pode observar, é que esta iniciativa foi tomada apenas para manipular o povo com a ideia de que está se fazendo algo contra o racismo dentro do futebol, na verdade, mais um “cala a boca”, principalmente para a população negra que está cada vez mais se manifestando contra os casos de racismo, não somente no futebol, mas em todas as instâncias.

Sabe-se que, por razões históricas, o povo negro no Brasil faz parte da base da pirâmide, quando se fala em situação social e financeira. Pessoas negras representam a camada mais pobre da sociedade, e, por esta razão, torna-se difícil visualizar negros(as) na grande torcida dos jogos do time brasileiro. Ressalta-se o “difícil visualizar” porque realmente há uma supremacia da elite branca na torcida brasileira, em razão dos valores dos ingressos. O valor de um ingresso para assistir a uma partida do jogo do time tem um valor inacessível para a maioria da população brasileira, principalmente a negra. É o “Padrão FIFA” colocando a elite branca em destaque, a mesma elite que aderiu a não menos problemática campanha “Somos Todos Macacos”. Por acaso, a mesma elite que vaiou o hino do Chile quando este jogou com o Brasil nas oitavas de final do campeonato.

O grande problema da campanha contra o racismo organizada pela FIFA, é que não estão sendo tomadas medidas realmente eficazes para combater o racismo e outros casos de discriminação dentro e fora dos estádios, relacionados com o futebol, torcedores(as) e os jogadores. E, é fácil perceber que tudo está sendo passado sem que as pessoas não dêem a mínima importância para os casos de racismo que já aconteceram nesta Copa, e que ainda irão acontecer, pela ineficácia da própria FIFA.

Jogadores de Brasil e Colômbia seguram o banner da campanha "Say no to Racism" da FIFA, antes do jogo. Foto de Lars Baron/ Getty Images.
Jogadores de Brasil e Colômbia seguram o banner da campanha “Say no to Racism” da FIFA, antes do jogo. Foto de Lars Baron/ Getty Images.

Citando os casos que mais apareceram na mídia, o primeiro foi uma situação que envolveu o jogador Marcelo, lateral da seleção brasileira, já no primeiro jogo da Copa, Brasil x Croácia. Marcelo fez um gol contra a equipe brasileira, e foi alvo de inúmeras ofensas nas redes sociais, principalmente relacionadas ao fato de ser negro. O insultaram pela sua cor de pele, seu cabelo e suas características afros. “Tinha que ser preto com cabelo ruim”, foi uma das frases de racismo ao jogador.

Outra ocasião foi a de que torcedores da torcida alemã entraram no estádio com os rostos pintados com tinta preta (blackface). Foi considerado o fato como racismo, mas não houve a punição necessária para o crime. Outros dois fatos foram os das faixas com escritos nazistas as quais torcedores croatas e alemães estavam portando, e também as bandeiras e adesivos que remetem ao nazismo, que foram colocadas no estádio Arena da Baixada por grupos neo-nazistas de Curitiba, no jogo entre Argélia e Rússia. Estes dois casos também ficaram sem a devida punição.

A FIFA justifica seu descaso afirmando que foram avisados da proposta de última hora, e que por esta razão não foi possível implantar medidas de ações mais eficazes nesta Copa do Mundo, e que talvez seja mais fácil se organizar neste sentindo na Copa do Mundo de 2018, sediada pela Rússia. A organização afirma que deveria ser aplicada uma força-tarefa, mas que não foi possível pela falta de prazo. Esta justificativa além de falha, demonstra o pouco caso por parte da FIFA perante o tema racismo e discriminação, além do despreparo total para lançar uma campanha que deveria ter uma seriedade demonstrada pelos seus organizadores e divulgada com mais força dentro do campeonato. Quando se afirma do pouco espaço de tempo entre a proposta e o início do evento, nota-se que a FIFA estava tão pouco preocupada com os casos alarmantes de racismo que nem pensou na alternativa de realizar algo para dar um basta nesta situação.

E os casos de racismo não param por aí. No jogo realizado pela seleção brasileira, nas quartas de final, o atacante Neymar Jr. levou uma joelhada que o tirou do campeonato. Este fato deixou muitos(as) brasileiros(as) preocupados(as), pois o jogador é considerado o maior craque da seleção. O fato é que o jogador colombiano Camilo Zúñiga, está sendo odiado pela torcida brasileira por ser o responsável pela saída de Neymar da Copa. Mas, o problema é que este ódio vem revelar e desmascarar mais uma vez o racismo muitas vezes velado.

Como aconteceu com Marcelo, depois do gol contra, Zúñiga está sendo vítima de crime de racismo através das redes sociais. Racistas estão o ofendendo das mais variadas formas possíveis, com insultos, palavrões, e, o que não poderia deixar de ser, comparando sua cor com a atitude que teve. Estão invadindo os perfis do jogador nas redes sociais e insultando inclusive sua mãe e sua filha, com ameaças de morte, violência e estupro. Suas características negroides estão sendo alvo de piadas e insultos que visam o ridicularizar por ser negro, sendo que a palavra mais utilizada para se referir ao jogador é “macaco”. Somos todos macacos? Não, negros(as) são considerados macacos, e isto é fruto de um sistema racista e nazi-fascista, e pode-se afirmar com certeza que a elite branca não pode nem imaginar o que Zúñiga ou qualquer outra pessoa negra sente ao ser alvo de racismo.

Todas estas aberrações de cunho racista estão sendo feitas porque o jogador da seleção brasileira, considerado como o principal, está fora da Copa do Mundo do Brasil. O Neymar Jr., este que, aliás, também é negro, apesar de não se identificar como tal. Mas Neymar somente será lembrado como “macaco” quando cometer alguma atitude infeliz no decorrer de um jogo da seleção brasileira pela Copa do Mundo. Que não será nesta, por enquanto o atacante negro é ainda o ídolo.

“Say no to Racism”. É fácil dizer não ao racismo, desta forma descompassada, dentro de uma campanha que não está tendo nenhum resultado prático, e somente está sendo divulgada por ser totalmente falha e ineficiente. Porque poucas pessoas observaram com atenção estes dizeres, e muitas que viram, não deram a importância devida. É fácil pedir para que os capitães das seleções leiam uma mensagem contra a discriminação, mensagens estas que o público presente nos estádios não estão dando a mínima importância. É fácil observar com certa angústia os jogadores lendo as mensagens, e atrás um coro de torcedores da elite branca impulsionado para o desempenho da seleção em campo, que quase encobrem a voz e o escutar das palavras das mensagens.

Somos Todos Macacos? Somos Um Só? Não, somos pessoas que vivemos em uma sociedade cercada por atos de discriminação das mais variadas formas, atos estes que não são punidos. Medidas eficazes devem ser implantadas, sem manipulação do povo e campanhas ilusórias que reforçam e naturalizam ainda mais o racismo já existente.

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[+] Sobre Zúñiga, Neymar e “macacos” por Eliane Brum.